Cotista desclassificada na UFPE

Cotista desclassificada na UFPE
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Por Bruno Torres – A recente polêmica da cotista vetada na UFPE suscita novamente o debate sobre a autêntica composição étnica do nosso país.

A garota, que visivelmente não é branca, foi simplesmente desclassificada pela banca da UFPE por ser avaliada como uma “não-negroide”, “seu nariz, cabelo liso, e demais traços não apresentam traços negroides”.

Bem, então por que a cota, legalmente, também é para pardos?

A garota, notavelmente, NÃO É branca.

Se a cota também é para pardos, e se por “pardos” vocês engordam estatisticamente tudo que é grupo não-branco do Brasil (caboclos, cafuzos, indígenas que não se auto identificam como tais, e entre ouras configurações raciais), porque quando é para “usufruir dos direitos”, vocês querem cortar a maior parte da população parda da Região Norte e uma das maiores frações dos pardos da Região Nordeste do país?

Ou vocês “consertam” a forma como contamos estatisticamente a população “parda” do Brasil, ou todo o país vai entrar num parafuso de caos, incoerência e hipocrisia em tudo que deriva de questões étnicas-raciais.

Em síntese:

1 – ACABAR COM AMERICANOFILIA

Abandonem de vez as noções americanófilas de “gota de sangue” ou de “birracialidade” que vocês aplicam, mesmo sem perceber e inconscientemente, ao Brasil.

E parem de definir que “negros” são todos os “pardos e pretos”, ou parem de dizer que “não existe pardo, pardo é papel, tudo isso aí é negro e ponto”.

2 – ACEITAR QUE FOMOS UM CALDERÃO DE NOVAS IDENTIDADES

Entendam que temos grupos étnicos raciais que se originaram da massiva “mistura” de séculos atrás, e que hoje constituem grupos sólidos de “Mestiço Indígena-Branco”, “Mestiço Negro-Branco”, “Mestiço Negro-Indígena”, além de outras possíveis configurações.

Nos EUA essas misturas ocorreram pouco, e as que ocorreram em geral sempre empurraram os mestiços para se identificarem com seus ancestrais étnicos não-brancos imediatos (mestiços de “branco e indígenas = indígena”, mestiços de “branco e negro = negro”). Não gerando, por lá, novas identidades.

Mas no Brasil, não. Aqui tratamos a coisa de forma muito diferente.

Por exemplo, o gaúcho fruto de guaranis e latinos não eram reconhecidos nem entre às etnias indígenas como se fossem parte deles (eram renegados entre os índios). Nem os gaúchos eram considerados brancos pelo brancos latinos ali presentes. O que ocorreu? Formaram, mesmo que sem perceber, uma identidade própria.

E assim também foi com “caboclos, mulatos e cafuzos”. Foram identidades criadas por força da história. Não foram “inventados” do nada, por decreto. Possuíram (e possuem) razão de ser.

Nossa configuração étnica não foi dos Estados Unidos e países colonizados pelos anglossaxões. Aceitem os fatos antes que fique ainda mais ridículo assumir esse papel de palhaço.

3 – SEM MORALISMOS COM TERMINOLOGIAS

Lidem bem com as terminologias populares, aquelas que as pessoas, em geral, usam para falarem de si mesmos.

Se você chega pra um mestiço, que não se identifica nem como branco, nem como negro, nem como indígena, mas “como algo diferente”, “como mulato”, “como moreno”, apenas compreendam e aceitem a identidade do sujeito. E ponto final.

Não tente ser “o militante esclarecido que veio do ensino superior”, empurrando de forma tosca que ele está apenas “sentindo vergonha de quem ele realmente é, usando terminologias de forma racista”.

Você estará apenas tutelando a identidade dos outros com uma régua muito mais artificial que a da própria pessoa que você está apontando.

Logicamente, há casos em que as pessoas realmente renegam ou não possuem nenhum conhecimento quanto às suas origens. São casos e casos.

Mas isso não é um fator universal, nem ocorre sempre, e nem deve ser usado como uma justificativa legítima para que você aponte o dedo para cada “pardo” (leia-se: caboclos, mulatos, cafuzos e outros) dizendo coisas como “Não, você não é pardo!!! Você é preto!!! Deixe de ter vergonha do que você é!!!”.

Bom, talvez ele só seja um caboclo bem situado da identidade dele. E talvez o “branco esclarecido” racista seja justamente você…

CONCLUSÃO

Vocês, fiscais “étnicos” que “vetam” a existência de identidades não-brancas daqui,são os brasileiros mais alienígenas e alheios ao Brasil.

Quase tão racistas quanto direitistas viralatas. Aliás, na “esquerda”, isso não passa também de um viralatismo politicamente aceito.

Por Bruno Torres, editor do Jornal A Pátria, conselheiro da Fundação Leonel Brizola em Pernambuco e militante do Movimento Nova Pátria