Vladimir Ilich, cadê você?

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Em 1999, o extinto caderno Mais! (hoje Ilustríssima), da Folha de S. Paulo, publicou o resultado de uma enquete com vários intelectuais para escolher os 10 livros mais importantes de não-ficção do século que chegava ao fim.

Tratava-se da adoção do ranqueamento de algo inranqueável, mas bem ao gosto da imprensa cultural nova-iorquina daqueles anos.

Houve um esforço prodigioso de pensadores importantes na montagem da lista. A obra tida como a mais importante, constante em todos os apontamentos, era “A ética protestante e o espírito do capitalismo” (1904), de Max Weber. As nove outras finalistas foram, pela ordem, “Dialética do esclarecimento” (Adorno e Horkheimmer), “Economia e sociedade” (Weber), “O mal-estar da civilização” (Freud), “Ser e tempo” (Heidegger), “Teoria geral” (Keynes), “Tractatus Logico-Philosophicus” (Wittgenstein), “Tristes trópicos” (Levi-Strauss). “Investigações filosóficas” (Wittgenstein) e “Ensaio sobre a dádiva” (Mauss).

A Ciência Política foi subdimensionada e a História apanhou feio, em detrimento da filosofia. A Economia aparece na beirada, com um Keynes inevitável. O século era de Max, alardeava o jornal (não vou polemizar agora).

Trata-se de uma escalação bem ao sabor da década ultraliberal e de desconstrução do que chamavam de “grandes narrativas”, nome elegante para se falar da falência do marxismo ou mesmo do estruturalismo (Braudel não passou pela porta e Polanyi foi barrado na catraca). Há uma certa concessão gauche com Adorno e Horkheimmer.

O carimbo maior estava na eliminação do marxismo político. Nem Lenin (horror!) e nem Gramsci (vá lá, palatável), para ficarmos em dois dos autores mais influentes do século XX, foram listados. Influentes porque milhões de seres humanos se moveram a partir das ideias por eles lançadas, característica ausente entre os demais. Sinal daqueles tempos.

Tenho quase certeza que o panorama mudou. É possível que uma nova rodada – talvez com os mesmos intelectuais – produzisse nominata diversa.

Tudo o que escrevi acima é mero nariz de cera para dizer que Lenin é – em meu modesto entender – o mais importante autor dessa categoria incategoriável denominada “não-ficção” há mais de um século.

Graças a São Marx, suas obras são reeditadas e vendem muito em vários países, apesar de todo o combate que sofre. Como ignorar a aliança de classes – proletários e camponeses – que lança em “Duas táticas”? Como conceber um partido revolucionário sem examinar detidamente “Que fazer?”. Como pensar a China atual sem a genialidade da construção da NEP (a nova política econômica), a partir de 1921?

Aliás, o parágrafo de cima é outro nariz de cera. Desculpem. Meu objetivo mesmo é dizer que hoje é o aniversário de Lenin. Vivo fosse, estaria comemorando 151 primaveras!