Por que Lula se omite em relação ao impeachment de Bolsonaro?

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A última semana tem sido bastante agitada para quem acompanha o cenário político brasileiro. O depoimento do deputado Luis Miranda e de seu irmão revelando um esquema de corrupção envolvendo o líder do governo na CPI da Covid provocou um terremoto político no país. Piorando ainda mais a situação para o lado do governo, a Folha de São Paulo revelou ontem mais um esquema envolvendo o Ministério da Saúde, com integrantes do governo cobrando propina US$1 por vacina. Diante disso tudo, a oposição ganhou enorme fôlego na sua luta pela saída do presidente. Entretanto, há uma figura, a mais importante da oposição, que não se posicionou sobre isso: Lula.

O silêncio de Lula é generalizado quando o tema é a saída de Bolsonaro. Não disse uma palavra sobre os atos de 29 de maio e 19 de junho e continua sem dizer uma palavra acerca dos escândalos envolvendo o governo na última semana. A última vez que seu Twitter mencionou a palavra “impeachment” foi em fevereiro de 2021, indicando que não havia tempo para isso. Isso é um sinal de que o PT não quer a saída de Bolsonaro? Sim e não. A situação é um pouco mais complexa.

Para explicar isso adequadamente, retomo aqui uma memória pessoal da minha militância. O ano era 2017 e Temer tinha acabado de propor a Reforma Trabalhista para o legislativo. Nessa época, militava pelo PSOL e participava de um fórum com diversas entidades e partidos de esquerda que construíam mobilizações populares contra o governo e o “Fora Temer” era palavra de ordem única entre as organizações. No dia 28 de abril daquele ano, conseguimos organizar uma greve geral bem sucedida. São Paulo ficou parada por conta da greve do transporte e aquela sexta-feira parecia domingo, com o comércio todo fechado. Na minha cidade, além da paralisação, conseguimos uma mobilização massiva em um protesto que conseguiu colocar algo perto de 50 mil pessoas nas ruas, quase 10% da população da minha cidade. O saldo da greve geral foi muito positivo e a perspectiva era de que dali para a frente a luta deslancharia. Porém, não foi o que aconteceu. Surpreendendo muitos militantes, as organizações ligadas ao PT simplesmente esvaziaram os fóruns e os atos futuros e o movimento perdeu força. Nos holofotes, eram “Fora Temer”, nos bastidores “Fica Temer”. Qual o sentido disso e qual a relevância para o contexto atual?

Na época, o PT tinha anunciado (com grande antecedência) a candidatura de Lula para as eleições de 2018. Gradualmente, tudo foi se esclarecendo para nós. As mobilizações foram esvaziadas porque era mais vantajoso deixar Temer assumir o desgaste das reformas neoliberais para que Lula viesse como candidato vitorioso no ano seguinte, pegando um cenário de crise e de baixa popularidade do presidente. O momento atual não difere muito daquela época. Lula teve seus direitos políticos readquiridos e se coloca como candidato novamente, esperando lucrar com o desgaste de Bolsonaro no governo. Só que temos um problema no caminho: a vida dos brasileiros. Ao não se posicionar assertivamente a favor do impeachment, Lula deixa passar que estamos passando por uma pandemia e que a ausência de responsabilização pelas atitudes do governo pode contribuir para muito mais mortes. Enquanto defende a saída de Bolsonaro para as câmeras, segura parte da militância e a força de Lula nos bastidores para evitar a saída agora. A estratégia é clara: deixar Bolsonaro apanhando no cargo para facilitar uma vitória em 2022.

Esse tipo de cálculo sempre esteve presente na arena política e não é nada anormal. Quando Dilma foi derrubada, por exemplo, muitos queriam segurá-la no cargo até 2018 esperando uma vida fácil nas eleições seguintes. No entanto, a situação hoje é completamente diferente. Bolsonaro não só nega a ciência, mas trabalha ativamente para a propagação do vírus. Pior, faz vistas grossas (para não dizermos outras coisas) em relação ao Ministério da Saúde roubando em cima da compra de vacinas. A soma disso é um cenário de pandemia descontrolada com milhares de pessoas morrendo enquanto o governo dá proteção a quem negocia propina nas compras de vacina. É válido um cálculo desse tamanho? Um cálculo que troca a vida dos brasileiros por um caminho mais fácil na eleição de 2022? Até quando os progressistas desse país vão continuar em silêncio acerca da omissão de Lula? Quando Rodrigo Maia não aceitou o impeachment, foi cobrado como “omisso” e “conivente” com as mortes. Agora é diferente? É evidente que a posição que Maia tinha era distinta da que Lula ocupa hoje. Ele é um ex-presidente, com alto apoio popular e com a liderança nas pesquisas. Quando prefere o silêncio, em um mero cálculo eleitoral, vamos aceitar isso com naturalidade?