Crianças, racismo, sexismo

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O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) prescreve no artigo 3º que “a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”, sem qualquer tipo de discriminação, consoante os objetivos da Constituição Federal.

Importante salientar que essa realidade ainda carece de materialidade, pois as crianças e os adolescentes integram o grupo de pessoas em situação de vulnerabilidade, e, a partir do recorte racial, constata-se que as crianças e adolescentes negros são as principais vítimas de violências direta e indireta.

A violência direta é aquela que acontece a partir de uma agressão física ou sexual e a violência indireta acontece com a invisibilidade, exclusão e discriminação de tratamento. Independente da violência que vitimiza a criança e o adolescente, o trauma estará presente e irá orientar sua vida.

Da mesma forma que o racismo retira a humanidade e civilidade dos negros, as crianças e adolescentes negros não são afastados dessa racionalidade, a ponto de terem seus corpos criminalizados, sexualizados e desprezados. A título de exemplo, nota-se a normalização e naturalização que os corpos de crianças negras em situação de rua não causa comoção.

Os negros sequer têm a oportunidade de serem personagens de livros, brinquedos e jogos. Os super-heróis dos desenhos são majoritariamente brancos. A exceção é destinada ao filme “Pantera Negra”, que fez com que as crianças, adolescentes e adultos se vissem como protagonistas nas “telonas” do cinema. Ainda que, a primeira princesa negra da Disney tenha sido a Tiana, do filme “A Princesa e o Sapo”, nota-se que ela não recebeu a mesma repercussão destinada as princesas brancas, que são figuras constantes nas estampas de roupas, material escolar e livros.

Shuri, princesa de Wakanda, é outra outra personagem que não possui a mesma visibilidade destinada às princesas brancas, apesar de ter obtido muito sucesso entre a população negra. Essa seletividade cria o imaginário de que os negros não podem ocupar esses papéis, limitando as possibilidades de abstração dessas crianças e adolescentes.

Há grande dificuldade de se encontrar bonecas negras à venda nas lojas com a mesma facilidade com que se encontra as bonecas brancas. Nesse sentido, não tem como educar crianças brancas e negras com a mesma autoestima, orgulho de sua cor de pele e de sua ancestralidade, quando o destaque é para a superioridade branca. A ausência de produtos com personagens negros à venda é racismo, pois invisibiliza os negros e impede que as crianças e os adolescentes brancos tenham contato com à diversidade. Tanto crianças brancas quanto crianças negras devem ter acesso as bonecas negras, para que possamos mostrar que a discriminação é desprezível, criminosa e inaceitável.

O Estado Democrático de Direito tem por obrigatoriedade à inclusão de todas as pessoas, e isso exige o contato com todos os grupos de pessoas, visto que uma sociedade includente deve garantir o bem-estar físico, emocional, econômico e social sem acepção de pessoas.

A luta de contra a discriminação racial impõe à educação antirracista com a naturalização e normalização dos brinquedos com personagens negros e de livros que valorizam a cultura negra como “O pequeno príncipe preto”, de Rodrigo França, “Meu crespo é de rainha”, da Bell Hooks e Chris Raschka e “O cabelo de Lelê”, de Valéria Belém.

O combate ao racismo não se limita à representatividade, mas ela é importante para romper com a normalidade da desigualdade racial e promover acolhimento e reconhecimento das minorias. Tendo em vista que o racismo é estrutural, Silvio Almeida afirma que o racismo não é apenas a prática individual ou institucional, mas resultado da estrutural social, a tal ponto que nem precisa de intenção.

Silvio Almeida afirma que “entender que o racismo é estrutural, e não um ato isolado de indivíduos ou de um grupo, nos torna ainda mais responsáveis pelo combate ao racismo e aos racistas” (ALMEIDA, 2018, p. 38), ou seja, as empresas que reproduzem a ausência de personagens e bonecas negras são, no mínimo, ética e politicamente responsáveis pela manutenção do racismo em nossa sociedade.

Além do combate a invisibilidade atribuída às figuras negras para a formação do imaginário das crianças e adolescentes negros, bell hooks afirma que precisamos entender que as crianças possuem direitos e que o fato de serem dependentes dos adultos, não significa que são propriedade deles.

Bell Hooks afirma que em uma sociedade patriarcal, é normal e natural que as crianças sejam consideradas sem direitos, a ponto de serem propriedade de seu pai e mãe, que sob o argumento da educação praticam violência física e moral contra as crianças. A autora afirma que a “violência adulta contra crianças é norma em nossa sociedade” (hooks, 2018), e isso precisa ser confrontado a partir dos problemas estruturais. “Na hierarquia do patriarcado capitalista de supremacia branca, a dominação de mulheres por homens é justificada, da mesma maneira que a dominação adulta de crianças” (HOOKS, 2018).

A estrutura social estabeleceu um papel para o homem branco, mulher branca, homem negro e mulher negra, inferiorizando a população negra, e de forma ainda pior a mulher negra, pelo fato de ser mulher e negra, de modo que atacar os problemas estruturais que organizam esses grupos é fundamental para materializar à igualdade.

As crianças são ensinadas a reproduzir o racismo e o sexismo quando se estabelece que meninas são princesas e ficam em casa e os príncipes são protetores e provedores; ou quando se estabelece profissão para as meninas e profissão para os meninos; ou quando os meninos são mais valorizados do que as meninas; ou que os negros são perigosos ou criminosos. Isso é um problema!

Chimamanda Ngozi Achiche afirmou que “perdemos muito tempo ensinando as meninas a se preocupar com o que os meninos pensam delas. Mas o oposto não acontece. Não ensinamos os meninos a se preocupar em ser ‘benquistos’. Se, por um lado, perdemos muito tempo dizendo às meninas que elas não podem sentir raiva ou ser agressivas ou duras, por outro, elogiamos ou perdoamos os meninos pelas mesmas razões” (ADICHE, 2015).

As crianças e os adolescentes reproduzem os exemplos que damos mais do que as coisas que falamos, por isso que são ensinadas consciente ou inconsciente a odiar e a desprezar. Entretanto, podem ser ensinadas a serem antirracistas e antissexistas. A educação é revolucionária!

Referências:

ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é Racismo estrutural? Belo horizonte: Letramento, 2018.

HOOKS, Bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Tradução de Ana Luiza Libânio. 1ª. Ed.  Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018 (e-book).

ADICHE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. Tradução de Christina Baum. 1ª Ed. São Paulo: Companhia das letras, 2015 (e-book).