Por Cesar Benjamin – Leio na coluna de Lauro Jardim, em O Globo, que 250 mil alunos do segundo ano do ensino fundamental de dez estados brasileiros foram submetidos recentemente a um teste de alfabetização. A percentagem de analfabetos subiu de 52% para 74%, com apenas 7% alcançando resultados satisfatórios.
A pandemia deve ter contribuído para a piora, mas essa constatação não resolve a questão. Essas crianças chegarão ao terceiro ano sem saber ler e escrever, e muitos conservarão essa condição durante toda a vida escolar.
Isso mata a educação.
Nenhum analfabeto, ou analfabeto funcional, pode ser bom aluno em nenhuma disciplina. Eis o maior desafio da educação fundamental brasileira.
A iniciativa mais visível da minha gestão à frente da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro foi o programa de música nas escolas, que gerou a Orquestra Sinfônica Juvenil Carioca. Mas a iniciativa mais importante, sem dúvida, foi a criação do time de professores especializados em alfabetização, com 1.950 profissionais, divididos em 50 equipes, concentradas nos dois primeiros anos.
Foi uma experiência discreta, praticamente silenciosa, como tudo o que é importante em educação. As equipes estudavam juntas, trocavam experiências uma vez por mês, avaliavam resultados, se aperfeiçoavam e, principalmente, tinham uma identidade clara, uma missão: eram professores alfabetizadores. Produzíamos dentro da SME todo o material necessário, em constante reavaliação.
Os resultados já eram nítidos. A taxa de reprovação no terceiro ano, por exemplo, caiu de 26% para 14%, sem nenhuma mudança nos critérios.
Depois da minha exoneração, o maior crime contra a educação carioca foi a extinção súbita dessa experiência transformadora. O time de professores alfabetizadores deixou de existir, e a alfabetização voltou a ser uma tarefa de rotina.
Há uma explicação para isso.
Sofríamos grande assédio de uma empresa privada que se propunha a produzir materiais de alfabetização e oferecer treinamento. O projeto custava R$ 1 milhão. O professor Marcio Costa, da UFRJ, era o principal lobista.
Sempre recusei o projeto, por considerá-lo desnecessário e caro. Fazíamos tudo com os profissionais da própria SME, sem custos adicionais, e fazíamos melhor.
Talma Suane, minha sucessora, queria contratar a tal empresa, não sei bem por quê. Mas o brilhante trabalho do nosso próprio time de alfabetizadores era um empecilho, pois não deixava espaço para aventureiros de fora.
O time foi extinto. Criou-se um vazio. A empresa foi contratada por R$ 1,9 milhão – quase o dobro do que pedia antes.
Não deu certo, é claro. Logo deixaram de existir políticas eficazes para alfabetização. A empresa ganhou muito dinheiro, pois o que se propunha a fazer envolvia custos insignificantes. Não sei se mais alguém ganhou dinheiro também.
Assim se destroem vidas e se constrói o subdesenvolvimento. Impunemente.
Por Cesar Benjamin