Catolicismo Barroco; rezas e crenças brasileiras

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Por Artur Santos – O Catolicismo Barroco – ou popular – é a versão do catolicismo que temos aqui no Brasil. Uma mistura de manifestações religiosas “pagãs” e tradicionais que formam esse braço da religião com o qual temos tanta afinidade. É importante sempre ter em mente que este existe por uma longa história de resistência à assimilação cultural e ao aculturamento realizados com populações (principalmente Indígenas e Africanas) que, na história do Brasil, tanto sofreram.

Para ficar um pouco mais claro o conceito de “Catolicismo Barroco”, vou fazer uma analogia -que também serve à discussão e entendimento de micro e macropolítica- e espero que me acompanhem. Imaginem uma bacia de plástico transparente cheia de terra; agora, joguem água na superfície da terra e vejam (do lado de fora da bacia) o que acontece. Perceberão que a água não chega a todos os lugares e que, a superfície se encontrará muito mais molhada do que o fundo; que, quanto mais distante do contato com a água, estará mais e mais seco.

Entendam a terra seca/parcialmente úmida como o Catolicismo Barroco que, pelas distâncias geográficas, sociais e culturais, se influencia em parte pela água (catolicismo europeu) mas, mesmo assim, carrega essa consigo. Talvez a analogia fique mais clara com alguns exemplos.

Podemos pensar no carnaval, no nosso famoso carnaval que, em um ponto de sua história, foi uma festa apenas católica -uma celebração à carne antes da chegada da Páscoa- ao contraste de que hoje mais se assemelha ao “paganismo” com retalhos de manifestações culturais das mais diversas presentes no Brasil. Outra festa muito presente por aqui (além de parte do Catolicismo Barroco) é a Festa do Divino que, muito famosa em São Luís do Paraitinga, é um evento ao qual se prepara o ano inteiro, que celebra a colheita (característica de celebrações pagãs da Alemanha) e a prosperidade em nome do Divino e que, se destituída dessas características pagãs, perderá sua identidade.

É muito interessante parar para pensar e entender que muitas das rezas que fazemos aqui, muitos dos santos, muitas das crenças são endêmicas daqui e existem pela centenária resistência das populações escravizadas ao aculturamento tão realizado pelos europeus colonizadores. Com a resistência dos povos indígenas, parte da cultura destes teve de ser incluída em rezas de catequização, além de parte da cultura das populações escravizadas africanas também ter entrado cada vez mais no “catolicismo puro” dos padres e freis.

Muito disso aparece na cultura caipira do Brasil. Um exemplo muito forte é na crença da salvação do violeiro que, por mais que tenha feito pactos, vendido sua alma e entrado em pelejas, ao fim de sua vida é perdoado por Nossa Senhora pois essa gosta do ponteado da viola.

Uma vez tive uma discussão muito interessante sobre esse assunto com um querido amigo meu crescido em uma família religiosa. Falei das misturas pagãs e tradicionais presentes no catolicismo que temos aqui no Brasil e ele, de maneira muito pertinente, fez a seguinte pergunta: “Imagina que, na beira da morte, uma pessoa que foi apresentada a essa versão do catolicismo -“impregnada” de tradições pagãs- e que seguiu suas regras de maneira rígida a vida inteira, se encontra em seu julgamento que definirá sua passagem ao céu, purgatório ou inferno. O que dirão quem o julga? A única versão do catolicismo que conhece é essa e, adiciono, a seguiu corretamente. Seria esta pessoa salva e aceita no reino dos céus?” Não lembro exatamente o que respondi e, na verdade, até embelezei um pouco a pergunta que este meu amigo fez ao passo de que mantive sua mensagem. De qualquer forma, um questionamento muito importante.

É mais um braço cultural que temos no Brasil, mais um registro de uma mistura centenária – permitida por resistência à assimilação cultural – de identidades que foram forçosamente arranjadas nesse solo. Cabem nesse assunto muitas reflexões e questionamentos ou mesmo apenas a observação. Imaginar que muitas das rezas que rezamos, muitas das crenças nas quais acreditamos são misturas de rezas e fés de continentes diferentes é, de fato, muito interessante.

Por: Artur Santos.