O governo de uma ala só

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Por Juliana Leme Faleiros – Em fins do mês de junho de 2021, a Justiça Federal de São Paulo julgou procedente o pedido do Ministério Público Federal no sentido de condenar a União Federal por atos misóginos praticados pelos seguintes agentes políticos: o Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Regina Alves e o Ministro da Economia Paulo Roberto Nunes Guedes. Menciona, ainda, atos do Deputado Federal Eduardo Nantes Bolsonaro e do ex-Ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo.

Ancorada na Constituição da República, no Código Civil, no Código do Consumidor e na Lei nº 7.347/85, a decisão, proferida na Ação Civil Pública nº 5014547-70.2020.4.03.6100 na 6ª Vara Cível, condenou a União Federal ao pagamento de R$ 5 milhões por danos morais coletivos, cujo montante deve ser direcionado para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei nº 7347/85. A União Federal foi condenada, ainda, a direcionar o valor de R$ 10 milhões para campanhas publicitárias por intermédio de redes sociais, radiodifusão, mídia “in door” ou escrita com o fito de: (i) divulgar pesquisas científicas sobre violências e desigualdades experimentadas pelas mulheres; (ii) levar ao conhecimento do público que as mulheres em situação de violência têm direito a serem atendidas de forma digna e que os agentes públicos devem ter formação e conhecimento sobre violências de gênero; e (iii) divulgar as políticas públicas baseadas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que estejam sendo efetivamente realizadas.

O Ministério Público Federal, autor da ação, resgatou manifestações do Presidente da República como a autorização para o turismo sexual livre com mulheres, o deboche com uma jornalista e a declaração para profissionais da imprensa com o seguinte teor: “O Brasil é uma virgem que todo tarado de fora quer”. O Ministro Paulo Guedes, agindo como tal numa palestra, expôs sua opinião sobre a mulher do Presidente da França demonstrando desapreço pelo cargo que exerce bem como seu papel nesse governo.

Em relação à Ministra Damares, a magistrada destacou a fala em audiência pública – e, portanto, representando a União Federal – na qual defende a submissão das mulheres aos homens. Chamada a se manifestar na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara dos Deputados ela disse: “o homem é o líder do casamento. Então essa é uma percepção lá dentro da minha igreja, dentro da minha fé. […] Que deputada linda. Só o fato de você estar no parlamento. Não precisava nem abrir a boca. Só o fato de você estar aqui, já diz pra jovens lá fora, elas também podem chegar aqui”. Como membro do governo federal de um Estado laico, a Ministra pastora mostra seu papel de impor a doutrina cristã.

Não é segredo para ninguém que o atual ocupante da Presidência da República toma tais atitudes, tendo sido condenado também por danos morais por ofensa a então Deputada Federal Maria do Rosário enquanto ainda era membro do Parlamento. Digamos, dessa forma, que Sr. Jair é reincidente em condutas misóginas.

Se há alguma novidade é a condenação dos Ministros da Economia e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Aquele, visto como viga de sustentação do atual governo por seu vínculo com o mercado, por sua agenda neoliberal e, assim, por sua disposição em tomar todas as medidas para destruir o pouco que há de proteção social e ampliar a acumulação, é incluído numa ala técnica do governo. A Ministra pastora, com seu caráter histriônico, é incluída na ala ideológica e considerada, por muitos, como cortina de fumaça em sua cruzada em defesa do rosa e do azul, para falar o mínimo sobre sua gestão.

No entanto, o que o cenário político e a decisão judicial acima apontada evidenciam é que não há alas neste governo: o neoliberalismo informa e é informado por um conservadorismo profundo que Paulo Guedes e Damares Alves são os exemplares mais finos e bem-acabados dessa corrente. Essa ideia de alas, amplamente divulgada, principalmente, pela chamada grande mídia, serve para defender a política econômica de destruição e ridicularizar ou minimizar as questões que envolvem os grupos vulneráveis – as mulheres, os negros e os indígenas, por exemplo – como se tais aspectos não dessem concretude à realidade da nossa sociedade e não definissem tanto a política social quanto a econômica.

Diante da particularidade brasileira, pode-se dizer que Paulo Guedes e Damares Alves são notáveis obreiros do projeto de terra arrasada que levaram Jair Bolsonaro ao comando do país e, ao lado da inexistência de alas, pode-se afirmar que se há cortina de fumaça neste governo ela começa e termina com o próprio Presidente.

Por: Juliana Leme Faleiros.
Mestra em Direito Político e Econômico (MACKENZIE). Especialista em Direito Constitucional (ESDC). Bacharela em Direito (UNIVEM) e Ciência Política (UNINTER). Advogada e professora.