73 anos de Maracanã

73 anos de Maracana
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“O que precisa a cidade é de seu próprio estádio, onde não mande o interesse de um clube, o privatismo particularista, onde só prevaleça o interesse do povo”.

José Lins do Rego no Jornal dos Sports de 13 de maio de 1948, defendendo a construção do Maracanã e criticando o projeto de Estádio Nacional, de Fausto Matarazzo.

Segundo Hermano Vianna, os anos 1930 foram um revolução no modo como as nossas elites percebiam o país. Gilberto Freyre deu um xeque no sentimento de inferioridade que, fundamentado ema perspectiva racista, fazia do nosso povo e da nossa cultura um entrave para o engrandecimento nacional. A obra Casa Grande e senzala, do intelectual pernambucano, valorizou a herança africana e retratou a mestiçagem como vantagem brasileira. Mais ainda, uma característica definidora de nossa cultura e garantidora de nosso futuro.

O mesmo Gilberto Freyre contemplava no nosso estilo de futebol aqueles elementos de espontaneidade, arte e manha que considerava oriundos de nosso “mulatismo”. O brasileiro redefiniu o jogo europeu, o reinventou segundo os parâmetros de sua própria cultura mestiça, tornando-o mais que geometria tática e técnica, mas numa forma de dança, de música, de poesia.

O futebol, que se tornou um esporte de massas nas metrópoles nascentes do país, era cada vez mais revelação dessa identidade nacional que, segundo Ariano Suassuna, José Murilo de Carvalho e Roberto Da Matta, tem como fontes mais flagrantes as expressões populares festivas e artísticas.

A realização da Copa do Mundo de 1950 no país foi encarada como oportunidade de consolidar e afirmar esse nacionalismo popular. E para dar concretude a esse ideal, foi proposto um grande estádio, uma praça esportiva capaz de projetar a imagem de um país vitorioso, empreendedor e ao mesmo tempo singular.

O projeto gerou polêmica, disputas políticas, embates em torno da lógica privada e da pública. Um dos mais ferrenhos opositores do projeto era Carlos Lacerda, cuja Tribuna da Imprensa denunciava a exploração política do futebol e argumentava que o país precisava de hospitais, combate à favelização, serviços de água e de esgoto. O estádio seria obra de pouca importância, desnecessária, transformada em pantomina para enaltecer figuras do governo.

Uma pesquisa de opinião publicada pelo Jornal dos Sports, de Mário Filho, apontou que 79% dos entrevistados era favorável à construção de um novo estádio no Rio de Janeiro e que 54% estariam dispostos a algum sacrifício para a realização das obras. O estádio não teria por fim o lucro privado, ele deveria ser um bem do povo, o grito de uma nova civilização. Segundo João Lyra Filho, na edição do Jornal dos Sports de 1947, “o estádio será uma dádiva das gerações presentes ao bem das gerações futuras, para fazer ainda mais forte, ainda mais altiva a riqueza humana do Brasil. O estádio será a contribuição de cada um de nós. Será a esperança cheia de vida com que reafirmaremos a consciência de que o poder do trabalho também se conjuga na força do ideal.”

O estádio do Maracanã é tudo isso e muito mais. Foi definido já na época de sua construção como um estádio-monumento, e um monumento fundador. O símbolo da capacidade industrial e da tenacidade do trabalhador brasileiro. Uma afirmação da nossa identidade particular e de nossa vocação para a arte e também para a vitória. Uma celebração da brasilidade em aço, concreto, talento e festa.

O monumento é tão fulgurante, e o símbolo tão poderoso, que nem mesmo a derrota no final da Copa foi capaz de maculá-lo. Pelo contrário, a tragédia foi alimento da chama do sentimento nacional popular. O Maracanã torna visível e palpável a confiança de um país que se considerava capaz de coisas únicas e grandiosas. Se a derrota na final da Copa foi janela de oportunidade para que viralatismo destilasse os velhos preconceitos de inferioridade e o odioso veredito de fracasso civilizacional, foi também semente da transformação da cultura e da indústria nacional em orgulho popular e objeto de respeito mundial. Como disse Paulo Perdigão, ali estava a origem de nossas vitórias a partir de 1958.

“Quem passa hoje e daqui há muitas décadas passar pela Avenida Maracanã verá naquele monumento arquitetônico uma incontida afirmação da capacidade de realização dos trabalhadores do Brasil quando encontram a sua frente dirigentes capazes e honestos. O estádio demonstrará isso e ainda mais, demonstrará que muita gente trabalhou para dar ao Brasil possibilidades de conquistar o maior título esportivo do mundo”. (Jornal dos Sports, 21 de maio de 1950)

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