Ciro Gomes quer tirar 63 milhões de brasileiros do SPC: o que pensar?

A proposta de Ciro Gomes ganhou as redes sociais e vem sendo amplamente debatida, mas principalmente especulada. Segundo o candidato, várias de suas ideias vêm sendo apropriadas pelos seus concorrentes, e por isso ele está aguardando o momento certo da campanha para apresentar a proposta devidamente detalhada.
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Em debate realizado pela Fecap (Fundação Escola de comércio Álvares Penteado), em São Paulo, Nelson Marconi, economista da campanha de Ciro Gomes, deu novos detalhes sobre o projeto de reduzir o endividamento da população.

De acordo com Marconi, além da proposta inicial de limpar nomes de pessoas físicas do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), a equipe de Ciro também estuda a possibilidade de incluir as dívidas das pequenas e médias empresas no plano de renegociação. O tamanho da dívida dessas empresas, hoje, é ainda maior do que o volume da dívida dos mais de  63 milhões de brasileiros com “nome sujo” no SPC.

Quanto a esses, vamos aos números.

SITUAÇÃO DOS INADIMPLENTES

Segundo os dados mais recentes levantados pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo SPC, o Brasil encerrou o mês de julho com 63,4 milhões de negativados. Cada uma dessas pessoas tem o CPF restrito para contrair crédito ou realizar compras a prazo. No total, trata-se de 41% da população adulta do país.

Cerca de 32 milhões dessa parcela de pessoas encontra-se na faixa etária de 30 a 49 anos, o que representa mais da metade do total de inadimplentes. Na faixa de 25 a 29 anos estão cerca de 8 milhões de brasileiros, enquanto as pessoas de 18 a 24 anos representam cerca de 19% dos inadimplentes.

Entre a parcela idosa da população, temos cerca de 33% dos inadimplentes, segundo a CNDL e o SPC. A situação de alto desemprego é um dos principais fatores contribuintes para o quadro de endividamento no país.

A região Sudeste é a mais afetada, abarcando 27 milhões de consumidores com CPF cadastrado nas restrições. Em seguida aparece o Nordeste (18 milhões), o Sul (8 milhões), o Norte (6 milhões) e o Centro-oeste (5 milhões).

PROPOSTA DE CIRO GOMES x PROPOSTA DE FERNANDO HADDAD

A proposta de Ciro Gomes ganhou as redes sociais e vem sendo amplamente debatida, mas principalmente especulada. Segundo o candidato, várias de suas ideias vêm sendo apropriadas pelos seus concorrentes, e por isso ele está aguardando o momento certo da campanha para apresentar a proposta devidamente detalhada. O próprio candidato a vice na chapa do PT, Fernando Haddad, já tentou se adiantar a Ciro. Dias após o primeiro debate entre candidatos à presidência realizado pela Band, a página do PT no Facebook postou uma imagem com o seguinte dizer de Fernando Haddad: “Vamos usar os bancos públicos para criar crédito e ajudar as pessoas a limparem seus nomes. ‘Nome Limpo’ é medida para primeiro mês de governo”.

O problema da proposta de Haddad é que o crédito dos bancos públicos não é simplesmente “criado”, mas decorre de aporte financeiro do próprio Tesouro. Isso torna praticamente fictícia a ideia de instrumentalizar os bancos públicos com recursos do Tesouro em apenas um único mês de governo, pois dada a situação fiscal atual do país isso beira o estelionato. Ao contrário do que afirmou o petista, o resultado dessa política não seria “Nome Limpo”, mas “País Quebrado”.

Enquanto isso, o economista Nelson Marconi, da campanha de Ciro Gomes, demonstra ser muito mais cuidadoso com as expectativas sobre a proposta: a ideia seria liberar os depósitos compulsórios dos bancos, por intermédio do Banco Central, para que os bancos abram espaço para renegociação das dívidas com estes recursos já direcionados de antemão. Segundo Marconi, o Banco do Brasil poderia atuar como garantidor dessas operações, para que o valor dos depósitos compulsórios liberados não seja simplesmente apropriado pelos bancos do país sem qualquer contrapartida em relação à inadimplência dos brasileiros.

Ainda, Marconi foi enfático quanto a utilizar recursos do Tesouro para viabilizar a proposta. Segundo ele, apesar de o projeto ainda estar sendo desenhado, seria algo na linha do que ele vem apresentando, e “não é usar dinheiro do Tesouro”.

MÁ DECISÃO DOS CONSUMIDORES OU SITUAÇÃO ESTRUTURAL?

Uma coisa é fato: a situação de endividamento no país não pode mais ser considerada simples fruto de má decisão dos consumidores, é um quadro estrutural. Que quase 65 milhões de brasileiros se encontrem inadimplentes significa quase um terço de toda a população do país. Considerando a faixa etária mais afetada, a de adultos entre 30 e 49 anos, compreende-se a dificuldade das famílias brasileiras em manter um nível razoável de bem-estar e acesso a serviços necessários.

Conforme os dados levantados pelo SPC e pelo CNDL, numa comparação anual entre julho de 2017 e julho de 2018, o setor mais atingido pelo crescimento da inadimplência foi o de água e luz, com aumento de 7,66%.

Em outro levantamento do SPC/CNDL, mais recente ainda, outro dado alarmante: trabalhadores de todas as idades, cotistas do fundo PIS/PASEP, cujos saques estão liberados desde o dia 14 de agosto, utilizarão majoritariamente o alívio financeiro para pagar dívidas atrasadas.

Este número abrange 45% dos cotistas. Outros 15% utilizarão os recursos para o pagamento de dívidas não atrasadas, somando 60% do total. Metade disso, 30%, será destinado a investimentos, o que demonstra uma destinação largamente improdutiva para os recursos do PIS/PASEP.

Estamos falando de quase 29 milhões de brasileiros com direito ao saque e de um volume total de aproximadamente 40 bilhões de reais. Num momento crítico da economia nacional, é trágico que esse dinheiro não seja majoritariamente investido em novas atividades ou em expansão de atividades já em curso.

Com o amplo endividamento doméstico e das pequenas e médias empresas, é interessante que surja uma proposta dessa natureza.