A 19ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) começou em 27 de novembro e prossegue até 5 de dezembro. A região que a sedia é um belo município histórico-colonial do Estado do Rio de Janeiro, banhado pelo mar, com parques, reservas e cachoeiras.
A festa anual dali vem comemorando várias formas de ver o outro e o mundo (ou mundos e outros), ao reunir no seio do evento um conceito mais amplo e diverso de literatura, em que possam conviver design, jornalismo, urbanismo, arquitetura, ciência, educação, música (e demais artes) e o que mais quiser chegar para somar. Como é o caso desta 19ª edição.
Há 19 anos, a FLIP homenageia em sua festa um determinado autor ou autora. Contudo, neste 2021 ainda tão diferenciando, a celebração de Paraty inova e se diversifica um pouco mais, ao trazer um homenageado e um temário bastante mais do que originais: necessários, diria eu.
Ou seriam homenageados? “Nhe’éry, plantas e literatura” é o tema dos festejos desta edição. Nhe’éry é como os índios guarani chamam a Mata Atlântica e significa dizer “onde as águas se banham”. A cidade de Paraty é ainda uma das mais significativas áreas de Mata Atlântica preservada. Já a expressão Paraty, na língua tupi, significa “viveiro de peixes” .
Nhe’éry, plantas e literatura consagrados em festa na própria festa de uma Paraty de Mata Atlântica. Ainda. Mais simbólico nestes tempos de morte da floresta e de populações indígenas, impossível. Símbolos são capazes de evocar o indizível. Ou, ainda, o aterrorizável.
Não foi agorinha mesmo, em setembro, que o Instituto Espacial de Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciou um dos maiores índices de desmatamento de todos os tempos na Amazônia? Também não tem muito tempo (foi em 2019) que o senhor presidente da República Federativa do Brasil disse não lhe interessar o índio ou a floresta, mas o garimpo. E não foi neste novembro de 2021, que vimos uma legião de balsas poluindo rios, com seu garimpo ilegal?
A Festa da Literatura na Floresta simbolizaria, então, um tipo de resistência a comemorar. Comemorar e saudar fortemente: Nhe’éry e Paraty. Porque se, como escreveu o saudoso Antonio Cândido, a literatura é um direito humano, o meio ambiente também é. Sobretudo dos que virão depois de nós.
Sim. Nós, aqueles que temos uma empáfia desmedida em achar que somos os donos do mundo e de tudo o que nele vive. Os seres do Antropoceno tão ciosos de sua arrogância que nem mesmo se lembram de que para cultivá-la (o trocadilho é de rigor) precisam de ar, de oxigênio e de água. O último suspiro que iremos dar não é só metáfora. Suspira-se para exalar a derradeira réstia de ar que tínhamos para viver. Ar do qual fizemos uso por toda uma vida.
Enquanto seguimos vivendo a respirar nossa soberba, plantas produzem ar ao se metamorfosearem em fotossíntese para seguir vivendo enquanto puderem e dando vida a nós. Falar de preservação do meio ambiente não é conversa de ecochato.
O meio ambiente é mágico, antigo e sagrado: vem nos doando pelos séculos pães e peixes. A literatura, por sua vez, vem nos doando o poder de fabular e de ouvir o fabular do outro, no mais genuíno sentido de alteridade que nos oferta.
Por isso, viva a festa “Nhe’éry, plantas e literatura”.
Vivam Nhe’éry e Paraty.