Parafraseando Cazuza, seguimos um museu de velhas novidades

deputado Pastor Sargento Isidório. Parafraseando Cazuza, seguimos um museu de velhas novidades
Deputado Pastor Sargento Isidório | Foto: Divulgação/Câmara dos Deputados
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Por Juliana Leme Faleiros – Durante o processo constituinte para elaboração da Constituição de 1988, José Sarney, então presidente da República, declarou: “toda Assembleia Constituinte tem uma grande novidade e a novidade dessa Constituinte é a presença maciça de uma representação evangélica”. Naquele momento, 33 deputados professavam a fé cristã em sua vertente evangélica e, de lá para cá, sabe-se que houve tanto o aumento crescente de parlamentares que assumem essa posição quanto da influência de líderes religiosos, mesmo sem mandato, nas decisões políticas.

Nessa toada, da articulação entre política e cristãos, interessa trazer a atuação do deputado federal Pastor Sargento Isidório. Portador de duas insígnias – religiosa e militar – é conhecido por sua atuação na greve dos policiais militares em seu estado natal, Bahia, em 2001 e por se declarar ex-gay. Dentre suas pautas está a defesa dos policiais, dos enfermeiros (sua primeira formação) e daquilo que entende como moral cristã. Ele é autor do PL n. 925/2019 que institui o dia nacional do orgulho heterossexual, do PL n. 1.239/2019 que proíbe a aplicação de recursos públicos para valorização da ideologia de gênero (sic), do PL n. 2.587/2019 que altera a regulamentação do exercício da profissão de psicólogo autorizando “solução de problemas de ajustamento e transtornos psicológicos, inclusive os relacionados à identidade de gênero e à orientação sexual”, do PL n. 955/2019 que declara a “Marcha para Jesus” como bem imaterial e cultural da nação brasileira, do PL n. 3.329/2021 que autoriza incursão missionária cristã em aldeia indígena, do PL n. 01/2019 que declara a bíblia como patrimônio nacional, cultural e imaterial do Brasil e da Humanidade e do PL n. 02/2019.

Sobre este último interessa falar mais, nessa oportunidade. O PL n. 02/2019 tem como objeto a proibição e consequente criminalização do uso do nome bíblia ou bíblia sagrada em qualquer meio de comunicação impressa ou eletrônica de maneira diversa “do já consagrado há milênios pelas diversas religiões Cristãs (Católicas, Evangélicas e outras que se orientam por este Livro – Bíblia)”. Em seu projeto, fica consignado que tal prática configura os crimes previstos nos artigos 171 (estelionato) e 208 (ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo) do Código Penal.

Desse modo, aprovado o projeto em seus exatos termos, a menção “bíblia” ou “bíblia sagrada” pode levar à prisão um grande contingente de pessoas pelo simples fato de apresentar reflexão e/ou interpretação diversa da compreensão hegemônica acerca do texto bíblico. Na justificativa do projeto consta a proteção do livro considerado sagrado contra os intolerantes (sic) e a defesa do livro “que mais orienta beneficamente a FAMÍLIA – célula mater de uma nação.” Assim, pode-se inferir que o objetivo é impor a família heteronormativa e impedir que o público LGBTQIA+ promova uma leitura do texto mais inclusiva.

Em dezembro de 2021, foi apresentado requerimento de urgência para apreciação do projeto com apoio dos líderes das bancadas de Avante (atual partido do deputado proponente), MDB, Patriota, PSC, PTB, PL, Solidariedade, PSB, PSD, PT, PC do B, Republicanos, PSDB, Podemos, PP, DEM e PSL.

De acordo com o art. 153 do Regimento da Câmara de Deputados, o pedido de urgência pode ser apresentado nos seguintes casos: “I – tratar-se de matéria que envolva a defesa da sociedade democrática e das liberdades fundamentais; II – tratar-se de providência para atender a calamidade pública; III – visar à prorrogação de prazos legais a se findarem, ou à adoção ou alteração de lei para aplicar-se em época certa e próxima; IV – pretender-se a apreciação da matéria na mesma sessão.” Vê-se que nenhum dos incisos se encaixa com o conteúdo do projeto para imprimir urgência. Qual o interesse dos líderes de partidos, de muitos espectros, para assumir tal posição?

Se será ou não aprovado o requerimento, não se sabe. Se será ou não aprovado o projeto, também não se sabe. O que se sabe é que projetos dessa natureza deveriam ser barrados liminarmente porque contrariam as bases da Constituição e do sistema internacional de direitos humanos. O que se sabe é que o Brasil tem a laicidade como verniz, que não há respeito aos direitos fundamentais e que a Política está majoritariamente rendida à pressão reacionária de segmentos cristãos em detrimento da construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, CF).

A atuação do parlamentar baiano, com destaque ao PL n. 02/2019, mostra a imbricação entre política, economia e cultura e que as disputas entre facções cristãs tem limites importantes: trata-se do mesmo livro e, tratando-se dele, os acordos são maiores do que as disputas. Não há esferas apartadas na sociedade, pois o debate político está impregnado pela moral cristã com imposição de um formato de família em desrespeito absoluto à dignidade e individualidade de parcela importante da sociedade brasileira.

Em evento no Palácio da Alvorada com líderes evangélicos, o atual presidente declarou que conduz a nação para o lado que eles desejarem e o Deputado Sóstenes Cavalcante (DEM/RJ), atual comandante da Frente Parlamentar Evangélica, declarou que seu objetivo é alcançar 30% do Congresso Nacional na próxima legislatura. Em que medida, portanto, a novidade de José Sarney, era tão novidade assim se a defesa da bíblia segue sendo uma das pautas sempre presentes?

Os motores estão sendo aquecidos para o processo eleitoral e arranjos para federações e coligações estão sendo costurados. Cabe, portanto, observar com quem seu partido, seu candidato ou sua candidata está caminhando.

Por Juliana Leme Faleiros, doutora e mestra em Direito Político e Econômico (Mackenzie). Especialista em Direito Constitucional (ESDC). Bacharela em Direito (Univem) e Ciência Política (Uninter). Advogada e professora.