A raça é uma questão nacional

A raça é uma questão nacional Carolina Maria de Jesus. 9 de setembro de 1960. Acervo UH/Folhapress
Carolina Maria de Jesus. 9 de setembro de 1960. Acervo UH/Folhapress
Botão Siga o Disparada no Google News

A formação do Brasil, em particular, mostra que a racialização foi um processo racional para assegurar o poder nas mãos dos grupos dominantes.

A Abolição da Escravatura, de 13 de maio de 1888, foi resultado de uma luta organizada pelos negros escravizados e pelo movimento abolicionista contra a escravidão. No entanto, após a Abolição da Escravatura, a população negra foi destinada à subalternidade; e mesmo após o reconhecimento formal dos negros enquanto parte da nação, eles foram impedidos de exercer os direitos de cidadania da mesma forma que os brancos.

Florestan Fernandes apontou que no Brasil, os negros foram integrados na sociedade de classes em um lugar exclusivo de inferiorização. E mesmo que a legislação reconhecesse que todos os cidadãos brasileiros eram iguais, nunca houve a materialização dessa igualdade. O autor denuncia que o Brasil é racista, pois legitimava que os brancos tivessem um padrão de vida melhor que os negros, inclusive se comparado com direito à educação, à alimentação, à habitação e à renda. Florestan afirmou que imperava no Brasil a superioridade branca.

Um dos reflexos dessa desigualdade é a vida de Carolina Maria de Jesus, que em 13 de maio de 1958, escreveu em seu diário, que o dia amanheceu chovendo e que ela não conseguiu sair para catar papel para vender e comprar comida. “É o inverno que chega. E no inverno a gente come mais. A Vera começou a pedir comida. E eu não tinha. Era a reprise do espetáculo. Eu estava com dois cruzeiros. Pretendia comprar um pouco de farinha para fazer um virado. Fui pedir um pouco de banha a Dona Alice. Ela deu-me a banha e arroz. Era 9 horas da noite quando comemos. E assim no dia 13 e maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual- a fome!”.

Após 64 anos desse relato, a situação de muitos brasileiros está similar a narrativa de Carolina Maria de Jesus e sua família. O salário-mínimo instituído para que as pessoas tenham condições de manutenção dos direitos sociais fundamentais sequer é suficiente para comprar alimentos, quem dirá à garantia de moradia e educação.
O número de pessoas desempregadas chegou a 12 milhões, no 4º trimestre de 2021, segundo o IBGE. Como resultado, há mais pessoas em situação de vulnerabilidade, o que faz com que muitas crianças e jovens não tenham condição de ir à escola, assim como faz com que aumente o número das pessoas em situação de rua.

O impacto dessa realidade na população negra é notável. A pobreza no Brasil tem a cor negra de pele. Por isso, qualquer política pública a ser implementada deve pensar em mecanismos de combater o racismo, que é essa prática de discriminação que atribui vantagens e desvantagens com fundamento na raça.

Immanuel Wallerstein afirmou que “raça”, “nação” e “classe” são categorias que não devem ser analisadas de forma separadas, uma vez que “se eu disser ‘a classe trabalhadora’, que é uma velha categoria marxista, supostamente o proletariado, sabe-se que as pessoas proletárias, de acordo com a definição tradicional, não são os brancos da classe dominante, mas os negros ou os mulatos que são subjugados”. Por isso a articulação desses elementos devem estar presentes em qualquer política pública.

Importante destacar que os objetivos da República Federativa do Brasil são “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Art. 3º, incisos III e IV, da CF).

Desse modo, ações contrárias a esses objetivos são antidemocráticas, pois violariam o pacto social celerado pelos representantes do povo na Assembleia Constituinte, que teve o movimento negro como um dos grupos mais ativos, a ponto de ter sido inserido na Constituição o dever de repúdio a racismo (art. 4º, inciso VIII) e que o crime de racismo é imprescritível e inafiançável (art. 5º, inciso XVII).

As conquistas realizadas com base nos objetivos da República Federativa do Brasil estão sob ataque (ou já foram perdidas). A ofensiva às garantias trabalhistas, às ações afirmativas para ingresso de negros no ensino superior, ao PROUNI e à renda dos brasileiros tem os negros como as primeiras vítimas. Consequentemente, toda à sociedade é alvo.

Ir contra as políticas includentes implementadas é ir contra à democracia. O sucateamento dos direitos sociais como saúde, alimentação, trabalho, educação e previdência não é característica de uma sociedade democrática. O constante e insuportável massacre da população negra de forma direta e indireta tampouco é típico da democracia.
Nas palavras de Silvio Almeida: “todo ato de coragem é também um ato político de cuidado para com o país”. Portanto, neste 13 de maio, em coletividade, como aconteceu em 1888, estejamos prontos para lutar por um Brasil democrático, justo e solidário. Pegue o documento, o título de eleitor e vote com consciência de classe, raça e gênero! Vote em favor da democracia!

Referências
BALIBAR, Étienne; WALLERSTEIN, Immanuel. Raça, nação e classe: as identidades ambíguas. Tradução de Wanda Caldeira Brant. 1ª Ed. São Paulo: Boitempo, 2021.
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. 6ª Ed. São Paulo: Contracorrente, 2021.
JESUS, Carolina Maria. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 10ª Ed. São Paulo: Ática, 2014.