Sinais dos tempos – análise estrutural das eleições municipais de 2020

Sinais dos tempos - análise estrutural das eleições municipais de 2020
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Por Luiz Ferreira Jr. – Terminadas as eleições municipais de 2020 tenho algumas impressões iniciais, e algumas delas compartilho aqui:

a) Ao contrário do discurso de que o bolsonarismo foi derrotado, não estou certo disso. Creio que este setor político vai se consolidando como uma parte da direita brasileira (que se disputou nestas eleições, porque ainda não tinha disputado mandatos municipais) seja através de representantes eleitos ligados a setores institucionais que ampliou, seja como cultura política conservadora que vai estabilizando-se.

b) Um dos efeitos colaterais do avanço do bolsonarismo foi a estabilização de um antipetismo não mais de ódio agressivo, mas de indiferença talhada pelo não voto, pela desconfiança moral e pela mobilização de pautas conservadoras como anti-aborto, antagonismo à pautas identitárias, entre outras. Pautas estas que foram utilizadas inclusive por partidos de centro esquerda quando enfrentaram a petistas no segundo turno, quase todos com vitórias. O PT ganhou poucas no segundo turno. E o antipetismo parece ter tido impacto negativo contra outras candidaturas de centro-esquerda.

c) Neste cenário também se fortalece uma nova forma de expressão da esquerda, das pautas identitárias sobretudo, com algumas vitórias pontuais, mas importantes, sobretudo considerando logros eleitorais e de avanço ideológico na esquerda por parte do PSOL, influenciando para dentro do próprio PT e PCdoB (este último bastante abalado nesta eleição).

d) É possível perceber que o bolsonarismo tem poder de influenciar ideologicamente gerando vitórias em cidades mais conservadoras (o Brasil não é feito só de capitais), ideologia utilizada pelos partidos de sua base ou por partidos que apoiam somente sua política econômica e de reforma do Estado, como o PSDB e DEM. Todos utilizando-se de expedientes discursivos de valores ultra-conservadores conforme a necessidade.

e) No âmbito de um conservadorismo ascendente e dominante, o institucionalismo cada vez mais excludente demonstra sua força de tradição nacional: a luta dos próximos anos por hora parece concentrar-se no eleitoral, e instituições estatais não irão embargar candidaturas de direita que tiveram diversas denuncias de compra de voto.

f) Para a esquerda, fica o desafio de manter-se mobilizada nos espaços institucionais que ainda ocupa: mandatos, comissões, conselhos, estes últimos que devem ser ainda mais disputados pela direita, sobretudo bolsonarista, como fizeram já nas comissões de direitos humanos no Congresso Nacional  – por forças que mais tarde elegeriam Bolsonaro, ou no caso do avanço surpreendente de ocupação nos Conselhos Tutelares em todo o país, etc. Ou seja, seguirão com aproximações sucessivas. Desafio esse sem deixar converter-se em bode expiatório para o avanço de uma direita com discurso de terceira via.

g) A esquerda terá o desafio também de manter estável batalhas de trincheira, com avanço de lutas pontuais constantes, com duplo desafio, (1) obtendo vitórias materiais e (2) mobilizando através de um discurso orientador popular (crítico mas não acadêmico, não baseado somente em valores, mas em ações combinadas a explicações de valores e resultado), já que os serviços públicos vão definhar ainda mais junto a pobreza e falta de perspectiva de futuro. A não combinação desses dois fatores em tempos de disputa discursiva na internet levará a novas derrotas ainda que trabalhem muito no âmbito material (os governos petistas foram governos de grande realização em políticas públicas).

h) Bolsonaro deve sofrer nos próximos meses, será posto contra a parede pelo judiciário e setores de investigação policial, mas não creio em sua queda. Isso porque a política de escassez é imposta por ele, apoiada por estes mesmos setores conservadores (do mercado, de governos e da mídia) e porque o presidente utilizará estes traços de mobilização do desempate eleitoral conservador de agora para defendê-lo com unhas e dentes, como todos os outros instrumentos de maior “tônus muscular” que tiver disponível entre seus apoiadores mais próximos.

Pode-se dizer até que Bolsonaro perdeu estas eleições, ou não. Mas o bolsonarismo, este certamente não foi derrotado.

Luiz Ferreira Júnior é advogado, Mestre em Direitos Humanos – Universidade de San Martín (Argentina) e Mestre em Comunicação Midiática – UNESP.