Os 150 anos do único censo do Império do Brasil

Os 150 anos do unico censo do Imperio do Brasil
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Por André Luiz Dos Reis – O censo de 1872, único do Império, completa 150 anos. Pelos números revisados, éramos então 10,1 milhões de habitantes. Pretos, pardos e caboclos [nesta categoria se incluíam indígenas] formavam 62% da população. Os pardos eram o maior grupo de classificação [38,3% contra 38,1% de brancos]. Cerca de 90% dos pardos e 45% dos pretos eram homens livres, revelando a enorme massa de “pessoas livres de cor”, característica sempre marcante da América Portuguesa e um dos fatores que impede que se encare aquela sociedade por meio de uma bipolarização entre senhores e escravos.

De todo modo, 15% da população ainda era escrava, mais de um milhão e quinhentas mil almas. Pelo cruzamento dos números é possível saber que pelo menos dois terços dos escravos eram classificados como pretos, indicando que, mesmo com a influência do racismo biológico europeu ao longo do século XIX – a consolidação destas teorias se dá no século XVIII ao lado das ideias Iluministas e científicas –, não havia sobreposição entre esta classificação étnico-racial e o estatuto de escravo.

As estimativas do “Slave Voyages”, o maior banco de dados sobre o tráfico negreiro, aponta que, entre 1801 e 1850, foram desembarcados no Brasil mais de dois milhões de africanos escravizados, número que representa 42% de toda a importação de almas pela América Portuguesa/Brasil ao longo da História. [Mais de 4 milhões e 800 mil almas chegaram assim às nossas praias.] Mesmo com este imenso fluxo, a proporção de pretos no censo de 1872 era de 19,7%, proporção que representa metade daquela de pardos.

Ainda que levemos em conta a imensa mortandade, é flagrante o assimilacionismo e sua anterioridade às ideologias “oficiais” de branqueamento que se tornaram política praticamente oficial na República Velha, período em que se apostou na importação de mão de obra imigrante principalmente europeia. O dado reforça que a miscigenação vigora entre nós desde suas origens e é um liame que atravessa todas as épocas do processo de formação do Brasil.

O processo de desetnicização é outra marca notável, e explica porque o sambista Cartola, nascido em 1908 e neto de escravos, quando perguntado em entrevista de onde era [qual sua origem de sua família na África], tenha respondido: “eu sou de Mangueira”, fazendo referência ao morro. Darcy Ribeiro estava correto sobre este ponto, os filhos dos que chegam a esta terra perdem rapidamente o liame étnico, que tem pouca ou nenhuma relevância na organização da sociedade brasileira.

Parte da esquerda identitária conclui que a imensa mestiçagem brasileira é consequência direta de violência e estupro, opinião que conquista apoio entre alguns acadêmicos e em boa parte da grande mídia. Mas a não ser que se amplie a ideia de violência e estupro de modo anacrônico [o que reduziria toda a história e cultura humana a produto da violência e do estupro], é muito difícil sustentar esta perspectiva.

Havia falta crônica de mulheres europeias na América Portuguesa e casamentos entre europeus e indígenas eram anteriores até mesmo ao projeto de colonização lusitano, como se depreende da história de João Ramalho e de Caramuru. Havia falta crônica de mulheres africanas também. Dois terços dos escravos importados eram homens adultos usados em plantações e trabalho pesado. Grande parte deles vivia apartados das mulheres, e portanto afastados do ”mercado sexual” e das possibilidades de reprodução. Já as mulheres africanas eram prioritariamente usadas em trabalhos domésticos, e interagiam de modo muito mais fácil não apenas com os senhores luso-brasileiros, mas também com homens pobres, fossem eles mestiços e portugueses. Havia opressão nessas relações mas não somente: havia afeto também. Era comum que o homem alforriasse ou trabalhasse pela alforria da mulher, caso ela fosse escrava: Embora dois terços dos escravos importados da África fossem homens, dois terços dos alforriados eram mulheres. Minas Gerais do século XVIII, por exemplo, era sociedade repleta de mulheres pretas livres que se relacionavam com homens pobres livres [de todas as raças].

Tudo indica que o ímpeto sexual inter-racial é marca cultural do brasileiro, e não circunstância de opressão escravista e colonial. É anterior a elas e permanece depois dela. A continuidade da mestiçagem no Brasil refuta a ideia que a reduz à violência e ao estupro. Na Pnad de 2021, a participação de pessoas autodeclaradas pardas foi a que mais aumentou em números absolutos, chegando a 47% da população. [a proporção de autodeclarados brancos está em 43%.] Aliás, o percentual de pardos aumenta fortemente em regiões do país de forte ascendência indígena, e alcança 75% no Norte, 63% no Nordeste e 55% no Centro-Oeste, o que também nos faz lembrar que a mestiçagem alcança todos os grupos fenotípicos brasileiros.

Pão, Terra, Tradição!

Por André Luiz Dos Reis

Publicado pela Frente Sol da Pátria

 

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