Prisão e educação

A imagem mostra os muros de uma prisão
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Por Lara Miguel Batista – O dia 24 de maio é denominado dia Nacional do Detento, ou melhor dizendo, dos privados de liberdade. Privação essa que se caracteriza por qualquer forma de detenção, encarceramento, institucionalização ou custódia de uma pessoa, seja por delitos ou infrações à lei, ordenada por uma autoridade judicial ou administrativa, numa instituição pública ou privada em que não tenha acesso à liberdade.

Essa data traz muitas reflexões sobre o cenário carcerário no Brasil, uma vez que segundo os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil possui cerca de 812.564 presos, dos quais 41,5% são de pessoas ainda aguardando julgamento e, portanto, sem condenação, e que podem a vir ser absolvidas.

Juliana Borges (2019), no livro “Encarceramento em Massa”, aponta o olhar às motivações que levaram as pessoas ao cárcere, é notável o excesso punitivista, já que nos termos da legislação brasileira seria possível o cumprimento de penas alternativas ou restritivas. Entretanto, nosso Judiciário, o Ministério Público e a Polícia corroboram com essa estrutura, visto que recorrem à privação de liberdade como ação direta, sem haver uma investigação ou audiências de custódias com caráter efetivo para resolução dos casos.

O levantamento realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em 2016, aponta que a população encarcerada é, predominantemente, composta por pretos e pardos (65%). Dentre eles, 55% têm entre 18 e 29 anos e 75% não completaram o ensino fundamental. Ou seja, são pouco instruídos, jovens e sem acesso ou estímulo à educação.

Trazer a perspectiva interseccional para o debate é fundamental para analisarmos esses dados, uma vez que a “raça tem se mostrado como fator decisivo para definição de quem irá ou não preso” (BORGES, 2019, p.93-94). Nesse diálogo com a interseccionalidade, é importante mencionar a categoria gênero, uma vez que entre 2000 e 2014, houve um profundo aumento de 567,4% no grupo de mulheres encarceradas, sendo 68% mulheres negras.

Preta Ferreira (2020), no livro “Minha Carne: diário de uma prisão”, aponta que na instituição onde ela estava encarcerada havia 3 mil mulheres, sendo que 85% eram negras. Além disso, a autora afirma que o Brasil está entre os três países com maior número de encarcerados no mundo, ou seja, somos “bons” em colocar pessoas atrás das grades. Entretanto quando se fala em prestar assistência aos direitos básicos “nós estamos entre os melhores do mundo nas piores coisas: educação, saúde, fome e moradia, entre outros quesitos” (FERREIRA, 2020, p. 167).

No Brasil, é naturalizado o discurso de que “bandido bom é bandido morto” e que os direitos humanos se tratam de “direitos dos bandidos contra os direitos das pessoas de bem”, o que segundo Benevides (2001), professora da USP, é fruto da ignorância e da desinformação, mas sobretudo de uma maldosa e eficiente estratégia socioeconômica, para manter os privilégios de certos grupos e utilizar a violência institucional apenas contra a população menos abastada financeiramente, invalidando a luta pelos direitos humanos e mantendo a população negra sempre à margem na sociedade brasileira.

O sistema de justiça criminal, após a abolição da escravidão (1888), utilizou-se de condutas inofensivas (vadiagem e a prática da capoeira), para afastar do convívio público os recém-libertados. Atualmente, o Estado Brasileiro utiliza como argumento a guerra às drogas, pautando-se na Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para continuar encarcerando pessoas. Uma vez que não há critérios objetivos de diferenciação entre quem trafica e quem é usuário, a tal ponto que os usuários acabam sendo enquadrados como traficantes, especialmente quando os sujeitos são negros, recebem punições mais severas se comparados aos brancos.

O crime que mais prende no Brasil é o tráfico de drogas, seguido de roubo, furto e homicídio. Ainda, mais de 70% das prisões em flagrante por este crime têm apenas um tipo de testemunha: os policiais que participaram da operação.. Os dados consideram a soma dos detidos já condenados e os que aguardam sentença (BORGES,2019).

Ao refletirmos sobre alguns casos, como o de Rafael Braga, a prisão política de Preta Ferreira, a Chacina no Jacarezinho, ordenada pela Polícia Civil contra o tráfico de drogas, parece não haver dúvidas que vivemos numa necropolítica escancarada, em virtude de que “a materialização dessa política se dá pela expressão da morte” (MBEMBE, 2016). O professor Achille, ainda vai nos dizer que a necropolítica adota uma certa tipografia de crueldade, ou seja, há lugares onde há autorização para matar.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA,2015), no documento intitulado “O Desafio Da Reintegração Social Do Preso: Uma Pesquisa Em Estabelecimentos Prisionais”, as instituições penitenciárias têm a função de executar um conjunto de atividades que visem à reabilitação, criando condições para seu retorno ao convívio social. Estas atividades devem promover o “tratamento” penal com base nas “assistências” material, à saúde, jurídica, educacional, psicológica, social, religiosa, ao trabalho e à profissionalização. Para isto, os estabelecimentos penais devem ser dotados de estrutura física e humana. Entretanto o que vemos são prisões como “ferramentas de controle e extermínio, locais de torturas físicas e psicológicas” (BORGES, 2020, p.14).

O depoimento do gerente de educação de uma penitenciária apontou que “para o gestor penitenciário, a prioridade é a segurança. Por último, quando dá, a educação é considerada. Eles não conseguem ver a educação como meio de ressocialização, ela é vista como sobra. E muitos dos profissionais da segurança não acreditam que o reeducando tenha o direito a educação. Nós temos que ficar o tempo todo convencendo essas equipes de que o reeducando tem esse direito (…)” (IPEA, 2015).

Os relatos dos detentos apontam as dificuldades e resistências que enfrentam para ter acesso à educação dentro do regime fechado. “A gente está tendo que passar por constrangimento para vir para a escola. O procedimento de uns dias para cá está sendo abusivo, rasgam os cadernos, há certa desconfiança com relação aos alunos e até aos professores. A gente está fazendo procedimento diferenciado em relação aos demais para estudar aqui. Cada um mora em um pavilhão diferente, a gente tem que passar por uma geral para ir e por uma geral para voltar: baixa a roupa, senta num banquinho, volta, senta num banquinho. Parece que não querem que o cara estude, querem testá-lo. A educação é mal vista pelos agentes, eles falam: ‘se vocês quisessem estudar, vocês estudavam na rua’.”

Pode-se observar que o mecanismo aqui adotado, do encarceramento em massa, não traz benefícios para a sociedade. Uma vez que não há intenção do Estado em ressocializar os que estão privados de liberdade, ou melhor dizendo dos reeducandos. Esse é o ponto, não existe um plano para inserção desses indivíduos para convívio na sociedade.

A emblemática frase de Paulo Freire de que “educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”, se faz indispensável para refletirmos a necessidade de que o direito à educação seja alcançado pelos presos, pois a educação é revolucionária para todo aquele que busca e anseia por conhecimento.

Por causa do racismo, os negros são os principais alvos das arbitrariedades policiais, que fazem com que seus corpos sejam destinados às penitenciárias, e depois impede as chances à educação e, consequentemente, à mobilidade social em nosso país. Não faz sentido culpabilizar os negros, quando a estrutural social e o Estado negam a possibilidade de reeducação nas penitenciárias.

Por todos os lados observa-se que não há incentivo e nem políticas públicas efetivas, mas querem o fim da violência e punição mais severa. Contudo, e a educação com condições dignas? É preciso enfatizarmos que a o direito à educação de qualidade é para todos, detentos e não-detentos.

Por: Lara Miguel Batista.
Mestranda em Educação na linha de inclusão e diversidade sociocultural, pela Universidade de Taubaté. Integrante do grupo de pesquisa “Educação: desenvolvimento profissional, diversidade e metodologias”.

Referências:

– BENEVIDES, M. V. Educação em Direitos Humanos: de que se trata? Convenit Internacional. São Paulo: USP. v. 6, p. 43-50, 2001. Disponível aqui. Acesso em 27 de julho de 2020.

– BORGES, Juliana. Encarceramento em massa / Juliana Borges. – São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.

– DAVIS, Angela. Uma autobiografia. Tradução de Heci Regina Candiani. 1ª.Ed. São Paulo: Boitempo, 2019.

– FERREIRA, Preta. Minha carne: diário de uma prisão / Preta Ferreira. – 1. ed. – São Paulo: Boitempo, 2020.

– MBEMBE, Achille. Biopoder soberania estado de exceção política de morte. Arte & Ensaios | revista do ppgav/eba/ufrj | n. 32 | dezembro 2016.