Brasil: um país que perdeu seu povo

Brasil um pais que perdeu seu povo
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1. A frase que se atribui a Lima Barreto – “O Brasil não tem povo, tem plateia” –, pode nos ajudar a compreender parte dos impasses que vêm imobilizando o campo progressista. Do meu ponto de vista, na política, só se pode falar propriamente em povo quando há mobilização em torno de um programa mínimo que atenda aos seus interesses nacionais, populares e democráticos. Sem isso, politicamente falando, não temos povo, temos população…

2. Na atual conjuntura, não temos povo, temos população, que olha para o mundo político do mesmo modo como uma plateia assiste a um show qualquer. Assim, a frase “O Brasil não tem povo, tem plateia”, compreendida deste modo, descreve uma realidade que precisa ser vencida urgentemente.

3. Só a atuação política sob as bandeiras de um programa de corte nacional, popular e democrático é que pode fazer com que as pessoas saiam do isolamento e da alienação em que se encontram, deixem de limitar-se ao papel de plateia que espia de fora o mundo da política, para se encontrarem a si mesmas como um corpo político vivo, isto é, nos meus termos: como povo. (A atuação política que emana diretamente do mundo do trabalho, nas atuais condições do capitalismo brasileiro, não é mais capaz de tirar as pessoas de sua alienação e isolamento.)

4. Sem povo, nos termos descritos acima, não teremos condições de sair do buraco no qual nos encontramos, nem teremos a energia necessária para a reconstrução nacional, já que o nosso país teve seus fundamentos destruídos depois da implantação da agenda neoliberal por décadas. Como plateia, podemos derrotar eleitoralmente Bolsonaro, mas limitados ao papel de plateia jamais venceremos o neoliberalismo e jamais reconstruiremos o país.

5. Foram diversos os interesses que, combinados, nos transformaram em plateia. Uma das características mais importante do sistema político formado pela polarização PT-PSDB – a de calar, de comum acordo, toda e qualquer discussão sobre as nossas questões de fundo acerca de um projeto nacional e sobre economia – não tinha outro objetivo senão esse.

6. Nesse aspecto, a polarização PT-PSDB deu continuidade ao principal objetivo do golpe de 1964, que não foi outro senão o de interromper o processo da nossa constituição como povo, que avançava, abraçado às bandeiras das “Reformas de base”, como jamais tinha acontecido em nossa história.

7. Cabe aos setores mais consequentes do campo progressista retomar o fio da meada que foi rompido em abril de 1964. Como? Forjando no interior da população brasileira um povo brasileiro. Esse objetivo jamais será alcançado antes de um contingente expressivo da nossa gente abraçar um programa mínimo que venha ao encontro dos nossos superiores interesses nacionais, populares e democráticos.

8. O conceito de povo brasileiro expresso acima não implica uma utópica e não desejável unidade cultural. Não supõe, portanto, a existência de uma “alma brasileira”, como certos nacionalismos fascistoides apregoaram no passado. O conceito de povo brasileiro aqui proposto é exclusivamente político!

9. O campo progressista está atualmente atravessado por uma disputa cada vez mais acirrada entre os que precisam, como condição de sobrevivência, manter nossa gente na condição de população/plateia e os que lutam para a constituição do povo brasileiro. É esse o sentido mais profundo da disputa política que opõe Ciro Gomes e Lula.

10. Lula e o PT só terão futuro mantida a nossa gente na condição de população/plateia. Por isso, Lula e o PT hoje são forças conservadoras, que limitam a sua luta à disputa eleitoral contra Bolsonaro, tal como o fazem os representantes não bolsonaristas do mundo da Faria Lima. Eles não querem o povo brasileiro empenhado na reconstrução do nosso país. Por isso, Lula e o PT, hoje, são parte do problema, não da solução…