ANTONIO NETO: Os mais velhos precisam cuidar dos mais jovens nesta pandemia

Antonio Neto: Os mais velhos precisam cuidar dos mais jovens nesta pandemia
Foto: (Eduardo Frazão/Exame)
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É verdade que a pandemia atinge primeiro aos mais velhos. Por sua fragilidade típica da experiência e o vigor de vossos intelectos, nós, experientes por assim dizer, carregamos em nossos cabelos brancos aquilo que a vida ainda ensinará aos mais jovens. Se somos a maioria da população de risco, isso se deve à borracha dos nossos pneus quase carecas por percorrer tantos quilômetros mundo afora.

Antonio Neto: Os mais velhos precisam cuidar dos mais jovens nesta pandemia
Foto: (Eduardo Frazão/Exame)

Contudo, não poderemos falar do caminho a se percorrer como uma virtude se as estradas da vida que foram apresentadas a nós não tiverem caminhos minimamente seguros para aqueles que fomos ontem e serão nós um dia.

A pandemia vem atingindo em cheio principalmente a nossa juventude. E por seu suposto vigor físico, nada falamos sobre isso. Ignoramos o assunto. Segundo a OIT, que vem mensurando os efeitos da crise sobre os empregos, educação, saúde mental, direitos e ativismo social da “geração lockdown” os impactos do coronavírus foram “particularmente duros para as jovens mulheres, jovens mais novos e a juventude dos países de baixa renda”

Aqui no Brasil, o relato é de que pelo menos um a cada seis jovens tenha sido obrigado a abandona seu posto de trabalho nos últimos meses de quarentena. Essa geração, que já nos últimos anos vinha enfrentando o maior índice de desemprego (o que em países desenvolvidos chegou-se à 50%), se encontra mais uma vez na vanguarda da perda de seus direitos. A queda na renda dos mais jovens chega a ser de quase 50% nos últimos meses.

Chega a ser tragicômica a propaganda do MEC com jovens que parecem não ter sido afetadas pela pandemia. Contentes com suas aulas online em tablets e leptops produzidos por outros jovens de países de baixa renda (os que não estão na propaganda), a juventude da publicidade oficial parece que não foi afetada por esta que é a maior crise sanitária de nossa história moderna.

Assim, varres-se o problema pra debaixo do tapete enquanto aquilo que parece ter se tornado a única salvação imediata (os aplicativos de entrega) para a falta de oportunidades na juventude se coloca na vanguarda da destruição dos direitos de proteção social mínimos. Enquanto o público que o governo procura atingir passa bem com seus gadgets e aulas online, temos uma infinidade de jovens pedalando por até mais de 12 horas para conseguir um mínimo de sustento.

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva, somente 21% das classes D e E têm acesso a computador e Internet para acompanhar aulas online. Nas classes A e B, esse número é de 75%. E para aqueles que acham que o problema pode ser resolvido pelo celular, é bom lembrar que para assistir aulas online se precisa de um pacote de dados robusto o qual apenas as classes mais abastadas conseguem ter acesso.

Ou seja, a desigualdade, já gritante, se aprofunda ainda mais e o abismo entre os jovens mais pobres e os mais ricos vai chegando ao ponto de cenas como a que assistimos perplexos nesta semana (do motorista de aplicativo sendo covardemente agredido por um morador de um condomínio) se tornarem corriqueiras.

Cabe a nós, mais velhos, começarmos a perguntar? Será que somos os únicos que podemos ser entendidos como “população de risco”? Qual perspectiva que nós, mais velhos, estamos dando para os mais jovens para que em situações como a desta pandemia tenhamos um tratamento adequado? Qual futuro pós-pandemia está sendo construído para os jovens do futuro?

É urgente que se faça o debate sobre a questão da juventude. Como lembrou a OIT, a taxa de desemprego entre os jovens brasileiros é o dobro da média global e um quarto destes não está nem na escola, nem em programas de formação, nem tem emprego.

O melhor remédio para sairmos de uma vez dessa crise não será uma vacina milagrosa. Mas sim o fomento da esperança naqueles que serão nós um dia. Chegado o período destas eleições, procurem candidatos e candidatas que tenham propostas concretas para nossa juventude. Sem eles, não haverá remédio, vacina ou qualquer tratamento para que nós, mais “experientes”, possamos ser considerados de fato mais experientes.