Clara Nunes, a deusa mestiça da brasilidade

Clara Nunes a deusa mestica da brasilidade
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Por Luiz Campos – Um dos epítetos de Clara Nunes era “mestiça”. Muito mais do que uma questão de sangue, sua arte era mestiça. Mineira do interior, filha de um violeiro de folia de Reis, fez sucesso no Rio de Janeiro cantando Bahia e África. Uma das maiores intérpretes de samba que nosso país já teve, cantou também baião, ijexá, MPB e canções românticas. Seu canto era de três raças, carregando as alegrias e lamentos dos povos que gestaram esse ser novo e único que é o brasileiro. Sua voz calorosa era tão herdeira de Carmen Miranda, Ângela Maria, Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira e Maysa quanto filha de Ogum e Iansã.

Em uma década de auge artístico, teve mais de vinte grandes sucessos: temas românticos ( ”Tristeza pé no chão”, ”Alvorecer”, ”Lama”, ”Coração leviano”), canções animadas (“Quando vim de Minas”, “Coisas da antiga”), autoafirmações (“Na linha do mar”), odes à natureza (“As forças da natureza”), protestos (“Meu sapato já furou”), cantos de singela esperança (“Menino Deus”), visões místicas (“Juízo final”) e as glórias e tristezas do nosso povo (“Canto das três raças”).

Revelou Aldir Blanc (“De esquina em esquina”), recordou Candeia (“O mar serenou”) e Nelson Cavaquinho (“Juízo final”). Após se casar com o grande compositor Paulo César Pinheiro, que se tornou seu produtor, a música de Clara se refinou e se sofisticou, porém sem jamais abandonar as raízes, como o estilo samba-enredo que sempre divulgou.

Nenhuma cantora popular mergulhou tão profundamente na alma de nossa coletividade, ninguém nunca ecoou com tanto sentimento e graciosidade a força das crenças afro-brasileiras. Quando a mestiça abria sua boca, era o espírito de todo um povo que cantava.

É sempre paradoxal quando um artista morre jovem. Nossos corações choram ao se despedir de um ídolo; por outro lado, existirá sempiterna sua imagem triunfante e livre da fragilidade da velhice. Clara sobrevive no imaginário do brasileiro, sempre bela em seu sorriso cheio de luz e dançando em seu vestido branco. Hoje, quando completaria 80 anos, a sabiá (como também era chamada), segue mais viva, fascinante e forte do que nunca. Transformada pelo destino em deusa da brasilidade, Clara é um Sol para aqueles que amam o povo brasileiro e sua cultura, para aqueles que compreendem o quanto são felizardos por terem nascido no pedaço mais belo do mundo, além do privilégio de compreender de fato artistas geniais como a mineira que cantou nossa essência.

“É a festa do Brasil mestiço, santuário da fé”

Por Luiz Campos

Publicado pela Frente Sol da Pátria