Por que ‘Música Regional’ não é MPB?

Por que 'Música Regional' não é MPB
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Por Artur Santos – Uma parte muito importante do estudo da música -quando este não é limitado por cabrestos exclusivamente técnicos- é seu entendimento com os contextos social, topográfico, diatônico, etário, cultural (entre outros) nos quais está inserida.

A possibilidade de uma análise mais profunda não quer dizer a necessidade de uma; é uma opção e, por vezes, apenas tocar a música já supre a experiência que se procura… quem toca sabe que na maioria das vezes uma viola no colo é a maior companheira que se pode ter (sem explicações ou debates sociológicos, apenas existindo como tal).

Estou aqui, entretanto, para tentar trazer uma análise mais profunda e que desperte questionamentos e debates acerca de alguns termos que naturalizamos acerca do universo da “música regional” e da “música popular brasileira” em geral.

Não é mistério nem surpresa que o nosso país tenha uma infinidade de manifestações culturais; é, afinal, um país de porte continental, com uma imensa biodiversidade e pátria mãe de mais de 50 Populações Tradicionais -dentre elas: quilombolas, sertanejos, caipiras, ribeirinhos, pescadores, seringueiros, faxinalenses, marisqueiras, varjeiros, caiçaras, praieiros, jangadeiros, ciganos, campeiros, varzanteiros, catingueiros, entre muitas outras.

Não é mistério, também, entender que, com tantos tipos de vida e de relações com o local em que se nasce, a cultura que o Brasil abarca seja enorme. Do Siriri ao Frevo nossos conterrâneos se reconhecem e pautam nessas manifestações as suas vidas e intrigas diárias, produzindo assim, um fervilhar infinito de música, dança, técnica, artesanato, folclore e ritmos que, sem querer causar desânimo, adianto que nunca serão presenciados todos por uma só pessoa.

Vamos direto ao ponto; quero discutir alguns paradigmas que temos com as nossas músicas brasileiras.

Quando pensamos em Música Popular Brasileira (ou MPB), formamos automaticamente uma imagem bem conhecida: vemos Tom Jobim, João Gilberto, Caetano Veloso, Chico Buarque e Nara Leão de mãos dadas em perfeita consonância e, sobre isso, é interessante a reflexão. Não quero deixar parecer, em nenhum ponto desse texto, que os artistas supracitados não são bons ou que não merecem a popularidade que ganharam; quero só trazer alguns questionamentos.

Olhando para tais artistas, começamos a perceber um padrão predominante (principalmente na Bossa Nova, “carro chefe” da cultura brasileira), uma localidade e uma realidade constante; o nosso querido Rio de Janeiro. Será que é por acaso que a música “endêmica” da Cidade Maravilhosa é considerada popular? Que mesmo com suas relações harmônicas jazzísticas, com seu swing diminuído e com seus acordes “cabeludos” ainda represente uma realidade popular? Devo lembrar aqui que o Brasil do qual falamos é um país continental; uma pátria mãe a dezenas de Populações Tradicionais encontradas principalmente em regiões rurais; um país que, durante o nascimento da Bossa Nova, apresentava cerca de 39,6% da população de jovens e adultos em condição de analfabetismo (IBGE)… será que um país que apresenta essas características poderia chamar de popular a Bossa Nova?

Pensando no tamanho do Brasil, o que não faltam são manifestações culturais. Seja o Fandango, Cururu, o Frevo, o Maracatu, a Congada (entre milhares de outros), uma coisa é sempre observada: o caráter popular dessas manifestações; são realizadas em conjunto. Crianças, como que em times de futebol, nascem envolvidas dentro do bloco de Foliões que sua cidade tem, crescem ouvindo as rodas de pagode, o processo que é a construção de uma Viola de Cocho e o Siriri tocado por ela e, acima de tudo, se reconhecem nas danças, nas músicas, se sentem pertencentes ao solo no qual nasceram, nas histórias contadas, nos causos… na Cultura de onde vivem.

Agora pense comigo: todas essas manifestações que citei -que não representam uma ínfima parcela sequer das manifestações que temos aqui no Brasil- todos os conflitos de resistência e miscigenação culturais que acarretaram na existência de todas elas, a importância catártica e tudo que representam são reduzidas a um nome de caráter genérico: Músicas Regionais.

A um primeiro momento, a nomenclatura “Música Regional” parece adequada, afinal, certas músicas vieram de certas regiões, carregam características de onde são originárias e por vezes são realmente distintas de outros lugares. O problema é evidenciado quando todas essas manifestações são consideradas “regionais”, quando colocamos os rabequeiros, as siririeiras, os catireiros todos em um só nome, destituindo-lhes de sua identidade propriamente dita e chamando-lhes apenas de regionais. O problema, inclusive, pior fica quando voltamos à Bossa Nova e percebemos que a chamamos de popular e que todas essas manifestações que citei até agora se limitam ao “regional”. Essas não são, então, populares? Por que não?

Um outro ponto extremamente interessante é pensarmos na localidade geográfica contrastante existente dentro desses nomes. Entendemos que o que vem do Rio de Janeiro (no caso a Bossa Nova) é popular, e que o que não vem dele (que, portanto, origina-se de todos os outros 25 estados) é regional. A mim parece deveras conveniente que 25 estados sejam tratados como regionais e apenas um como popular; será pois este é bonito? Por ter sido a capital do país? Ou por ser mais visto internacionalmente?

É intrigante mesmo, e não apenas por si só, mas socialmente intrigante; o questionamento desses paradigmas é importante. Quer dizer que todas as manifestações culturais são iguais? As perguntas são muitas, as desconstruções, necessárias e, o reconhecimento de nossa cultura como diversificada e imensa, mister.

Ouvi uma vez um violeiro do qual gosto muito dizer que, “o que não conhecemos em meio a um jardim cheio de flores e árvores frutíferas, vira mato”. Chamar todas as manifestações culturais oriundas de regiões periféricas ao Rio de Janeiro e à São Paulo capital de Regionais é chamá-las de mato; garanto que não são.

Por Artur Santos