Trotski e o segredo de polichinelo da China

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Leon Trotski, muitas décadas atrás, ironizou com talento impar os economistas burgueses que falavam que o crescimento espetacular da União Soviética sob o sistema planificado era fruto da grande exploração sobre os trabalhadores.

Disse Trotski no seu clássico “A Revolução Traída”

“O mundo burguês começou por fingir que não via os êxitos econômicos do regime dos sovietes, que são a prova experimental da viabilidade dos métodos socialistas. Perante a marcha, sem precedentes na História, do desenvolvimento industrial, os sábios economistas a serviço do capital ainda tentam muitas vezes manter profundo silêncio, ou então se limitam a relembrar “a excessiva exploração” dos camponeses. Perdem assim uma excelente ocasião de nos explicar por que razão a exploração desenfreada dos camponeses, na China, no Japão e na Índia, nunca provocou um desenvolvimento industrial acelerado, nem mesmo em grau diminuto, comparado ao da U.R.S.S.” (TROTSKY, 1980, p.5).

Essa ironia de Trotski é bem útil nos dias atuais. Dizem que a China cresceu de forma espetacular nos últimos anos devido a uma exploração brutal dos trabalhadores e ao trabalho escravo. Resta explicar, porém, porque a periferia capitalista da Ásia, África, América Central e todos os países da América do Sul não têm o mesmo desenvolvimento que a China. Aliás, por essa lógica, o Haiti deveria ser a maior potência econômica do mundo.

Giovanni Arrighi no indispensável “Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI” explica algo básico e fundamental. Comparativamente, o custo da força de trabalho na China – seja no final dos anos 70 ou hoje – não é tão baixo quanto se diz. Quando Deng começou seu processo de reformas e abertura, o custo da hora trabalhadora na China era maior que na imensa maioria dos países africanos, por exemplo.

O segredo de polichinelo da China é que todos os setores básicos de condução da acumulação de capital são total ou parcialmente estatais. Crédito, energia elétrica, infraestrutura, petróleo e gás, água, produção de aço e derivados, indústria petroquímica e pesquisa científica básica e aplicada são fortemente controlados pelo Estado. Esse controle faz com que, dentre outras coisas, o Estado chinês crie um ambiente de baixo custo para o desenvolvimento de indústrias estratégicas – como inteligência artificial, biotecnologia, 5G, aeroespacial, militar etc. – e a força de trabalho ultra qualificada, como engenheiros e técnicos, é comparativamente mais baixa na China que nos países da OCDE.

Como mostra Arrighi, em média, um engenheiro na China custa 30% a menos que nos EUA e Europa.

Baixo custo de insumos, matérias primas, crédito, infraestrutura e corpo técnico, tudo isso dentro de um ambiente de planejamento estratégico, é bem mais importante para o protagonismo chinês que o custo baixo da força de trabalho – afinal, nos últimos 20 anos, o salário chinês cresce acima da inflação de forma ininterrupta.

Agora voltamos ao Brasil.

Infraestrutura, petróleo e gás, setor elétrico e de água e de crédito está sendo entregue ao capital estrangeiro. Isso impossibilita, dentre outras coisas, uma política planejada e eficaz de desenvolvimento industrial – sem falar, é claro, na destruição do mercado nacional que inviabiliza vários tipos de produção em grande escala.

Agora vamos olhar para o centro do capitalismo. Nenhum país da OCDE tem menos de mil estatais. A maioria delas, é claro, centradas no controle ou influência nos mecanismos básicos de formação da competitividade da economia capitalista. Pelos critérios da OCDE, Peugeot, Renault e Volkswagen são empresas estatais!

A tendência nos últimos anos, em todos os países centrais do capitalismo, é reverter as privatizações e instituir um controle mais duro sobre os setores de base da economia. E nos EUA isso não começou com Trump – é tendência desde Obama.

E sim, a administração de Donald Trump oficializou um plano de subsídios de US$ 12 bilhões para produtores agrícolas dos Estados Unidos.

O mito do “trabalho escravo” ou “salários de fome” como explicação para o sucesso chinês é muito eficiente né não?!

Por Jones Manoel