Uma sátira ao artificialismo político-eleitoral

Uma sátira ao artificialismo político-eleitoral
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Tô te explicando/ Prá te confundir /Tô te confundindo /Prá te esclarecer /Tô iluminado/ Prá poder cegar /Tô ficando cego/ Prá poder guiar. (Tom Zé)

O ritual dessacralizado dos debates eleitorais desse ano começou. Algumas figuras até podem ser diferentes, mas cumprem seus papéis como os de outrora. As questões são as mesmas, assim como as respostas e promessas. O nome de Deus também não poderia faltar na boca da maioria dos candidatos, afinal o lema geral da “nação” deveria ser: com foco, força e fé venceremos os atrasos crônicos e nos tornaremos a terra prometida, o país do futuro inadiável. Mas acalmemos este escritor, posto que não se trata do debate dos presidenciáveis (este ocorrerá no dia 28), mas sim dos candidatos ao governo do Estado de São Paulo. É que em geral as teclas são as mesmas a se apertarem: a importância da educação, a necessidade de investimento na saúde, o trabalho e a segurança como urgência geral.

Não que este que escreve ignore a importância de tais assuntos, mas as respostas vistas, estas sim, parecem ignorar. A fusão da política com a publicidade torna tudo programável e artificial. Os candidatos de fato não discutem propostas, apenas falam aquilo que treinaram por horas para reproduzir como se estivessem de frente à suas webcams, um palavrório sem respiração, pois uma oscilação impediria o raciocínio maquinizado de funcionar e se perderia em meio ao discurso-comercial. São políticos que se preocupam com as técnicas de marketing e propaganda, mas pouco parecem saber sobre a realidade social que os cercam. Seus funcionários escreveram tudo, planejaram tudo, são técnicos e mais técnicos preparando técnicos para governar o que restar.

Não tocarei no tema candidatos de direita e candidatos de esquerda, isso porque, a política hoje é um tema técnico, não havendo espaço para tais bobagens. E vejam, ainda que possa parecer absurdo, há uma verdade objetiva nessa constatação, qual seja, efetivamente não faz diferença. A gestão comandada por técnicos e especialistas sempre seguirá “em frente”, ainda que “em frente” seja terra arrasada. Segue-se ordens superiores de algum lugar – talvez encontremos respostas numa tal crítica da economia política, possivelmente… –, e, no final, espanta-se com a repetição do mesmo com espectros políticos que seriam opostos. É a necessidade!

Um exemplo: o empreendedorismo! Ou poderia chamar de viração? Da direita à esquerda – perdoe tais expressões – o empreendedorismo é glorificado e, portanto, merece crédito. Liberem crédito aos (micro) e (pequenos) EMPRESÁRIOS! Façamos que aprendam isso nas ESCOLAS! Até os trabalhistas hoje admiram a viração, o emprego sem direitos, expressões pesadas que merecem o eufemismo “empreendedorismo” para não despertar gatilhos por aí. Longe de mim provocar isso em meu leitor! O empreendedorismo está com tudo!

Outro exemplo é o trabalho. Todavia, devemos notar que existe uma possível contradição. O trabalho informal, também conhecido como empreendedorismo, viração, trabalho sem direitos, etc. é o que cresce e que deve ser reconhecido e fomentado hoje em dia. Mas já pensou se os políticos não apertassem com força a tecla da palavrinha “trabalho”? O que seria dos eleitores? É preciso empregá-la. Literalmente é preciso empregar muita gente. Mas de que forma? Façamos mutirões! Iniciemos obras e coloquemos quem quer trabalhar para trabalhar! Não faltarão empregos a quem quer trabalhar! Gosto quando dizem “a quem quer trabalhar”, como se nessa sociedade existisse algum “querer”. Ora, ou é isso ou você não vive! Restando como única mercadoria a sua força de trabalho, é isso que você procurará vender! O desespero: “por que ninguém mais quer me explorar?” “Comprem minha força de trabalho” ou se não… é vala! Abismo social! Corpo descartável, etc. Mas voltemos ao ponto, para que esse parágrafo não fique longo demais em comparação aos outros e o texto fique esteticamente desequilibrado e cansativo. Os discursos sobre trabalho tornam-se cada vez mais vazios e abstratos, mas tais promessas não podem deixar de existir, o trabalho sim, a promessa jamais! Ainda que o trabalho seja cavar e posteriormente tapar buracos; construir para destruir; é preciso cavar a toca do coelho e arranjar trabalho – ainda que a falta desse tenha se tornado crônica em nossa sociedade.

Finalmente, nota-se que quando a política perdeu sua significância, restam apenas generalidades. Os discursos genéricos preenchem o espaço vazio. Dizem as mesmas coisas e não há nada novo para se produzir. As teclas viciadas são continuamente tocadas, agora com mais publicidade, pois se descobriu com as redes sociais que o importante é figurar, aparecer. Continuemos com esse ritual sem sentido até seu fechamento no dia 02 de outubro. Enquanto isso e depois, continuemos a viver as agruras de um mundo em que a luz do fim do túnel significa um trem vindo em nossa direção.