O capitalismo fracassou. E agora?

O capitalismo fracassou. E agora?
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O capitalismo vive, especialmente nos dias atuais, a expressão máxima do seu fracasso. A concentração de renda a níveis alarmantes, o colapso ambiental, o colapso da vontade popular e das democracias liberais no mundo desenvolvido, a crescente instabilidade política e econômica dos países periféricos, a total exploração de uma parcela gigantesca da população mundial e uma série de outros fatores nos mostram os resultados extremos de um sistema que se acostumou a concentrar renda e poder na camada mais rica da população. A foto do pai e da filha salvadorenhos que morreram afogados ao tentar atravessar a fronteira do México com os EUA em uma busca desesperada por uma vida melhor é mais uma cena chocante da nossa falência enquanto humanidade, mostrando como é urgente pensarmos na construção de um novo mundo.

Os valores da liberdade, igualdade e fraternidade não foram capazes de se realizar em uma sociedade que parece se afastar cada vez mais deles em direção ao abismo da sua total destruição. A humanidade perde cada vez mais a esperança e fica cada vez mais paralisada diante do seu fracasso. Nos prometeram humanidade e nos deram exploração e destruição. Diante do quadro atual, a grande questão que se coloca é saber como podemos sair disso em vistas a um futuro de equilíbrio, harmonia, paz, solidariedade e justiça. O desafio é saber como pensar uma sociedade que garanta liberdade, justiça e equilíbrio. É aí que mora o grande problema.

Uma grande alternativa à desarmonia social causada pelo capitalismo veio a partir do socialismo. A crítica socialista ao capitalismo foi uma poderosa arma de transformação social pois conseguiu identificar que o problema central da desigualdade gerada pelo capitalismo estava na concentração de recursos e meios de produção na mão de poucos, enquanto a grande maioria da sociedade só poderia oferecer sua mão de obra como troca em uma relação de trabalho. O socialismo foi a força que inspirou os movimentos mais radicais de transformação social no século XX, mas acabou falhando em se apresentar como uma solução eficaz para a superação do capitalismo em dois pontos cruciais. O primeiro foi achar que concentrar a produção econômica na mão do Estado seria suficiente para democratizar a sociedade e resolver os problemas da desigualdade em prol de um futuro sem exploração. A participação do Estado no processo de desenvolvimento econômico dos países é primordial e a experiência histórica nos mostra isso, mas o grande problema das experiências socialistas foi o fato de que o tipo de economia construída a partir da centralização estatal acabou gerando uma classe de burocratas que se descolaram da sociedade como um todo, se fechando para as necessárias correções econômicas que poderiam preservar os ideais socialistas. O segundo erro, conectado ao primeiro, foi a falta de democracia política em uma grande parte dos países socialistas. Não podemos cair em uma crítica rasa às experiências socialistas como muitos analistas fazem, nem podemos cair em uma equalização das experiências autoritárias do século XX sob o título de “totalitárias”, mas não podemos deixar de notar que ao invés de avançar para uma democracia mais radical, muitos países socialistas recuaram para arquiteturas institucionais autoritárias. Avançar significa incorporar elementos positivos da democracia liberal em prol de uma radicalização democrática que não é possível nos moldes do sistema capitalista. Quando o modelo econômico começou a se desgastar, não havia democracia suficiente para apontar os caminhos para a correção destes erros, o que culminou em uma derrocada quase total das experiências socialistas do século XX, acarretando uma perda de referencial na esquerda mundial a partir de então.

Por outro lado, partindo de uma dissidência socialista, o capitalismo também viu uma tentativa de correção por uma via social-democrata. A premissa aqui era a de se estabelecer uma série de reformas para corrigir os erros gerados pela concentração de renda capitalista, o que poderia levar a uma maior democratização da economia, reduzindo as desigualdades e garantido direitos sociais a uma grande massa de despossuídos que antes viviam à margem da democracia e da economia. Por um tempo, a via social-democrata logrou êxito no que pretendia fazer, pelo menos em alguns países, levando a garantia de desenvolvimento econômico, redução das desigualdades e democratização da economia, fator que inspirou uma série de movimentos progressistas ao redor do mundo. Se o socialismo apontava para uma correção interna e radical do problema da concentração de renda, a social-democracia apontava para uma solução mais externa e política para a concentração de renda, com aumento da tributação sobre os mais ricos, investimentos públicos maiores e garantia de serviços públicos universais. A via social-democrata também fracassou pois falhou em adentrar em um processo mais amplo de democratização econômica que distribuísse melhor o poder econômico e político dos grandes proprietários em vistas de uma democratização da produção. Poucos foram os países que conseguiram avançar para uma democratização mais radical da economia e estes, ainda hoje, conseguem manter níveis de desigualdade baixos e uma maior harmonia e desenvolvimento humano. O grande problema da social-democracia foi o fato de que o poder econômico ainda ficou na mão de uma elite minoritária, que aceitou uma maior regulação política da economia por um tempo, muito por conta da sombra soviética e da memória das grandes guerras. Entretanto, na primeira crise do modelo social-democrata, o paradigma econômico foi substituído por uma visão mais vantajosa para os grupos econômicos dominantes, o que levou a um enfraquecimento de uma economia mais democrática em prol de doutrinas neoliberais, que se tornaram hegemônicas e conduzem a economia mundial até hoje. Desde então, a social-democracia está perdida em oferecer uma alternativa que supere uma forma mais branda de neoliberalismo, o que entendemos hoje por “terceira via”.

A longa digressão sobre as duas principais formas de crítica progressista ao capitalismo serve para nos mostrar que os progressistas estão em um beco sem saída nas atuais circunstâncias. A constatação da falência econômica, ética e humana do capitalismo se dá ao mesmo tempo em que as alternativas progressistas perderam o seu referencial de mudança e não conseguem gestar algo novo. Isso aponta para a necessidade de uma renovação radical na forma com que os progressistas enxergam o mundo. Isso significa que é mais do que necessária uma abertura intelectual a novas formas de pensar, fugindo de uma visão rígida e sectária e buscando uma forma mais criativa e inventiva que pense alternativas para a sociedade. A esquerda mundial, em especial a parcela socialista radical, sempre enxergou o mundo de uma forma que impedia o surgimento de propostas de transformação que não compartilhavam dos pressupostos mais centrais que adotavam, criando um cenário de ausência de imaginação para pensar outras alternativas de sociedade. Esse quadro é fatal para qualquer tentativa de mudança pois inviabiliza projetos alternativos que possam ser abraçados por uma grande parcela da população que sente a tragédia atual que vivemos, o que é explorado com sucesso pela extrema-direita ao redor do mundo. A ausência de alternativas progressistas concretas que superem os erros do passado faz com que a extrema-direita fale sozinha como a voz antissistema.

Pensar o mundo novamente é uma tarefa colocada para aqueles que lutam por transformação, mas não só isso. Precisamos pensar criticamente acerca da própria forma como entendemos o mundo. Um outro mundo é possível? Um mundo em que a justiça, a liberdade a igualdade possam se realizar? Sim, mas só será pensado e realizado se tivermos coragem de propor algo novo que vá além do que já fizemos, que supere nossos erros e que aponte para uma direção de transformação que encante as populações oprimidas pelo mundo. Para que isso seja feito, temos que estar prontos para abrir mão de crenças até então bem estabelecidas em prol de novas formas, mais abertas, de entender a realidade para que possamos oferecer alternativas reais ao cenário catastrófico do mundo de hoje.