Ciro Gomes e a Política Externa Independente diante da guerra na Ucrânia

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O presidenciável Ciro Gomes publicou um texto em suas redes sociais condenando a invasão da Ucrânia pela Rússia, mas apontando que esse conflito se dá em um contexto de disputa por hegemonia entre potências, no qual o Brasil deve se manter independente, confira a íntegra:

O Brasil deve repudiar, sem meias palavras, a invasão da Ucrânia pela Federação Russa.

Trata-se de violação frontal do direito internacional, da Carta das Nações Unidas e do princípio mais básico da nossa tradição de política exterior.

No caso, o princípio sagrado do respeito pela soberania e pela integridade territorial dos Estados.

Diante dessa agressão, qualquer contraponto de argumentos e motivações arrisca soar como justificativa da agressão armada da Rússia contra o povo ucraniano.

Enquanto o Brasil for Brasil, jamais ficará neutro diante de tal violência.

Nem, por isso, porém, esquecemos o quadro maior em que se dá o confronto atual: o esforço de grandes potências para subjugar países menores e projetar suas esferas de influência e o confronto de pretensões hegemônicas que põem em perigo a sobrevivência da humanidade.

Para nós brasileiros, rebelar-nos contra a imposição dessas hegemonias não é compromisso abstrato: é imperativo de vida e de dignidade. É defender o espaço de nossa grandeza futura.

O recado de Ciro é claro perante o fato concreto da operação militar russa contra o território ucraniano, mas demonstra uma compreensão histórica sobre a necessidade de uma Política Externa Independente conforme a formulação de San Tiago Dantas no governo de Jânio Quadros nos anos 1960 durante a Guerra Fria.

Após a Segunda Guerra Mundial, o planeta foi dividido entre o Primeiro Mundo capitalista liderado pelos EUA, o Segundo Mundo socialista liderado pela União Soviética (URSS), e o Terceiro Mundo composto por todos os países subdesenvolvidos que lutavam ou pela libertação nacional do colonialismo ou pelo desenvolvimento industrial e social nas regiões periféricas, principalmente na América Latina, África, Oriente Médio e Ásia. A posição do Brasil no chamado Terceiro Mundo, mas com um Projeto Nacional de Desenvolvimento iniciado em 1930 com a industrialização por substituição de importações e a criação de direitos sociais como a Consolidação das Leis do Trabalho, impunha uma política externa que não se submetesse diretamente nem aos EUA e nem à URSS. Pelo contrário, para a consolidação da soberania econômica e política do Brasil, era necessária uma política externa pragmática, que visasse sempre o interesse nacional brasileiro e não o agrado a interesses de potenciais aliados ou parceiros.

É nesse sentido que San Tiago Dantas como Embaixador do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU) formula a Política Externa Independente no governo do conservador Jânio Quadros, que, apesar de ser um ferrenho anticomunista e antitrabalhista, condecorou com Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, o líder revolucionário e comunista Che Guevara e o cosmonauta soviético Iuri Gagarin. Mesmo após o golpe de 1964 que foi patrocinado pelos EUA justamente contra o nacionalismo soberano do governo trabalhista de João Goulart, os governos militares, apesar de seu alinhamento aos norte-americanos, buscavam evitar conflitos desnecessários e contraproducentes ao interesse nacional com o outro lado da Guerra Fria. Os mesmos militares brasileiros que tomaram o poder em coluio com os EUA fizeram o Brasil ser primeiro país a reconhecer o governo socialista de Angola, realizaram um acordo nuclear com a Alemanha contra a vontade dos norte-americanos, bem como manteve relações diplomáticas com o bloco socialista liderado pela URSS.

Mas ainda antes da Guerra Fria, desde a Revolução de 1930, o Brasil já realizava uma política externa soberana e pragmática, inclusive por razões internas. Getúlio Vargas não tolerava a oposição golpista nem dos liberais apoiados pelos norte-americanos, nem dos fascistas do movimento integralista, e nem dos comunistas brasileiros financiados pela URSS. Com a ascensão da Alemanha nazista e a eclosão da Segunda Guerra Mundial na Europa, Vargas manteve uma posição ambígua para obter o melhor acordo possível com os EUA de Franklin Delano Roosevelt. Enquanto negociava com os alemães, o governo brasileiro conseguiu dos norte-americanos, nos Acordos de Washington, a importação de uma usina siderúrgica que seria a base de toda a industrialização acelerada do Brasil nas décadas seguintes. O historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira inclusive conta que os norte-americanos ameaçaram invadir o nordeste brasileiro caso Vargas insistisse em manter a neutralidade do Brasil na guerra.

Com a entrada na guerra no campo dos Aliados, fornecendo bases navais no nordeste e o envio de tropas para a Itália, o Brasil se consolida como parceiro dos EUA no após-guerra, mas joga um papel fundamental na defesa de uma ordem internacional multilateral com a criação da ONU. A organização política internacional anterior, a Liga das Nações, fracassou justamente pela hegemonia unilateral dos países vencedores da Primeira Guerra Mundial que impuseram um violentíssimo Pacto de Versalhes com punições muito severas à derrotada Alemanha. Foi o unilateralismo do Pacto de Versalhes que causou a depressão econômica e o ressentimento social que geraram o nazismo como reação nacionalista da extrema-direita alemã. Os Acordos de Bretton Woods seguidos pelo Plano Marshall visavam uma reconstrução para sustentar a paz na Europa. Por outro lado, surgiu a Cortina de Ferro separando o mundo entre o capitalismo no Ocidente e o socialismo real no Oriente.  É nesse contexto que a ONU é criada como organismo multilateral realmente global, ainda que sob hegemonia implícita dos EUA, com a presença da URSS e dos derrotados na Segunda Guerra Mundial.

O Brasil foi protagonista na criação da ONU justamente por essa habilidade em negociar com diversos atores de forma independente. Foi Osvaldo Aranha, o Ministro das Relações Exteriores de Vargas, que presidiu a primeira Assembleia Geral das Nações Unidas, e é por isso que todos os anos, até hoje, é o Brasil que abre a Assembleia Geral da ONU. Além disso, Osvaldo Aranha foi um dos principais articuladores da criação do Estado de Israel em empreitada que contou com apoio tanto dos EUA como da URSS que disputavam influência na região.

Essa tradição do corpo diplomático brasileiro em defesa da soberania e do interesse nacional pode ir mais longe ainda até o Barão de Rio Branco que consolidou as fronteiras do Brasil em regiões pouco povoadas e repletas de recursos naturais como Acre e Amapá, além do sucesso na chamada “Questão de Palmas” em intrincada disputa jurídica com a Argentina sobre largas porções de terra do Paraná e Santa Catarina.

Os princípios da diplomacia brasileira consolidados no Itamaraty como instituição de Estado, e não de governos passageiros, são impostos mesmo na alternância de poder após a redemocratização. O governo de José Sarney do MDB foi quem reatou as relações diplomáticas com Cuba, sendo visitado por Fidel Castro, e intensificou as relações com os países africanos de língua portuguesa antecipando o que se veio a chamar depois de “diplomacia Sul-Sul” nos governos Lula. Até mesmo Fernando Henrique Cardoso (FHC) do PSDB, que se comportava como cachorrinho de estimação do Partido Democrata dos EUA, jogou papel fundamental na defesa da soberania da Venezuela durante o mal sucedido golpe de estado em 2002, quando Hugo Chávez foi sequestrado para ser assassinado, mas a pressão popular e diplomática exigiu a volta do presidente constitucional.

É preciso dizer, até mesmo o governo de Bolsonaro corrigiu sua rota na política externa após a queda do ex-Chanceler, Ernesto Araújo, que, de fato, tentou romper com a tradição diplomática brasileira realizando ataques insanos à China, a maior parceira comercial do Brasil. Foi justamente esse alinhamento acrítico e destrambelhado aos EUA contra a China na guerra comercial entre as duas potências que derrubou o ex-Ministro indicado por Olavo de Carvalho para Bolsonaro. Atualmente, o agronegócio, na pessoa da Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, retomou as rédeas das relações amigáveis com os maiores compradores de commodities do Brasil, e o Itamaraty tem jogado um papel de estimular o diálogo e a negociação no âmbito da ONU perante a guerra entre Rússia e Ucrânia, ainda que com barbeiragens típicas do bolsonarismo como a incapacidade de preparar a retirada de brasileiros da zona de conflito e declarações destrambelhadas do presidente, o fato é que a diplomacia profissional brasileira resiste à incompetência de Bolsonaro.

Diante da complexidade do presente momento, portanto, a declaração de Ciro Gomes se encontra totalmente dentro do espectro da tradição brasileira da Política Externa Independente. Não seria razoável esperar de um candidato a presidente do Brasil que não condenasse a violação militar de um território nacional soberano na esteira da posição histórica da diplomacia brasileira desde a criação da ONU. Inclusive de um ponto de vista de pragmático, diante do isolamento profundo da Rússia nas relações internacionais após a invasão. A União Europeia, que vinha buscando se autonomizar dos EUA nas relações internacionais e se aproximar da Rússia devido sua dependência da energia russa, subiu o tom na diplomacia com duras sanções econômicas e apoio militar cada vez maior à Ucrânia. Até mesmo um país que tem tradição de neutralidade como a Suíça se manifestou no sentido de condenar a invasão russa. O Cazaquistão, ex-república soviética e aliado da Rússia, negou apoiar a invasão. A China mantém neutralidade e iniciou contatos para atuar como intermediária nas negociações. Portanto, em uma disputa territorial no leste europeu não há interesse nacional do Brasil em se indispor nem com a Rússia e nem com EUA e União Europeia.

Além disso, é importante salientar que Ciro, como toda a esquerda brasileira, sempre manteve um discurso veemente de condenação do imperialismo norte-americano em suas intervenções militares contra territórios soberanos. Para um país da América Latina, que conhece muito bem a violência norte-americana para proteger a sua zona de influência em torno do seu território, é pouco razoável apoiar invasões territoriais em outras partes do mundo, ainda que por motivos que possam vir a ser considerados legítimos como a independência de regiões separatistas pró-Rússia ou mesmo a impedir a presença da OTAN próxima da fronteira russa. O fato é que do ponto de vista do Brasil, somente o interesse nacional brasileiro deve ser levado em conta. Nesse sentido, nem a invasão de territórios por uma potência militar, e nem o alinhamento automático a qualquer potência hegemônica, pode ser do interesse nacional do Brasil. Pelo contrário, a política externa brasileira só pode ser a defesa da soberania de todas as nações, principalmente as periféricas, e a manutenção do diálogo diplomático com todas as potências de um mundo multipolar.

  1. A declaração de Ciro Gomes não passa de uma declaração de menino bom moço de quem não quer perder um eleitorado esquerdista liberal e quer fugir das acusações da esquerda totalitária vendida pelo moralismo de guela de uma direita subjugada aos Estados Unidos e à guerra híbrida.

    Tivéssemos um presidente vertebrado, o voto a ter sido dado na ONU seria o da abstenção. Poderia ter sido nossa chance de projeção ao mundo um pouquinho menos invertebrada do que tem sido já a algum tempo e longe de certos pudores e vocábulos pernósticos de aristocracia falida da burguesia brasileira.

    A molequeira do Brasil e sua posição de satélite do imperialismo americano terá consequências no tratamento que a Rússia terá conosco, mesmo a Rússia também sabendo do verme desprezível e oportunista chamado Jair Bolsonaro.

    Sinceramente, estou achando interessante certas narrativas que ressoam no Brasil e que a esquerda brasileira, à exceção do PCO, fica pianinho diante do moralismo sem moral dos mais vagabundos que a plutocracia brasileira, sabuja ao Hemisfério Norte tem vendido, quase como um chilique de adolescente que sabe tudo sobre a vida.

    A Ucrânia atual, desde 2014, é um produto da guerra híbrida dos Estados Unidos e a Ucrânia está claramente sendo rifada e usada como um conveniente anteparo entre a OTAN/União Europeia para gerar o que está gerando, que é o enfraquecimento da Rússia e nisso vê se atinge também o seu maior sustentáculo e aliada de todas as horas, a China e nisso também colocaria a Índia. Bem medido e bem pesado, os RIC, não tendo o voto da África do Sul pela sua falta de capilaridade na comunidade internacional e pelos regimentos da ONU e o papel de vassalagem do Brasil, penso eu.

    Zelensky não é nada se não um bufão inconsequente e um conversador e que está jogando com o tempo e pelas forças das sanções de uma banca que está muitíssimo interessada na queda da Rússia por ser ela a única força política que inclusive em muito denuncia as hipocrisias do “Ocidente”. Logo a guerra fará uma semana e não é pouca coisa ainda resistir, embora a julgar pelos especialistas, o avanço da Rússia tem sido feito com consistência. Acho eu que muito da ascensão e queda da Rússia e do hemisfério Norte vai se decidir a partir dos rumos da guerra.

    Faço menções também de Sérgio Moro e sua admiração pela “Revolução da Dignidade” de 2014 da própria Ucrânia e toda a sua caminhada até aqui. O golpe taí, cai quem quer.

  2. Desde que comecei meu apóio ao PND em meados de 2010 nunca fui contra qualquer posicionamento do Ciro Gomes. Essa é a primeira vez que descordou do mesmo, toda via entendo que ele como candidato tem que jogar o jogo. Más meu posicionamento e minha campanha nessa guerra é totalmente favorável aos RUSSOS. Ainda mais com todo histórico de EUA e OTAN juntamente com a UE. Sem falar do que fizeram aqui no BRASIL recentemente. Ser favorável a essa propaganda pró Neofascismo ao presidente Neofascista ENTREGUISTA ucraniano é a mesma coisa de concordar com todas as mentiras que a extrema direita plantou nesses últimos anos nas eleições Americanas com a vitória de Trump, aqui na América do Sul sendo o BRASIL o maior representante elegendo Bolsonaro, assim como na França com Macron, enfim não vou manipular a história toda para proclamar uma falsa paz onde quem promete são responsáveis por tantas chacinas e desavenças declaradas pela rede Wikeleaks e também pelo ex agente Edward Snowden, fico me perguntando cadê os críticos dessa nova mídia social que se diz de eXquerda, me desculpem más não dá para engolir esse caroço de EUA, UE è OTAN! Sou totalmente contrário a essa vitimização do governo ucraniano que usa seu povo como escudo. Porquê não incentivam esse governo Ucraniano se render não seria melhor para todos a essa altura ao invés de ficarem latindo para um URSO enfurecido? 🤷🏻‍♂️🙆🏿‍♂️🆘🇧🇷🗣️

  3. O diálogo conseguiria evitar que a OTAN chegasse até a Ucrânia? Acredito que, infelizmente, não havia mais o que ser feito.

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