O nó chinês: para onde navegam as potências ocidentais?

Resta saber, diante do nó econômico no qual o mundo se encontra atado à China, quem primeiro irá descobrir quem e qual tesouro será recuperado.
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“Cristóvão Colombo tropeçou nas Américas porque ele e seus patrocinadores de Castela tinham um tesouro a recuperar no Oriente. Cheng Ho não teve a mesma sorte, porque não havia nenhum tesouro a recuperar no Ocidente.” – Giovanni Arrighi

O Mar do Sul da China e a Geopolítica

Singapura hospeda, anualmente, o Shangri-la Dialogue, evento organizado pelo International Institute for Strategic Studies (IISS) e responsável pelas mais importantes discussões acerca da defesa e da segurança internacional na região Ásia-Pacífico.

Neste ano, entre os dia 1 e 3 de junho, ministros e chefes de Estado, de governo, e oficiais militares de diversos países se reuniram para dialogar sobre temas como a crise na Coréia do Norte, a cooperação de defesa e segurança no Oceano Índico, a liderança dos Estados Unidos na região, entre outros.

Figuras da estatura de James Mattis, Secretário de Defesa norte-americano e Narendra Modi, Primeiro-ministro da Índia, estiveram presentes ao lado de ministros da Defesa da França, Canadá, Japão, Nova Zelândia, Alemanha, Coréia do Sul e Qatar. Oficiais do alto escalão do Estado chinês também compareceram ao encontro.

Apesar de pouco debatida na mídia brasileira, uma questão geopolítica de extrema relevância não ficou ausente da conversa entre os líderes daqueles países: a discussão em torno da concorrência internacional econômica, militar e territorial no Mar do Sul da China mostrou-se inevitável.

A soberania sobre a região é altamente disputada entre vários países asiáticos e conta também com o interesse econômico e político de grandes potências, principalmente os EUA. Além de abrigar colossais reservas de petróleo e gás natural, o Mar do Sul da China acomoda cerca de 30% de todo o fluxo de comércio marítimo do planeta.

A China pleiteia que 90% da extensão do mar pertence, por razões históricas, à sua jurisdição. Em meados de 2016, contudo, a Corte Permanente de Arbitragem em Haia afirmou que os fundamentos utilizados pelo governo chinês não possuem base legal.

O fato é, que desde 2013, a China constrói ilhas artificiais ao largo de recifes com o intuito de ampliar sua presença no local. Para assegurar a livre navegação na região, os EUA praticam uma política de patrulhamento com seus navios. No fim de maio, dois navios de guerra norte-americanos se aproximaram das Ilhas Paracel, provocando o repúdio dos chineses.

No segundo dia de evento, Mattis afirmou que os Estados Unidos irão continuar com sua presença militar na área, desafiando a militarização chinesa daquelas águas. O governo chinês reagiu, acusando os EUA de ingerência em seus assuntos internos.

Defesa e Comércio: França e Reino Unido decidem navegar

Ontem, no último dia do Shangri-la Dialogue, a responsável pela Defesa do governo francês, Florence Parly, e sua contraparte britânica, o Secretário Gavin Williamson, anunciaram que França e Reino Unido enviarão navios à região.

Parly declarou que o direito garante a internacionalidade das águas do Mar do Sul da China, e entende que o esforço de objeção à qualquer pretensão de soberania precisa ser fortalecido. Segundo a Ministra francesa, observadores alemães também fazem parte de uma mobilização mais ampla da Europa neste sentido.

O Secretário britânico, por sua vez, disse que é preciso deixar claro que as nações “joguem de acordo com as regras” e, logo, deve-se preservar a ordem legal no longo prazo. Britânicos e franceses, portanto, puseram-se ao lado dos EUA conforme aumentam as tensões às margens do Pacífico.

O curioso é que, no momento, a frente histórica dos interesses ocidentais está fraturada pela guerra comercial de Donald Trump. O governo americano oficializou, recentemente, a imposição de sobretaxas sobre o aço e o alumínio importado da União Europeia.

O Secretário de Comércio norte-americano, Wilbur Ross, encontra-se em viagem à China para discutir assuntos comerciais com o gigante asiático. Na pauta do encontro, certamente, estarão as recentes hostilidades econômicas entre os dois países.

A China, porém, conta com a insatisfação aberta de potências europeias em relação à investida protecionista dos Estados Unidos, e poderá sondar alguma brecha a seu favor nas negociações que se seguem.

Novo Mediterrâneo?

É notável que o Mar do Sul da China vem adquirindo importância ímpar na geopolítica global. Um paralelo histórico nos permite ver que, no século XV, o controle monopolista da cadeia de trocas comerciais de longa distância que ligava Ocidente e Oriente, através do Mar Mediterrâneo, foi fundamental para garantir o poder das cidades italianas.

Antes mesmo da bem-sucedida aventura marítima dos países ibéricos que contornaram o monopólio mediterrâneo através do litoral africano, a China da dinastia Ming (1368-1644) já enviara o almirante Cheng Ho para liderar expedições bem distantes de sua terra natal. ,Segundo o historiador Paul Kennedy, os chineses poderiam ter descoberto Portugal com as tecnologias que dominavam, mas desistiram e guardaram seus navios.

Em seu clássico, O longo século XX, o economista político italiano Giovanni Arrighi explica que havia um “desequilíbrio estrutural” no comércio europeu com o Oriente. Quem controlasse o comércio com a Ásia seria capaz de dominar as regras do sistema internacional então em vigor.

A riqueza toda estava na China, e por isso os chineses viram pouco sentido em “descobrir” o Ocidente por meio da navegação. Resta saber, diante do nó econômico no qual o mundo se encontra atado à China, quem primeiro descobrirá quem e qual tesouro será recuperado.