Ciro Gomes mandou muito bem em se afastar da toxicidade neoliberal do PT no Roda Viva. Não se trata de um purismo idealista esquerdeiro. Devemos compor com diversas frações da burguesia. A política de direita – que como toda política institucional guarda uma autonomia relativa em relação a luta de classes, expressando-a de modo distorcido, como quando olhamos as figuras embaixo da água – também deve ser buscada para a composição de uma aliança que barre o avanço colonialista do governo Moro-Guedes. Aqui a figura de destaque é Rodrigo Maia e o DEM. E o PDT naturalmente vem se convertendo em polo aglutinador da esquerda emancipada da vassalagem ao PT, como a aproximação do PSB deixa claro.
Tampouco se trata de não manter o convívio saudável com o PT. A atitude do Lupi de comparecer institucionalmente ao aniversário do partido de Golbery está correta e revela maturidade política. Não impediu que nosso inteligente presidente fizesse as devidas provocações para as viúvas de Weffort…
Mas em nenhum instante os trabalhistas devem deixar de denunciar o caráter essencialmente neoliberal do petucanismo e seu hegemonismo tóxico e desagregador. A despeito de algumas ações positivas, o saldo líquido do petismo é negativo para a organização dos trabalhadores. Desde sua fundação, a CUT ataca os esteios da organização dos operários brasileiros, como a contribuição e a unicidade sindical. O petucanismo surgiu e se desenvolveu respirando os ares individualistas dos anos 80 e 90, defendendo uma ideologia fragmentária como o identitarismo. Seus governos seguiram à risca a cartilha neoliberal, com um distributivismo vazio e uma prática política individualista de colocar o “pobre no orçamento” no lugar de organizá-lo para emancipação nacional, como Vargas, Brizola e Goulart fizeram. O saldo foi tão negativo em termos de organização que o PT pagou pelos próprios atos: não teve como se defender do golpe. Apatia agravada ainda mais por um republicanismo ingênuo e tosco, de “acreditar” nas instituições, na “imparcialidade do judiciário” e na “luta contra o personalismo”. Pagaram por seu udenismo de macacão.
Afastar-se da toxicidade petista não é só em razão do balanço negativo para o Brasil no passado. Também o é no presente, quando a falsa polarização entre mais um FH da USP, que queria indicar Marcos Lisboa para a Fazenda, e o colonialismo Moro-Guedes só ocorre na superfície. O PT deu todos os sinais possíveis de que repetiria o estelionato eleitoral de 2015 com o Levy, de que chamaria o Meirelles, de que manteria o tripé macroeconômico. Acusam a “correlação de forças” quando já tiveram a faca e o queijo na mão para realizar as mudanças estruturais necessárias como a reforma tributária ou a reforma política, programa mínimo para qualquer governo de esquerda. Isso na época em que arrotávamos arrogância pela popularidade de Lula (eu, na época, era militante petista do Majoritário; minha autocrítica foi minha desfiliação).
A rejeição de cada vez mais amplas frações dos trabalhadores ao partido de Golbery não é fruto somente de sua interdição pela mídia – com quem o PT sempre foi conivente, diga-se de passagem. É pela associação correta por parte dos trabalhadores do identitarismo petucano com sua política neoliberal, duas faces da mesma moeda, importada da decadente socialdemocracia dos países centrais. A interdição a um projeto contra hegemônico – o retorno do trabalhismo – capitaneada pelos petucanos no desespero para manutenção de sua preponderância em agosto de 2018 levou-nos ao abismo onde nos encontramos agora. Não haveria Bolsonaro sem a manobra petista para vetar Ciro Gomes.
Aparecer ao lado do partido de Golbery é estender a mão para um projeto em franca decadência, cada vez mais isolado em virtude dos próprios erros. É aproximar-se de uma toxicidade desnecessariamente.
Vamos fazer frente ampla sim. Com Renan Calheiros, com Rodrigo Maia, com DEM, com Maluf e etc. Eventualmente até com desgarrados do PT, em conjunturas municipais específicas. Mas de modo geral cobranças, como as que vi na minha timeline, para fazer frente ao colonialismo, justamente com o PT, estão totalmente equivocadas. Quer dizer que vocês esperam que matemos a única força com expectativa de poder se aproximando do identitarismo neoliberal? Que tiremos o PT do isolamento que ele mesmo se colocou? Para quê, pra que nos traiam mais uma vez e entreguem o país para Marcos Lisboa? Ficar com o PT agora é abraçar um afogado ingrato que depois vai pegar uma faca e te degolar.
Ciro acertou demais no Roda Viva em relação ao PT. Quiçá deveria ter sido ainda mais enérgico.
PS: Rui Costa e Jaques Wagner são excelentes quadros do PT, por exemplo.