O ‘polêmico’ filme Som da Liberdade

O polemico filme Som da Liberdade
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Assisti ao ”polêmico” Som da Liberdade, filme de Alejandro Monteverde e estrelado por Jim Caviezel, inspirado em histórias reais de Tim Ballard, CEO da Operation Underground Railroad.

A esquerda norte-americana mete o pau no filme associando-o à teoria conspiratória QAnon. É uma lástima, dado que o tráfico de pessoas, a escravidão sexual, e as redes de pedofilia são reais e estão entre os principais males contemporâneos.

Além disso, o filme se distancia intencionalmente do QAnon. Não esperem ver intrigas sobre a elite econômica e política. O único bilionário que aparece na tela é um abnegado que coloca sua grana para enfrentar o mal. Se essa era a preocupação de parte dos Democratas e de Hollywood, eles podem dormir sossegados.

Distribuído por uma pequena produtora cristã, o filme acaba mirando no público religioso direitista dos EUA. Os protagonistas são cristãos imbuídos de uma missão quase divina. Não há sutileza na construção dos personagens: de um lado estão os heróis, do outro os vilões, e o final transborda esperança seguindo os tons da crença cristã na transfiguração final da dor e da morte.

O enredo algo simplista cai em estereótipos de fazer o sangue latino-americano ferver. Em vez de combater o tráfico sexual de crianças em território ianque, os heróis vão atuar na Colômbia e, depois, na Amazônia. Os principais pedófilos são todos narcotraficantes e guerrilheiros [comunistas?].

Desnecessário comentar a pieguice de fazer corar Steven Spielberg e as metáforas com intuito de nos lembrar que Caviezel está gravando a continuação d’A Paixão de Cristo, em que o Filho do Homem desce ao Hades pra combater o capiroto e salvar as almas humanas.

O filme não custou quase nada, só uns quinze milhões de dólares. E já passou de duzentos milhões de bilheteria. Um sucesso estrondoso para uma obra repleta de boas intenções mas de qualidade pra lá de medíocre.

Para não dizer que falei de flores, fica meu elogio à coragem de quem levou o assunto à tela e também a escolha, hoje em dia nada comum, de retratar o sentimento masculino diante dos maus tratos às crianças. Os protagonistas adultos são basicamente homens. Homens e pais. Que perderam crianças, que temem perdê-las, que se colocam no lugar dos pais que as perderam, e que lutam para reconquistá-las e livrá-las da besta.

Por fim, o primeiro ato é bem sucedido em gerar o efeito perturbador indispensável para acompanhar o enredo. Os primeiros trinta minutos nos dão a dimensão da repugnância e da monstruosidade de pedófilos. E nos fazem lamentar que poucos deles morram ao longo da história contada por Alejandro Monteverde.

O polemico filme Som da Liberdade

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A grande preocupação atual de boa parte do que se convencionou chamar de ”esquerda” é reclamar, com a ares de suprema indignação, da liderança de Som da Liberdade nas bilheterias de cinema.

Devia se preocupar, isto sim, com a participação pífia do cinema brasileiro no mercado nacional, que esse ano está em vexatórios 1,4%: dez vezes menor que no período pré-pandemia, quando já não era grande coisa e perdia feio para os 35% de participação alcançados na virada dos anos 1970 pra 1980.

Aliás, o marco do início da decadência não é exclusivo do cinema nacional. De lá pra cá, perdemos também indústria, crescimento do PIB, segurança social, projeto nacional e rumo. Perdemos também uma esquerda comprometida com estas questões, e que prefere se lamuriar que Som da Liberdade pode dar mais lucro no Brasil que Barbie.

Aparentemente, no fundo do poço tem outro poço ainda mais fundo.

  1. Apesar de concordar na questão da tão famigerada “síndrome de salvador da pátria estadunidense”, ainda achei um filmaço, primeiro por abordar de uma maneira tão brilhante um tema tão cruel e também pela direção; a atuação de quase todos os atores é impecável, principalmente de algumas crianças.
    Gostar ou não gostar do filme faz parte, o que me deixa assustado é saber que algumas pessoas/veículos de imprensa estão tentando ridicularizar o filme, alegando que a temática não passa de “delírio cristão de extrema direita (como se isso existisse. Não, não existe).
    Que cada um tire suas próprias conclusões do porquê disso.

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