Neiva Moreira: um gigante do trabalhismo brasileiro

Neiva Moreira: um gigante do trabalhismo brasileiro
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Morreu no dia 10 de maio de 2012, aos 94 anos, o jornalista e militante político José Guimarães Neiva Moreira, um dos fundadores do PDT, signatário da Carta de Lisboa, um dos idealizadores e, por muitos anos, editor da revista Cadernos do Terceiro Mundo.

Neiva nascido em 1917, ex-presidente do PDT, um dos expoentes da luta dos brasileiros durante o regime militar.

“Neiva Moreira, fundador do PDT junto com Leonel Brizola, lançou raízes do trabalhismo no Brasil e em vários outros países latino-americanos. Como estudioso, ativista e escritor, sempre esteve ao lado dos povos oprimidos da região. Viveu intensamente a luta pelas liberdades no Brasil, e após retornar do exílio, ampliou sua trajetória política a partir do seu amado Maranhão”.

Como repórter Neiva Moreira se tornara famoso por ter entrevistado Nasser após a guerra de Suez e por ter seu jornal destruído por capangas de Vitorino Freire, o udenista que, bem no estilo do clã Sarney, capturara o governo do Maranhão por décadas a serviço de seus interesses.

Como deputado federal em seu terceiro mandato Neiva coordenou a mudança Câmara Federal para Brasília. Participou ativamente das articulações que garantiriam a posse de João Goulart na crise de agosto de 1961 e integrou a frente de sustentação do governo, batalhando pelas reformas de base. Em abril de 1964, por seu comprometimento com o governo nacionalista de Goulart esteve na primeira lista de cassados e perseguidos políticos. Asilou-se na Bolívia, onde no início dos anos 1950 havia ocorrido uma revolução nacionalista e anti oligarca, protagonizada pelo Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), sob a liderança de Paz Estenssoro e Silez Suazo que triunfou em 1952. Neiva acompanhara essa revolução e forjara grande e duradoura amizade com líderes do MNR. Contudo, Neiva logo teve que deixar o país após o golpe de Rene Barrientos que em setembro de 1964 depôs o governo de Victor Paz obrigando-o a partir para o exílio.

Sem condições de permanecer na Bolívia foi para o Uruguai. Lá foi uma referencia na articulação da resistência à ditadura brasileira. E viria a ser uma referência também no jornalismo do país ao contribuir para a fundação de vários semanários de esquerda e, depois, ser convidado para assumir o comando da redação do jornal diário “Ahora”.

Ao lado de Leonel Brizola esteve na articulação dos primeiro movimentos de resistência armada que culminou na guerrilha de Caparaó.

Neiva Moreira: um gigante do trabalhismo brasileiro

Em setembro de 1973 se encontrava em Argel, cobrindo a IV Conferência de Cúpula dos Países Não Alinhados.

Neiva como repórter pelo “Ahora”, de Montevidéu. Nessa altura, com o Uruguai também vítima de golpe de estado, Neiva estava na mira da repressão pois seu nome começara a ser citado nos interrogatórios dos presos políticos, em particular dos militantes tupamaros.

A Conferência dos Não Alinhados foi das mais importantes até então realizadas. O mundo bipolar da guerra fria se tornava pentagonal com a emergência da China, dos países do Terceiro Mundo, notadamente América Latina, o auge das lutas de libertação na África. Nos foros internacionais, politizados como nunca antes, chegara-se a conclusão de que a luta por melhora nos termos de intercâmbio das matérias primas tinha que dar-se no marco de uma Nova Ordem Econômica Mundial, uma luta de caráter político a ser travada internamente em cada país e nos foros internacionais. E mais, que essa nova ordem econômica almejada jamais seria alcançada sem uma nova ordem na comunicação mundial.

Neiva então se dedicou com especial interesse a estreitar relações com os movimentos de libertação das colônias portuguesas na África, e com as revoluções de caráter nacionalista no mundo árabe. Havia sido criada a OPAEP organização dos países árabes exportadores do petróleo que no cerrar das portas da conferência decretaria o bloqueio do petróleo aos países envolvidos na guerra do golfo.

Tudo isso constituía o cenário de um mundo em grandes transformações. Um cenário sonegado ao público pela imprensa, salvo raras exceções, localizadas, como ocorria no Uruguai e no Peru, e poucas revistas especializadas como Afrique-Asie, editada na França, mais para uma publicação acadêmica do que um meio para o grande público.

Com relação à Nova Ordem Informativa, a delegação peruana, com amplo apoio, levou proposta de criação de um Pool de Agências de Notícias dos Países Não Alinhados. Havia mais de mil jornalistas presentes em Argel.

Neiva nesse então estimulava a discussão sobre a necessidade de se ter um meio de comunicação alternativo, feito por jornalistas para o grande público que noticiasse os fatos escondidos e desse voz para os protagonistas.

Um dos primeiros resultados daqueles estímulos e idéias, Neiva já havia conseguido, junto com Beatriz Bissio e Pablo Piacentini, e o apoio de Julia Constenla, editar em Buenos Aires, os primeiros exemplares de Cuadernos del Tercer Mundo e estava encurralado pela “Triple A”, o comando de caça aos peronistas e comunistas do governo de Lopes Rega e Isabel de Perón.

O Peru da Revolução de Velasco Alvarado já havia expropriado os jornais de grande circulação e entregue aos trabalhadores organizados. Não foi difícil conseguir apoio para o ingresso de Neiva e Beatriz e de outros refugiados, entre os quais os argentinos Pablo Piacentini e Gregorio Selser, o uruguaio Mario Benedetti, entre tantos.

Neiva teve todo apoio para pesquisar, entrevistar e viajar pelo Peru e produzir o livro Modelo Peruano, publicado em vários idiomas, referencia sobre o período velasquista.

Beatriz se integrou a um projeto de pesquisa sobre países do Terceiro Mundo para o diário Expreso e junto com o grupo de colegas argentinos e do próprio Neiva tinha criado uma “agência de notícias” sui-generis, que vendia matérias de análise internacional aos diferentes jornais peruanos. Estava lançada a ideia o Guia do Terceiro Mundo, anuário com edições em português e espanhol que teve sua última edição no ano 1999.

Em Lima, seguia conspirando e articulando com a resistência à ditadura brasileira a que se somara as ditaduras no Uruguai, Argentina, Bolívia e Chile. Na busca de caminhos a seguir vía a necessidade de um partido de massas com propostas capazes de unir ampla frente política e social.

A colônia de brasileiros asilados no Peru, nessa época era pequena mas muito expressiva: Darcy Ribeiro, trabalhando no projeto SINAMOS (Sistema Nacional de Mobilização Social, do governo Alvarado), a antropóloga Berta Ribeiro, Guy de Almeida, na comunicação do Pacto Andino, com esposa e filhos, o pintor mineiro Vicente de Abreu e família, o capitão Altair Campos e família, Elza Ferreira Lobo, Mauro Boschiero e sua companheira Darci.

Após trabalhar em estreito contato com o presidente Velasco Alvarado, Neiva foi convidado para editar o boletim oficial do governo “Perú Informa”. Após o golpe de estado do general Morales Bermudez Neiva e Beatriz, foram “convidados” a abandonar o Peru. Por não querer deixar a América Latina e sem muitas outras opções, Neiva e Beatriz se foram para Cidade do México com objetivo de trabalhar e criar condições para relançar o projeto de Cuadernos del Tercer Mundo.

No México nasceu Micaela Bissio Neiva Moreira e renasceu e ganhou força o projeto da revista. Com sede na Cidade do México e em Lisboa, Cadernos do Terceiro Mundo alcançou seu auge com edições em inglês, espanhol e português, ampla distribuição na América Latina, Estados Unidos, Portugal e África portuguesa além de circulação modesta em quase todas as partes do mundo. No Brasil circulava em ambiente restrito, quase que clandestinamente, mas, era disputada.

Em junho de 1979 foi a Lisboa para o encontro com Leonel Brizola e brasileiros da diáspora para o projeto de ressurgimento do trabalhismo, a Reunião de Lisboa, o encontro de refundação do trabalhismo brasileiro – sob a bandeira do Partido Trabalhista Brasileiro, logo assumido como Partido Democrático Trabalhista. Estava lançada a ideia de um partido moderno, filiado a socialdemocracia internacional e com raiz fincada na história das lutas libertárias e na tradição do trabalhismo varguista.

Com a anistia de 1979 Neiva regressou com a família para o Brasil e sentou residência no Rio de Janeiro e em São Luiz.

A campanha para eleger Leonel Brizola governador do estado do Rio de Janeiro foi um sucesso. Faltava um veículo para sustentar a campanha por eleições diretas. O povo queria mas os grandes meios não. Por iniciativa de Neiva foi lançado o Jornal do País. Durou pouco, cerca de dois anos, mas foi o primeiro jornal a apoiar ostensivamente a campanha Diretas Já. Neiva coordenava a comunicação do governo do Rio de Janeiro, a editora e o crescimento do PDT e, ainda fazia política no Maranhão onde foi eleito e reeleito mais três vezes deputado federal.

Uma de suas grandes preocupações era com o anti-getulismo raivoso que grassava em setores do PT, notadamente alguns intelectuais. Neiva atribuía essa postura a falta de interesse pelo conhecimento da história ou, simplesmente por má fé, servilismo intelectual.

Sem abandonar o jornalismo que fazia com paixão Neiva nunca deixou a militância política. Voltou para a Câmara Federal, primeiro como suplente e, entre 1991 e 2007, exerceu mais quatro mandatos pela legenda do PDT que ajudou a criar. Entre um mandato e outro concorreu ao Senado e perdeu. Com isso e mais os mandatos que havia exercido antes de ser cassado em 1964 tornou-se o decano dos deputados federais. É também o mais condecorado entre os parlamentares brasileiros. Foi eleito sempre pelo Maranhão onde organizou a oposição e o partido que elegeu por três vezes o médico Jackson Lago prefeito de São Luiz e depois governador do Estado. Com Lago prefeito Neiva licenciou-se na Câmara Federal para organizar a secretaria municipal de comunicação e com Lago governador mudou-se de vez para o Maranhão.

Neiva se foi, mas ficou seu legado: Jornalismo e política se faz com dois ingredientes: paixão e ética. Um jornalismo que é referencia entre intelectuais e pesquisadores de várias partes do mundo. Fiel a esse legado Beatriz Bíssio reuniu colaboradores e simpatizantes do projeto e criou o Espaço Cultural Diálogos do Sul. Através dessa iniciativa o acervo de Cadernos do Terceiro Mundo está a disposição do público e se editará a revista virtual Diálogos do Sul. Neiva seguirá presente guiando nossos passos.

Neiva Moreira: um gigante do trabalhismo brasileiro