Bolsonaro peita o STF com qual propósito?

Bolsonaro peita o STF
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Como eu tentei deixar claro no meu ensaio “Bolsonarismo como fenômeno da pós-modernidade brasileira” – que compõe a coletânea organizada por Vitor Iorio (Almoço das quartas, Rio de Janeiro: Souto, 2022.) –, Bolsonaro não é, como muitos pensam, um golpista ao modo tradicional da palavra.

Ele é muito mais do que isso… O projeto político de Bolsonaro – à semelhança do do seu mentor Donald Trump – tem maior alcance: trata-se de um projeto revolucionário, de caráter profundamente reacionário.

A edição por parte de Bolsonaro de decreto que concede o instituto da graça ao deputado bolsonarista Daniel Silveira, condenado pelo STF à prisão e à perda de mandato, dá mais uma prova que vem ao encontro da minha tese.

Senão, vejamos…

Um golpe “clássico”, como aquele que derrubou o presidente Jango, não tem mais cabimento num país como o nosso; mas uma revolução reacionária sim, e Bolsonaro e seus mentores parecem ter isso bem claro.

Uma revolução – seja capitalista-reacionária, seja anticapitalista – implica uma profunda e abrangente reorganização não só das instituições políticas e jurídicas, como também na esfera da cultura e em tudo o mais. (Basta citarmos dois exemplos clássicos de um caso e de outro: a Alemanha de 1933 e a Rússia de 1917.) É disso que se trata, no projeto da extrema-direita no Brasil e mundo afora.

O que pretende Bolsonaro, repito, não é dar uma golpe “clássico”, hic et nunc, mas criar as condições para uma revolução reacionária, cujos objetivos anunciam-se amplos e profundos. A revogação da Constituição de 1988 e a outorga de uma outra – reacionária até à medula – não seria um objetivo em si. Certamente, seguir-se-iam medidas – muitas delas já em curso – para a reescritura da história brasileira, de molde a revogar todo e qualquer traço “progressista” presente na nossa historiografia, com vistas a se criar uma nova “mentalidade nacional”, tutelada pela visão de mundo da extrema-direita.

Esses objetivos não são atingidos pela via dos golpes “clássicos”.

Todos sabemos – à esquerda e à direita – que uma revolução só é possível em meio a uma profunda crise institucional. Provocar uma profunda crise institucional não é exatamente o objetivo do decreto de “indulto” editado por Bolsonaro? E como não reconhecer que essa verdadeira provocação faz parte coerente de um conjunto de outras ações oriundas do campo bolsonarista? Digo mais: reside exatamente na intenção de se criar uma crise institucional o sentido que subjaz nas ações “radicais” de Bolsonaro e de seus aliados.

Numa crise institucional generalizada, com a falência múltipla dos órgãos da república, ganha o jogo quem está mais mobilizado e armado, ideológica e belicamente falando. Quem, hoje, está mais mobilizado e armado ideológica e belicamente senão a extrema-direita?

Dias atrás, tivemos notícia de que o governo federal aprovou uso de recursos da Lei Rouanet para livro sobre “história das armas no Brasil”. Pois é, o projeto revolucionário reacionário está em curso, e nada tem a ver com golpe no sentido “clássico” do termo.

Bolsonaro pode sair derrotado nessa nova queda-de-braço com o STF, mas não é disso que se trata. O que importa é “escalar” a crise institucional…

Uma derrota eleitoral de Bolsonaro, diferentemente do que muitos pensam, não derrotará o bolsonarismo. Só derrotaremos Bolsonaro e seu projeto revolucionário reacionário com a articulação de uma ampla força política, de conteúdo popular, nacional e democrática. Mas quem é que está empenhado em criar essa ampla força política? No nosso campo político, quase todos só pensam nas próximas eleições, fazendo delas um fim em si mesmas.