Proposta de Ciro Gomes sobre SPC pode ser turbinada pelo uso das reservas cambiais

Ultimamente têm-se discutido bastante acerca da proposta de Ciro Gomes, candidato a presidente pelo PDT, sobre limpar o nome dos mais de 63 milhões de brasileiros inadimplentes cujos números de CPF estão restritos no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC)
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O Brasil possui hoje cerca de 380 bilhões de dólares em reservas cambiais. Essas reservas são dólares comprados pelo Banco Central (BC) durante cenários econômicos favoráveis, como na década passada durante o boom exportador de commodities alavancado pela China.

Grande parte das reservas em dólares que o Banco Central acumula é investida em títulos da dívida dos EUA, considerados ativos líquidos e seguros. Em caso de uma crise cambial, por exemplo, o Banco Central pode vender esses títulos com facilidade, em função de sua liquidez, e obter o valor equivalente em dólares. Com isso, o cenário estaria pronto para uma política monetária anticíclica capaz de evitar uma desvalorização excessiva da moeda nacional frente ao dólar.

É reconhecida a função protetora das reservas cambiais. Investidores internacionais sérios preferem investir em países que possuem esse colchão de segurança cambial. Contudo, essas reservas em dólares também possuem um custo.

Esse custo é chamado de “carregamento”, e se calcula por meio da diferença entre os juros que o governo brasileiro paga para receber dinheiro emprestado e os juros que o governo americano paga ao brasileiro pela aplicação das nossas reservas em títulos do Tesouro deles. Como os juros brasileiros são muito maiores que os americanos, o custo de manutenção das nossas reservas em dólares oferece um enorme impacto ao Brasil.

Além disso, estima-se que, para a economia brasileira, 200 bilhões de dólares em reserva já seria suficiente para nos garantir a segurança necessária diante de uma eventual crise cambial de grande porte. Tendo isso em vista, e considerando o custo de manutenção dos quase 400 bilhões de dólares que o Banco Central detém, vários candidatos à presidência discutem a possibilidade de utilizar parte deste contingente de reservas para retomar o crescimento da economia nacional.

O PROJETO DE CIRO PARA O SPC, AS RESERVAS CAMBIAIS E O ENDIVIDAMENTO EMPRESARIAL

Ultimamente, tem-se discutido bastante acerca da proposta de Ciro Gomes, candidato a presidente pelo PDT, sobre limpar o nome dos mais de 63 milhões de brasileiros inadimplentes cujos números de CPF estão restritos no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Os detalhes ainda estão sendo estudados pela equipe de Ciro, e serão apresentados ao longo da campanha, como o próprio candidato já mencionou.

No entanto, apontamentos do economista Nelson Marconi, da equipe de Ciro, nos deram algumas pistas:

Recursos do Tesouro não seriam utilizados, afastando a possibilidade de aventuras fiscais com o orçamento na situação já degradante em que se encontra.

  • Ao contrário, a ideia seria recorrer aos depósitos compulsórios do sistema financeiro, retidos pelo Banco Central, e liberá-los com a condição de que sejam utilizados única e exclusivamente num amplo programa de refinanciamento das dívidas de cada um dos 63,4 milhões de brasileiros com “nome sujo” no SPC, em condições mais favoráveis aos devedores.
  • O Banco do Brasil atuaria como garantidor das operações, para evitar que os bancos apropriem o valor liberado dos depósitos compulsórios contrapartida para os inadimplentes.

Os depósitos compulsórios são depósitos obrigatórios que os bancos mantêm no Banco Central com a finalidade de regulação do sistema financeiro e medidas de política monetária, principalmente. Trata-se de um instrumento do BC para controlar a quantidade de moeda em circulação e influenciar as taxas de inflação da economia.

Numa economia aquecida, realmente, poderia ser má ideia liberar estes depósitos, pois é possível acarretar uma desvalorização da moeda e consequente elevação dos preços com os quais o consumidor se depara no mercado.

O cenário para nós, porém, é absolutamente diverso: dois anos de recessão (3,5% de queda em 2015 e 2016) e dois anos de estagnação do crescimento do PIB (1% em 2017, com previsão de apenas 1,5% para 2018), somado ao número de 13 milhões de desempregados e 63,4 milhões de inadimplentes (quase um terço da população), dentre os quais 41% correspondem à população adulta do país.

Dessa forma, pode-se assumir que a economia brasileira está congelada e sem perspectiva de retomada próxima. Com este quadro, a liberação de depósitos compulsórios não se constituirá em fator inflacionário.

Aqui chegamos ao tratamento dado por Ciro Gomes à questão das reservas cambiais. Já foi dito antes pelo candidato que uma parte das reservas, algo em torno de 50 bilhões de dólares, seria destinado a um Fundo Soberano a ser criado pelo governo (semelhante ao extinguido pelo governo Temer), situado lá fora, através do qual se financiaria, com condições muito mais favoráveis do que as encontradas no mercado interno, o enorme passivo das empresas nacionais.

Isso porque há um alto nível de endividamento empresarial hoje no Brasil que impede a retomada dos investimentos. Ainda que o governo atual sinalize com reformas e medidas voltadas a reconquistar a “confiança” do empresariado, o que falta não são condições simbólicas, muito menos desmontes pseudo-modernizantes da legislação social, mas sim condições concretas de investimento.

O que Ciro propõe é financiar o endividamento empresarial com parte das reservas. O candidato, entretanto, impõe uma condição de acesso a esses recursos em dólar: a adesão a um programa de investimentos e expansão de emprego. Com isso, a roda da economia voltaria a girar.

Consequentemente, as empresas que acessassem esses recursos pagariam seus credores nacionais (bancos privados como o Itaú, por exemplo) e se tornariam devedoras do Fundo Soberano, com mais anos de carência, juros mais baixos etc.

Com os bancos privados credores das empresas endividadas sendo pagos, o preço do dinheiro, por simples mecanismo de oferta e procura, estaria apto a cair: queda dos juros, pauta tão cara ao povo brasileiro.

Mas a cartada final vem a seguir: com as dívidas pagas, enorme situação de liquidez se instalaria no sistema financeiro. De acordo com Ciro, este seria o momento para incrementar os depósitos compulsórios.

Fechada a equação, temos construído um plano de mão dupla: brasileiros inadimplentes refinanciando suas dívidas no SPC, empresas brasileiras pagando seus passivos e retomando os investimentos, e os depósitos compulsórios ainda detidos pelo Banco Central. Uma verdadeira situação “ganha-ganha”.

OUTRAS ALTERNATIVAS PARA AS RESERVAS

O economista Nelson Marconi mencionou recentemente que parte das reservas poderiam ser utilizadas para pagar 9% da dívida pública interna. O objetivo seria oxigenar a capacidade de investimento do Estado brasileiro, que se encontra precária no atual quadro fiscal.

Não me parece incoerente, visto que um dos pontos mais afirmados no discurso de Ciro é a saúde fiscal do Estado. Com os investimentos públicos retomados (que hoje se encontram num patamar deplorável), cria-se a demanda autônoma que o setor privado está incapacitado de criar no momento. Isso, somado às exportações de commodities, poderia reverter a situação da economia brasileira e fazê-la reencontrar a rota do crescimento.

O PT, com o economista Márcio Pochmann, também possui uma proposta para o uso das reservas cambiais, mas de natureza muito mais ortodoxa. Segundo o plano petista, na forma como vêm se apresentando, 10% das reservas seriam utilizadas para financiar, em conformidade com recursos do BNDES aportados pelo Tesouro e a participação de empresas concessionárias, um programa de investimentos em infraestrutura.

O problema dessa visão é que programas de concessão costumam enfrentar obstáculos políticos e burocráticos. De um lado, há os interesses sociais em jogo numa eventual concessão no setor de energia ou mineração, por exemplo. De outro, estão os órgão de controle, que reduzem as expectativas do mercado. Por fim, os próprios investidores podem questionar os termos da concessão para barganhar melhores condições.

Dessa forma, o plano petista parece ser pouco prático e muito ortodoxo diante dos desafios contemporâneos da economia brasileira. Pouca inovação para um partido que permaneceu tantos anos no poder e conheceu, tão de perto, o funcionamento do Estado brasileiro e as necessidades urgentes da população.