O voto evangélico se conquista nas urnas

voto evangélico
Foto: Pixabay
Botão Siga o Disparada no Google News

Por Rafael Valladão Rocha – Um levantamento recente realizado pelo Poder360 demonstrou que o PSD (Partido Social Democrático) e o Republicanos são os partidos com maior crescimento no número de filiados verificado entre 2018 e 2022. Utilizando dados oficiais do TSE, a pesquisa revela que quase cem mil pessoas se filiaram ao Republicanos, partido representante da Igreja Universal, chefiado pelo deputado federal Marcos Pereira, homem de confiança do todo-poderoso bispo Edir Macedo. Não se deve perder de vista o fato de que o PRB (antigo nome do partido universalesco) já atuava de maneira decisiva na composição político-eleitoral durante os governos de Dilma Rousseff e Michel Temer. Porém, o Republicanos adquiriu renovada força no Congresso Nacional, e soma hoje pouco mais de quarenta parlamentares na Câmara, número suficiente para endossar o coro governista.

A pesquisa também menciona o PSD de Gilberto Kassab como medalhista de prata na corrida por novos filiados. Desde 2018, o partido se orientou no sentido de conquistar os espaços estratégicos outrora ocupados por forças do centro democrático (MDB e PSDB) que saíram enfraquecidas do último pleito. Enquanto os elementos mais reacionários do centro embarcaram com entusiasmo na nau dos loucos governada por Jair Bolsonaro, o PSD se movimentou exitosamente na direção de atrair nomes críticos ou neutros em relação ao mandatário da República. Foi assim que o partido de Kassab tornou-se, em pouco tempo, uma bancada expressiva na Câmara e no Senado. Sabemos agora que, além de ocupar cadeiras no parlamento, o partido também cresceu no chão de fábrica eleitoral – nos municípios. Lembre-se que, em 2020, o partido elegeu um número satisfatório de prefeitos, aproximando-se do (por enquanto) maior partido nos municípios, o MDB. O partido é um exemplo de que é possível adquirir relevância político-eleitoral sem apostar nos piores sentimentos públicos, sem menosprezar as aspirações difusas do povo. Embora não seja um partido progressista, o PSD tem lições a ensinar a legendas de esquerda.

O crescimento constante e sólido do PSD se explica por razões políticas bastante simples: Kassab possui a inteligência necessária para coordenar movimentos simultâneos de idas e vindas ao centro democrático, de visitas às esquerdas e às direitas. Se se tomar o número de representantes eleitos no Congresso Nacional como critério de aferição do sucesso de um partido, nota-se que o PSD subiu na proporção inversa da queda do MDB e do PSDB. Um dado interessante é que, no caso do Republicanos, a elevação do número de filiados não se deu somente por meios políticos convencionais. O partido da Universal não subiu apenas porque filiou pelotões de candidatos inexpressivos à vereança ou às prefeituras. Segundo Marcos Pereira, os novos filiados chegaram por meio de programa engenhado para atrair novos membros nos domínios paroquiais das igrejas. Certamente, o púlpito dominical serviu de palanque para a promoção do partido, como se faz desde que Edir Macedo decidiu pôr em curso seu plano de poder. A despeito do mérito duvidoso, o fenômeno está aí: o Republicanos engrenou a primeira marcha das bases locais e acelerou até se fortalecer de forma orgânica e consistente.

Essa comparação entre PSD e Republicanos pode indicar caminhos alternativos ao país, no sentido de conquistar poder político e efetivamente transformar nossa realidade social, política e econômica. É tempo de silenciar a lamentação impotente diante do crescimento reacionário e fanatizado, reunir esforços e alcançar as raias da política real. A crítica corrente à politização dos evangélicos, sobretudo dos pentecostais, recrimina o uso politiqueiro dos templos cristãos sem, contudo, compreender por que igrejas poderosas na fé tornam-se poderosas na política. Ora, é preciso vencer uma eleição para conquistar um assento no parlamento ou no palácio do governo. Quando, em 2016, Marcelo Freixo foi humilhantemente derrotado por um Marcelo Crivella senil e apático, estava claro que o discurso ininteligível para o público comum, de um lado, e a teimosia obstinada em dialogar e negociar, de outro lado, enterram qualquer candidatura colocada diante do povo nosso de cada dia. O diálogo, a negociação e eventual conciliação com o centro democrático não podem ser julgados como imoralidades; são expedientes políticos banais que, contudo, dão poder a quem o conquista.

Para fazer frente à sigla de Edir Macedo, dois caminhos se apresentam ao observador mais atento. Em primeiro lugar, associar-se a forças democráticas do centro, tomando-as como aliados estratégicos e não como companhias de reputação duvidosa. Há quem se recuse a sentar na mesma mesa de fulanos e beltranos, e há, evidentemente, quem nela se sentará e dela sairá com acordos e coalizões. Quando Ciro Gomes se aproxima do PSD de Kassab, ele age sem os purismos impróprios para a política. Porém, em segundo lugar, é preciso reconhecer os evangélicos como força social e político-eleitoral. Basta de julgá-los como pobres ignorantes carentes das luzes intelectuais – o preconceito iluminista de sempre. O empreendimento de Macedo foi visionário, intuiu o crescimento exponencial do voto crente e se apressou em orientá-lo, em primeiro lugar, e, em seguida, capturá-lo. Acontece que os evangélicos não constituem uma entidade monofísica, mas um grupo social altamente heterogêneo, aberto à reunião de forças democráticas. O povo de Deus não está perdido, pois, se ele tem fé em um único Deus triúno, ele não tem fé em um único líder profano.

Os evangélicos, dos presbiterianos clássicos aos pentecostais sincretistas, possuem um elemento em comum: todos têm fé. Todos têm fé e, como escreveu o apóstolo Paulo, todos têm certeza de coisas que se esperam, têm convicção de coisas que não se veem. Em outro sentido, o eleitor evangélico tem fé no Brasil. Quem terá fé nos evangélicos? Edir Macedo aí está porque o fato social evangélico está aí. Não basta ignorá-lo como elefante na sala; é preciso conhecê-lo, tocá-lo, ouvi-lo, trazê-lo ao centro de um projeto nacional soberano e generoso, fundado na fé num país que se espera, mas que, no entanto, ainda não se vê.

Por Rafael Valladão Rocha, mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense. Professor de Sociologia da Religião no Seminário Teológico Congregacional de Niterói, cristão presbiteriano.