ASSISTI ONTEM UM CURTO E BELO DISCURSO de Silvio Almeida, ministro de Direitos Humanos, denunciando o massacre em Santa Catarina. Almeida é homem inteligente e sensível, com rara capacidade de se indignar. É uma bela surpresa num ministério em geral fraco. Juntamente com Alckmin, Nísia Trindade, Aniele Franco, Carlos Lupi e Flavio Dino (se não esqueci ninguém), forma os pontos altos da equipe presidencial. Em sua fala cortante de dez minutos, o titular de DH enfatiza: “falhamos miseravelmente”.
Mas num segundo momento, percebo que não se trata de uma intervenção de mobilização coletiva, mas seu oposto. Ao culpar a todos/as, Almeida não responsabiliza ninguém e não trata – pelo menos ali – dos problemas mais profundos que podem ter causado o ataque brutal em Blumenau, e que replica outros semelhantes, ocorridos em estabelecimentos de ensino nos últimos anos.
A INDIGNAÇÃO DO MINISTRO NOS RECONFORTA, passa um pito geral, mas nos alivia de ter de buscar saídas práticas. Puxa, alguém falou o que nos vai entalado na garganta! Somos todos inúteis e cúmplices. Só que essa culpa coletiva nos paralisa. Tira responsabilidades de governos em buscar saídas efetivas, distintas daquela externada pelo boçal que administra Blumenau, para quem é preciso aprovar a pena de morte. Mas Almeida – um sólido defensor da Razão e da democracia – não é apenas um observador da cena social e política: é um agente público, com poder de Estado. Não sei como ele está delineando uma ação política para o caso. Um massacre desses é acontecimento para todo o governo parar e se voltar para a defesa intransigente da vida, da paz, de nossa infância e de nosso futuro. Parar tudo!
A sensação de impotência se agravou ao ver duas outras manifestações de ministros nas últimas 24 horas.
A PRIMEIRA FOI UMA LIVE DE PAULO PIMENTA, na manhã de sexta, no DCM. Eu não o conheço, mas fiquei espantado com seu despreparo e visão limitada de mundo. O ministro chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República é incapaz de apresentar uma visão abrangente de política de comunicação ou de qualquer coisa que o valha, num momento de comoção nacional que, repito, pede uma ação governamental de conjunto, através de um amplo apelo socialmente mobilizador.
Nessa hora para lá de dramática, o que Paulo Pimenta revela ao mundo, com certa pompa? Que a Secom não pensa em fazer memes com Lula, que o presidente não fará lives como Bolsonaro ou López Obrador, l´deres que, diz ele, não falam com a imprensa. Lula ao dar entrevistas estaria aberto ao pluralismo (!) dos colegas jornalistas. E mais: ficamos sabendo que Pimenta despacha todos os dias, das 8h00 às 11h00, com o presidente, e que isso é muito bom. Pimenta é o rei do varejo. Não aguentei assistir até o fim, mas até onde vi, ele nada expôs sobre um plano nacional contra a barbárie, no âmbito da comunicação.
O SEGUNDO QUE ME SURPREENDE pela inação é Camilo Santana, da Educação. Não bastasse resistir a todo custo discutir a reforma do Ensino Médio, ele se mostra um burocrata no trato da tragédia. Após se reunir com assessores da Justiça, de Direitos Humanos e de outras pastas, o ex-governador do Ceará apresenta sua solução. No JN, o ministro revela ter inventado a pólvora: “Vamos reforçar o policiamento e fazer um disque-denúncia”. Imediatamente me senti teletransportado aos anos 1980, em que soluções (inócuas) desse tipo eram apresentadas a torto e a direito por comissões sempre de alto nível (é possível que outras iniciativas tenham sido propostas, mas o que a mídia divulgou até aqui foi isso).
Repito: a chacina de Blumenau é motivo para o governo inteiro convergir para uma ação abrangente e deflagrar uma grande campanha nacional contra a violência, de denúncia das doutrinas de ódio, do machismo, do apego às armas, do bolsonarismo enfim, chamando organismos da sociedade e a opinião pública de Norte a Sul.
Propostas já existem, e foram elaboradas por um grupo de trabalho coordenado por Daniel Cara, no governo de transição. Um brilhante projeto, com começo, meio e fim, está pronto, redondo e é muito qualificado ao apontar saídas. Não sei se os ministros sabem da existência desse projeto sobre prevenção de violência nas escolas. Se não sabem, o problema é grave. Deveriam lê-lo e chamar seus autores o mais rápido possível para implementarem o que é ali traçado.
DESCULPEM, MAS A INDIGNAÇÃO que sinto entre a grandeza da (apertadíssima) vitória de outubro e o minimalismo operacional que o governo real apresenta me deixa muito, muito preocupado nesses tempos de guerra (e não estou nem comentando a área econômica ou de relações internacionais, que exibem problemas muito cabeludos também). O que mais quero é que esse governo dê certo.
Não deixem de ler “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”. Se acharem longo, corram os olhos pelo menos no sumário executivo.
Segue o link.