Rede de Desenvolvimento Socioeconômico Sustentável

Rede de Desenvolvimento Socioeconomico Sustentavel
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Por Neudes Carvalho, Nathalia Ferro e Marcelo Cassucci

Brasil 2023

As correntes progressistas brasileiras esperavam ter um excelente desempenho nas eleições de 2022 depois de quatro anos do desastroso governo Bolsonaro. Infelizmente não foi exatamente o que ocorreu. Mesmo com a vitória de Luís Inácio do PT, as expectativas do campo progressista foram bastante rebaixadas. Câmaras e governos foram amplamente ocupados por candidatos de direita e conservadores. A onda reacionária presente atualmente no mundo demonstra estar longe de arrefecer. Conflitos entre as correntes progressistas e alianças arriscadas ao centro tornam nebuloso o futuro político do país. Não será fácil e nem rápido a reestruturação dos serviços e das instituições públicas e a reconquista dos direitos da população após todas as perdas causadas pelo último governo. Porém, nem tudo está perdido, com uma rápida organização para a ação política coordenada já a partir de Janeiro de 2023, as correntes progressistas podem ter grandes avanços nos próximos anos.

A direita conservadora e liberal passa também por enormes dificuldades. Ao deixarem ser guiadas pelo bolsonarismo acabaram conquistando grandes conflitos internos e o repúdio da maioria da população. Mesmo seus redutos já não seguem apenas uma liderança e demostram algum nível de insatisfação com o bolsonarismo. De modo geral, mesmo a direita ainda estando com grande força na política global, deve ter um recuo no Brasil nos próximos anos. A população, que tem sofrido muito por conta de um governo reacionário que pregou austeridade econômica e que além disso passou por uma pandemia global, está com grandes esperanças de que, com um governo de frente ampla liderado por sociais-democratas, possamos ter novamente crescimento econômico e social visíveis a todos.

Os trabalhistas farão parte deste governo, mesmo com divergências em muitas instâncias e podem passar do debate inócuo e conflituoso para uma postura propositiva de saudável liderança. A polarização, que foi o cerne das estratégias políticas nos últimos anos, também já esgotou seus resultados e a paciência da população, que passou a repudiar todos os discursos de ódio e sarcasmos constrangedores e tem formado uma malha muito mais diversa e complexa de posicionamentos políticos. Junto a renovada esperança que também permeia está população, é a postura diplomática, conciliadora e pacifista que conquistará as massas nos próximos anos. Os trabalhista podem e devem ocupar este espaço e liderar as correntes progressistas com um discurso modernizado e acolhedor de todas as grandes bandeiras das massas exploradas e oprimidas atualmente, basta que supere seus próprios conservadorismos internos.

Um conflito já se faz evidente entre as correntes progressistas, entre os que colocam a pauta econômica acima de todos os outros conflitos sociais e históricos e os chamados pejorativamente de identitários, que trazem em pé de igualdade todos os conflitos sociais com os econômicos. Os trabalhistas precisam lidar com inteligência e honestidade na mediação deste conflito, liderando com a responsabilidade histórica que a atual situação demanda. Todo cidadão deve ter seus direitos garantidos e todos os movimentos sociais são legítimos. A estratégia de acirrar a polarização teve seu momento e efeito e devem ser avaliadas a luz dos acontecimentos. Os militantes de movimentos sociais que em algum momento foram levados a radicalizar em seus posicionamentos não são os culpados pelo estado de coisas em nossa sociedade, são vítimas que no máximo foram enganados e usados por outros grandes atores políticos. Estes militantes devem ser tratados como nossos aliados, mesmo com a divergência na atuação estratégica. Que se diferencie esses militantes das lideranças que os radicalizaram, estas necessitam de outro tratamento, não menos inteligente. É sempre o diálogo que deve ser buscado, os interlocutores de boa-fé, fomentando uma atuação diplomática no debate público. No passado os trabalhadores já foram acusados de radicais e seus atos tiveram lugar importante na história, as lutas legítimas de diversos atores políticos e sociais não podem ser menosprezadas e muito menos estes próprios atores. Deixar de lutar pelos explorados e oprimidos de todo tipo seria um grave erro histórico para aqueles que se definem trabalhistas. Portanto, o justo, adequado e coerente é que os trabalhistas medeiem este conflito entre estas correntes, amenizando radicalismos e conciliando as lutas. Este é o papel necessário para este momento e o que se espera das verdadeiras lideranças dos próximos anos.

Ao lidar sempre como aliados com todos os militantes de movimentos sociais e jamais como inimigos, o bom diálogo se dará evitando as falsas polêmicas, dando ênfase ao desenvolvimento socioeconômico destes grupos e ao seu empoderamento nos espaços públicos e institucionais. A estratégia adequada a se realizar agora é ampliar a atuação em núcleos de base expandidos, com discursos capazes de envolver todos os movimentos e grupos sociais explorados e oprimidos em ações eficazes socioeconomicamente. A conquista da confiança e do apoio político destes grupos e das massas se dará com a eficaz atuação em prol de seus desenvolvimentos.

Tradição Trabalhista

A Fundação Leonel Brizola Alberto Pasqualini traz em seu nome a lembrança de dois grandes líderes trabalhistas. Alberto Pasqualini foi Senador da República, advogado, professor e sociólogo. Defendia a educação como o maior motor da transformação social, considerando que a principal função do Estado e da política era a de, pedagogicamente, contribuir com a evolução da consciência social. Evolução no sentido de valorizar os trabalhadores antes do capital, de garantir a livre participação política e de dar acesso aos direitos democráticos a toda população. Segundo ele, uma educação com estes princípios levaria a uma transformação moral e material de toda a sociedade.

Brizola também segue estes passos. Um dos maiores nomes da política brasileira, eleito diversas vezes para deputado, prefeito e governador, sempre lutou contra o analfabetismo entre os adultos e pela qualidade de vida das crianças e jovens brasileiros. Em seu primeiro mandato como governador do Rio de Janeiro lança o ousado programa dos Centros Integrados de Educação Pública, os CIEPs. Esses centros eram grandes escolas de ensino médio, abertos durante todo o dia, proporcionando alimentação e atividades recreativas ao estudantes.

Seu vice no governo do Rio de Janeiro, amigo e grande conselheiro, Darcy Ribeiro, que havia sido Ministro da Educação no governo de João Goulart, também se destaca fortemente pelos serviços prestados nessa área a sociedade brasileira. Antropólogo, historiador e sociólogo, foi sem dúvida um dos maiores intelectuais do país. Foi membro da Academia Brasileira de Letras, um dos criadores e primeiro reitor da Universidade de Brasília, também contribuiu com a fundação da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) e do Parque Indígena do Xingu. Em seus livros lamenta o processo de aculturamento que passaram os povos que constituem a sociedade brasileira, processo forçado exatamente para que fossem mais facilmente explorados.

Deste modo, podemos dizer que os trabalhistas sempre se colocaram como conscientizadores da população trabalhadora e dos marginalizados, lutando para que democraticamente todos pudessem compreender e contribuir com o desenvolvimento social.

Outra forte referência para as propostas que se apresentarão a seguir é Ladislau Dowbor. Doutor em Ciências Econômicas, além de forte combatente da Ditadura Militar que passamos, é autor ou coautor de mais de 40 livros. Dowbor traz ao debate dados e conceitos chaves para compreender as atuais crises econômicas e as alternativas populares para solucioná-las em benefício dos trabalhadores e vulnerabilizados socialmente.

Considerando a importância da temática da educação e da participação popular democrática para tradição trabalhista e as ações de grandes nomes na política e cultura brasileira acima citadas, buscamos complementar a já consolidada proposta dos Núcleos de Base do Partido Democrático Trabalhista, coordenados pela Fundação Leonel Brizola Alberto Pasqualini, ampliando suas estruturas e possibilidades de ação e acesso, constituindo um rede de núcleos, ou polos de desenvolvimento, que proporcionem espaços, recursos e ferramentas para a adequada orientação e franca participação da população nas decisões sobre o aporte das finanças públicas.

Polos de Desenvolvimento Socioeconômico Sustentável

A economia brasileira ainda reserva um potencial incrível de desenvolvimento nas suas periferias. Às margens das grandes cidades e no interior do país, a maior parte da população do país ainda vive desempregada ou subempregada, sem acesso à tecnologia e adequada formação profissional, tornando nossa produtividade per capita muito abaixo da média global. Muitos conflitos sociais decorrem disto e mesmo os que podem parecer não decorrer em um primeiro momento, são profundamente amenizados se a economia periférica do país passa a se desenvolver mais rapidamente.

Considerando, como explicado nas partes anteriores do texto, que a educação e a participação política popular dos trabalhadores, movimentos sociais e demais vulnerabilizados socialmente são parte imprescindíveis da solução destes conflitos e principal catalizador de nosso crescimento econômico, propomos a criação de uma rede de polos de desenvolvimento socioeconômico sustentável.

Estes polos podem ser a prática ampliada dos núcleos de base do partido, mas abertos a livre participação popular. Podem ter uma das formas jurídicas do terceiro setor e tem como principal atividade a geração de emprego e renda e a capacitação dos trabalhadores e empreendedores periféricos. Instalados nos pontos cardeais das periferias das grandes cidades e em regiões que englobem aproximadamente 50 mil pessoas, por todo o interior do país, devem eleger democraticamente seus gestores, que teriam por principal obrigação realizar assembleias públicas abertas a todos os interessados. Com a formação de um fundo solidário, recursos públicos de todas as esferas e também privados poderão ser reunidos e investidos em projetos apresentados e geridos pelos próprios trabalhadores e empreendedores periféricos da região de cada polo.

Iniciando com atividades culturais mensais, pode fornecer palcos, equipamentos de som e banheiros químicos, para apresentações artísticas de grupos locais e tendas para feira livre de produtores e artesões da região. Nestes eventos também poderão ser realizadas palestras sobre a preservação ambiental, as doenças psicossociais e suas curas e o papel deste polos para a redução dos problemas da sociedade. Parte dos ganhos financeiros dessas atividades iniciais alimentarão o fundo solidário que remunerará a equipe gestora e os projetos aprovados em assembleias. Estes polos poderão se reunir periodicamente para trocar conhecimentos e experiências e cooperarem em suas ações para criação de uma rede de informações e logística, a fim de possibilitar trocas comerciais, rodízio de apresentações e entreposto de entregas e armazenamento.

Estes polos também terão como meta a inclusão digital e o oferecimento de cursos e capacitações profissionais e sem dúvida terão um impacto na geração de emprego e renda das localidades. Estas capacitações devem levar a apropriação dos conceitos de “economia periférica” e “trabalhadores e empreendedores periféricos” como seus principais atores. O perfil deste trabalhadores e empreendedores é bem conhecido da sociologia brasileira, são negros e seus descendentes e mulheres em sua maioria e seus representantes devem figurar entre os principais beneficiados dos projetos e desenvolvimento socioeconômico gerados pelos polos.

Diversidade, inclusão e interseccionalidade são noções chaves para a devida aplicação das políticas dos polos e demonstração de seus bons resultados. Com isto em mente destacamos também a forte presença entre os beneficiados de populações indígenas, quilombolas, caiçaras e ribeirinhas, além da comunidade LGBTQIAP+, deficientes físicos e mentais, pacientes psiquiátricos e egressos do sistema prisional.

Com a livre participação popular nas assembleias dos polos a democracia local deve ter um forte incremento e consequentemente a democracia do país como um todo. Esta própria participação democrática por si só deve gerar processos conscientizadores e transformadores, levando as populações a se apropriarem dos fatores reais da produção. O poder público federal ou estaduais poderão criar e fornecer sistemas de informações para o aperfeiçoamento da gestão e controle tanto dos polos quanto dos projetos e empreendimentos fomentados, levando ao adequado retorno dos impostos por estas atividade aos órgãos públicos. Todos os dados e entrepostos logísticos devem possibilitar o melhor planejamento de investimento e distribuição ao longo dos territórios.

Outro serviço importante é o de ecoponto, abrigando cooperativas de catadores de material reciclável. Além de ser uma atividade inclusiva, que quando bem organizada leva dignidade as bases da sociedade, é atividade essencial para a nossa sustentabilidade ecológica e proporciona informações relevantes sobre o consumo nos territórios. Por fim, estes polos poderão abrigar Bancos Comunitários, que emitam moeda local e forneçam crédito aos trabalhadores e empreendedores periféricos. Com o papel organizador, conscientizador e desenvolvedor destes polos, o uso destes instrumentos financeiros e sistemas de informações garantirão o controle inflacionário e a justa distribuição das riquezas socialmente constituídas.

Equipe Propositora

• Neudes Carvalho Analista na área de Responsabilidade Social – Foco em Trabalho e Renda. Ativista e militante política, por raça, classe e gênero. Vice-presidenta do PDT-SP, presidenta estadual do Movimento Negro do PDT-SP, também responsável pela Coordenadoria do Núcleo de Base Zonal Noroeste SP – capital. É formada em Administração e pós-graduada em Comunicação. Graduação em Ciências do Trabalho pelo Dieese, cursando Sociologia pela Fesp. Coordena o núcleo de pesquisa sobre o futuro do trabalho – Artigo escrito para o Estadão SP 2022. Coordena os projetos “Um Dois, Feijão com Arroz”, que visa reduzir a fome do Estado com um auxílio para COMIDA BOA, de feiras, sacolões e açougues.

• Nathalia Ferro cursou Direito, Turismo e Jornalismo. Cursou Piano por 10 anos e se profissionalizou como cantora e compositora em sua cidade natal São Luís do Maranhão, proeminente na cena da cidade com três álbuns independentes lançados e dois singles, sendo eles: Instante (2013 / São Luís), Alice Ainda (2015 / São Luís), Revolução das Bruxas (Single 2018 / São Paulo), Mana (2020 / São Paulo) e Pelo Avesso (Single 2022 / São Paulo). Também atuou como apresentadora de programa de variedades em 2010/2011 na TV Difusora/MA. Compôs a Liga de Cultura que em 2012 foi responsável pela regulamento do Lei de Incentivo a Cultura no Estado do Maranhão. Atualmente é atriz, performer, produtora e curadora de conteúdo cultural no Nossa Casa Confraria das Ideias, centro cultural paulistano.

• Marcelo Cassucci é técnico industrial, professor de matemática, e pós graduado em filosofia das ciências e filosofia política pela PUC. Tem experiência na implementação de políticas públicas junto a movimentos sociais, sendo as mais relevantes a implementação de bancos comunitários na cidade de São Paulo junto a ITCP-USP e o Movimento das Trabalhadores Sem Teto em 2009 e o acompanhamento logístico da Rede de Comercialização Cataforte do Vale do Paraíba, junto ao Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável – MNCR, a Fundação Banco do Brasil e a Secretária dos Direitos Humanos do Governo Dilma em 2012. Também foi eleito duas vezes conselheiro do Conselho Regional do Meio Ambiente, Desenvolvimento e Cultura de Paz – CADES da subprefeitura de Santana-Tucuruvi em São Paulo e candidato a Deputado Estadual pelo PDT em 2022.