Novo New Deal de Biden enterra o neoliberalismo

Biden com seu novo new deal e Guedes com seu neoliberalismo são exemplos opostos sobre estratégia para o desenvolvimento nacional.
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Se a crise 1929 foi a oportunidade histórica para Franklin Delano Roosevelt emplacar o New Deal e fundar uma espécie de Estado de bem-estar social norte-americano, a pandemia de Covid-19 é a repetição histórica perfeita para Joe Biden. O “seu” novo New Deal é, para dizer o mínimo, ambicioso.

Para além do pacote de auxílio emergencial de 1,9 trilhão de dólares (o auxílio brasileiro chegou a 340 bilhões de reais), Biden acaba de anunciar um plano de infraestrutura de 2,3 trilhões de dólares. São mais de 4,2 trilhões de dólares – o triplo do PIB do Brasil – para enfrentar os graves efeitos da pandemia de Covid-19.

Uma primeira constatação empírica: Biden deveria deixar os economistas brasileiros ortodoxos envermelhados. Como pode um economista, por um lado, em relação aos EUA, não dar um pio sobre os mais de 4 trilhões de dólares em endividamento, aumento de impostos, planejamento e direcionamento econômico e, por outro, em relação ao Brasil, defender o teto de gastos como âncora fiscal necessária ao resgate da “confiança” do país e a alta de juros em momento em que a economia brasileira está no chão, com mais de 13 milhões de desempregados?

Charge Keynes

Hipocrisias à parte, os Estados Unidos não são um império à toa. A articulação mutuamente benéfica entre Estado e mercado nacional baseou-se, desde a independência, na proteção das empresas americanas e, depois, no estímulo para sua internacionalização, utilizando-se de todos os meios imagináveis para trazer dólares ao mercado interno norte-americano (subsídios, taxas favoráveis, compras governamentais, espionagem, guerra, intervenção, imperialismo etc.).

A estratégia é a mesma desde sempre: o Estado elege setores estratégicos, geralmente na fronteira do conhecimento, e fomenta a atividade econômica. Nos EUA, a regra é Estado e mercado atuando juntos e com sinergia (veja, como exemplo, a associação umbilical entre as petrolíferas americanas e o Estado como aparato de guerra que, literalmente, interveio em diversos países para abrir mercados); no Brasil, Paulo Guedes e seus asseclas pensam que o mercado pode substituir o Estado (e aí surgem as propostas as mais desvairadas possíveis, como a privatização da educação pública por meio de vouchers, a privatização do SUS, PPPs para presídios, a reforma administrativa, a independência do Banco Central, dentre outras). Todas essas propostas carregam consigo o diagnóstico equivocado de que a atuação estatal é meramente subsidiária em relação à alocação de eficiências feita pelo mercado, esse ente fantasmagórico incapaz de errar.

O Plano Biden prevê US$ 621 bilhões em infraestrutura de transportes (rodovias, portos, aeroportos, pontes e carros elétricos), US$ 578 bilhões em inovação e geração de empregos (política industrial), US$ 689 bilhões em serviços públicos (como habitação, saúde, educação e creches) e US$ 400 bilhões para o cuidado de idosos e pessoas portadoras de necessidade especiais.

Para aprovar seu novo New Deal, Biden terá de se virar com a correlação de forças políticas internas e externas. Os norte-americanos são craques em deixar as diferenças de lado e se unificar contra um inimigo externo qualquer. Contra a ascendente China, parece simples encontrar consenso para investir em infraestrutura – degradada há 40 anos –, diminuir custos de transporte e manutenção e aumentar a competitividade de seus produtos. Internamente, no entanto, haverá mais dificuldades. Isso porque Biden propõe que a conta seja paga por Wall Street, pelas grandes empresas norte-americanas e pelo 1% mais rico do país. Ele já mandou o recado: “Os Estados Unidos não foram construídos por Wall Street”:

Nesse sentido, a proposta é tornar o sistema tributário norte-americano mais progressivo, cobrar mais das grandes empresas e dos milionários e acabar com as brechas que permitem empresas como a Amazon não pagar impostos federais. Biden quer proteger o trabalhador norte-americano que ganha menos do que US$ 400.000,00 por ano e, para isso, terá que enfrentar os interesses das grandes corporações e de Wall Street.

O Estado norte-americano já detém todos os instrumentos para conceber um agressivo plano de reconstrução da infraestrutura estadunidense (alteração na legislação tributária, incentivos, barreiras à importação, compras governamentais, atuação direta do Estado, endividamento, emissão de moeda etc.). O Estado brasileiro, a despeito de nossas dificuldades, também possui os instrumentos de que precisa para forjar o nosso projeto nacional de desenvolvimento. O busílis, então, é eminentemente político: por que civilização lá e barbárie aqui?

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Atualização: para não dizer que não falei das flores, a Folha de S. Paulo publicou editorial hoje (05/04) em que oferece louros a Biden pela “ambiciosa tentativa de transformação do contrato social americano desde a década de 1960 ou mesmo desde o New Deal dos anos 1930”. No entanto, para o Brasil, “nem todos os países” podem se meter a tamanhas extravagâncias. Na terra de Deus dará, “reformas para flexibilizar o Orçamento” são os remédios de que o país precisa.