O udenismo ao gosto do freguês

O udenismo ao gosto do fregues
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O udenismo, tradição política sólida tanto à direita quanto à esquerda, sempre se abraçou ao discurso anticorrupção e o mobilizou para explicar as dificuldades da nossa sociedade, o ônus do aparato estatal e nossa posição subordinada na ”divisão internacional do trabalho”. O combate à corrupção se tornou uma cruzada na última década, levou dois ex-Presidentes à cadeia [Lula e Temer], e está para aprisionar um terceiro, já que a batata de Bolsonaro está no ponto.

Mas quando analisamos estes casos famosos de corrupção na cúspide do poder, exemplos que seriam capazes de resumir, segundo o udenismo, todos os obstáculos que a nação enfrenta, é inevitável tomar um choque.

Para agrilhoar um país como o Brasil, uma das dez maiores economias do planeta, com uma dúzia de metrópoles, mais de duzentos milhões de habitantes, e recursos materiais aparentemente infindos, a corrupção presidencial, ápice da corrupção dos políticos e funcionários do Estado, deveria ser gigantesca como a Via Láctea, monstruosa como a hiper-inflação que nos foi legada pelo regime civil-militar.

Mas os supostos crimes de Lula e Bolsonaro são típicos, no entanto, de ladrões de galinha.

Lula foi preso por causa de um triplex no Guarujá que ele nunca usou. E por um sítio bem mequetrefe em Atibaia, que levou Eduardo Paes, Prefeito do Rio, a gargalhadas e zoeiras sem limites, incluindo a avaliação cínica de que “Lula tinha alma de pobre”. Em uma era de aviões de ouro, mansões imperiais, bilionários ‘turistando’ em estações espaciais, ilhas privadas reproduzindo as mais luxuriosas fantasias sobre o Jardim do Éden, e centenas de bilhões de reais de evasão fiscal todos os anos, o maior problema de um país como o Brasil, o nó górdio que impedia a realização do ”país do futuro”, era um sítio em Atibaia com uns pedalinhos meio que quebrados.

O mesmo com Bolsonaro. O sujeito está sendo pego por causa de ”rachadinha”, por tentar passar a mão em presentinhos recebidos de algum monarca biliardário de outro continente, por detonar o cartão corporativo. Onde estão os mega-esquemas de enriquecimento ilícito desviando zilhões e zilhões de reais, capazes de demolir o orçamento de países inteiros, levar dezenas de milhões de cidadãos à penúria, e espalhar a miséria por continentes?

Com tais exemplos –, e estamos falando nada mais, nada menos do que de Presidentes da República — fica muito difícil acreditar que a corrupção de políticos seja, de fato, a décima primeira praga do Egito, e justificativa suprema do Estado mínimo, do combate ao populismo e, pior ainda, da veneração ao mercado.

Porque quando vamos a fundo pra descobrir o paradeiro dos bilhões desviados, dos grandes tesouros escondidos sob as patas do dragão da corrupção, eles estão, quase sempre, nos bolsos de grandes empresários.

É batata. É sempre a alta burguesia corrupta e corruptora transformando todos esses políticos e funcionários públicos, os alvos preferenciais do ódio da cultura política udenista, meros trombadinhas. A fantasia da corrupção monstruosa que atravancaria a marcha de sistemas estelares inteiros só se realiza no ‘mercado’, quando tubarões capitalistas são alcançados pelo poder público.

Mas o udenismo não está nem aí. Não vê defeito em seus deuses. E alimenta a novela sem fim do perigo da corrupção do político X e Y, do pedalinho quebrado, da jóia vendida no mercado negro. Enquanto isso, os verdadeiros demônios dão a volta pelo mundo e passeiam por ele.