MARY MELLOR: O neoliberalismo nos levou a acreditar em um conto de fadas sobre a origem do dinheiro

Imagem divida em três. Na primeira parte, aparecem moedas antigas. Na segunda, cédulas. Na terceira, cartões de crédito. Dinheiro e neoliberalismo.
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Não há nada de natural no dinheiro. Nenhum elo com alguma forma essencial e escassa de dinheiro estabelece um limite para sua criação. Ele pode ser composto por uma base de metal, papel ou dados eletrônicos – nenhuma delas é escassa. De maneira semelhante – apesar do que você possa ter ouvido sobre a necessidade da austeridade e a inexistência de certas árvores geradoras de dinheiro –, não há um nível “natural” de gastos públicos. O tamanho e o alcance do setor público são uma questão de escolha política.

Isso põe a austeridade, o corte de despesas na economia pública, sob questão. Em alguns países, como a Grécia, o impacto da austeridade tem sido devastador. As políticas de austeridade ainda persistem, apesar de numerosos estudos argumentado que elas foram inteiramente mal concebidas, com base em escolhas políticas e não na lógica econômica. Mas o argumento econômico mais geral a favor da austeridade está igualmente equivocado: ele é baseado no que pode ser melhor descrito como uma economia de conto de fadas.

Mas quais foram as justificativas? A Inglaterra, por exemplo, vive sob um regime de austeridade desde 2010, quando o novo governo Conservador-Liberal Democrata reverteu a política trabalhista de aumento no nível de despesa pública em resposta à crise financeira de 2007-8. A crise criou uma tempestade perfeita: o resgate de bancos exigia altos níveis de gastos públicos, enquanto a concentração econômica reduzia a receita tributária. O argumento a favor da austeridade era de que o nível superior de gastos públicos não poderia ser bancado pelo contribuinte. Isso se baseou no que chamo de “economia doméstica” [handbag economics], que adota a analogia dos Estados como sendo famílias, dependentes de um ganhador do pão (o setor privado).

Para a economia doméstica, os Estados devem restringir suas despesas ao que o contribuinte é considerado capaz de pagar. Os Estados não devem tentar aumentar seus gastos tomando emprestado do setor financeiro (privado) ou “imprimindo dinheiro” (embora os bancos tenham sido resgatados com a mesma prática, sob outro nome – flexibilização quantitativa [quantitative easing], a criação de dinheiro eletrônico).

A ideologia da economia doméstica alega que o dinheiro deve ser gerado apenas por meio da atividade de mercado e que ele é sempre escasso. Pedidos de aumento do gasto público são quase invariavelmente confrontados com a resposta “de onde virá dinheiro?”. Quando confrontada com os baixos salários no sistema de saúde pública e seguridade social, a primeira-ministra britânica, Theresa May, declarou de maneira célebre: “não existe uma árvore mágica de dinheiro”.

Então, de onde vem o dinheiro? E o que é o dinheiro, afinal?

 

O que é dinheiro?

Até os últimos 50 anos, mais ou menos, a resposta parecia óbvia: o dinheiro era representado em espécie (notas e moedas). Quando o dinheiro era tangível, parecia não haver dúvida sobre sua origem ou seu valor. Moedas eram cunhadas, cédulas eram impressas. Ambas eram autorizadas por governos ou bancos centrais. Mas o que é o dinheiro hoje? Nas economias mais ricas, o uso de dinheiro está diminuindo rapidamente. A maioria das transações monetárias é baseada em transferências entre contas: não há dinheiro físico envolvido.

Na escalada até a crise financeira, o papel do Estado em relação ao dinheiro mantido em contas bancárias era ambíguo. O setor bancário era uma atividade licenciada e monitorada com algum nível de garantia estatal dos depósitos bancários, mas o ato em si de criar contas bancárias era e é visto como um assunto privado. Pode haver regulamentações e limitações, mas não há um exame detalhado das contas bancárias e dos empréstimos bancários.

No entanto, como a crise financeira de 2007-8 mostrou, quando as contas bancárias ficaram sob ameaça à medida que os bancos claudicavam à beira da falência, os Estados e os bancos centrais tiveram que intervir e garantir a segurança de todas as contas de depósito. A confiabilidade do dinheiro em contas bancárias não relacionadas a investimentos demonstrou-se uma responsabilidade tão pública quanto o dinheiro em espécie.

Isso levanta questões fundamentais sobre o dinheiro como uma instituição social. É correto dizer que o dinheiro pode ser gerado por uma escolha privada de assumir dívidas e que ele se torna uma incumbência do Estado garanti-lo em uma crise?

Mas longe de ver o dinheiro como um recurso público, sob a economia doméstica neoliberal, a criação e a circulação de dinheiro têm sido cada vez mais vistas como funções do mercado. O dinheiro é “feito” somente no setor privado. O gasto público é visto como um dreno desse dinheiro, justificando a austeridade como forma de tornar o setor público o menor possível.

Essa postura, no entanto, baseia-se em uma completa falta de compreensão sobre a natureza do dinheiro, sustentada por uma série de mitos profundamente enraizados.

 

Mitos sobre o dinheiro

A economia doméstica neoliberal deriva de dois mitos-chave sobre a origem e a natureza do dinheiro. O primeiro é que o dinheiro emergiu de uma economia de mercado anterior baseada no escambo. O segundo é que o dinheiro era originalmente feito de metal precioso.

Alega-se que o escambo se provou muito ineficiente, pois cada vendedor-comprador precisava encontrar outra pessoa que pudesse suprir exatamente as suas necessidades. Uma fabricante de chapéus poderia trocar um chapéu pelos sapatos de que precisa – mas e se o fabricante de calçados não precisasse de um chapéu? A solução para esse problema, segundo a estória, foi a escolha de uma mercadoria que todos desejassem para funcionar como meio de troca. Os metais preciosos (ouro e prata) foram a escolha óbvia, pois tinham valor próprio e poderiam ser facilmente divididos e transportados. Essa visão da origem do dinheiro remonta pelo menos ao século XVIII: a época do economista Adam Smith.

Esses mitos levaram a duas suposições sobre o dinheiro que vigoram ainda hoje. A primeira é de que esse dinheiro estaria essencialmente conectado ao mercado, sendo gerado por ele. A segunda, que o dinheiro moderno, como sua forma original e ideal, é sempre escasso. Daí a alegação neoliberal de que os gastos públicos são um dreno na capacidade de criação de riqueza do mercado e que por isso devem ser sempre tão limitados quanto possível. O dinheiro é visto como um instrumento comercial, servindo a uma função básica, mercadológica, técnica, transacional, sem força social ou política.

Mas a verdadeira história do dinheiro é muito diferente. Evidências da antropologia e da história mostram que não houve escambo generalizado antes que os mercados baseados em dinheiro se desenvolvessem e que as moedas de metais preciosos surgiram muito antes das economias de mercado. Há também muitas outras formas de dinheiro além das moedas de metais preciosos.

 

Dinheiro como costume

Objetos com função de dinheiro existiram na maioria das sociedades humanas, se não em todas. Pedras, conchas, miçangas, panos, barras de latão e muitas outras formas têm sido usadas como meio de comparação e reconhecimento de valor comparativo. Mas esse uso raramente ocorreu em um contexto de mercado. A maioria das comunidades humanas antigas vivia diretamente da terra – caça, pesca e cultivo. O dinheiro costumeiro nessas comunidades servia principalmente para celebrar eventos sociais auspiciosos ou como meio de resolução de conflitos sociais.

Por exemplo, o povo Lele, que viveu no que hoje é a República Democrática do Congo na década de 1950, calculava o valor em panos de ráfia tecida. O número de panos exigidos nas diferentes ocasiões era fixado por costume. Vinte panos deveriam ser dados a um pai por um filho ao atingir a idade adulta e uma quantia similar seria dada a uma esposa no nascimento de um filho. A antropóloga Mary Douglas, que estudou os Lele, descobriu que eles eram resistentes a usar os panos em transações com forasteiros, o que indica que os panos tinham uma relevância cultural específica.

Ainda mais estranho é o grande dinheiro de pedra do povo Yap da Micronésia. Os enormes discos circulares de pedra podiam pesar até quatro toneladas. Não é algo para ser colocado no bolso em um passeio de compras.

Há muitas outras evidências antropológicas como essa em todo o mundo, todas apontando para o fato de que o dinheiro, em sua forma mais antiga, servia a um propósito social, sem base num mercado.

 

Dinheiro como poder

Na maioria das sociedades tradicionais, a origem da forma dinheiro particular está perdida na névoa do tempo. Mas a origem do dinheiro como instituição tornou-se muito mais evidente com o surgimento dos Estados. O dinheiro como cunhagem de metais preciosos não se originou com o desenvolvimento dos mercados. Na verdade, a invenção das moedas de metais preciosos ocorrida por volta de 600 a. C. foi adotada e controlada por governantes imperiais para construir seus impérios por meio da guerra.

O mais notável foi Alexandre, o Grande, que governou de 336-323 a. C. Diz-se que, em vez de compartilhar os espólios com os soldados (o pagamento tradicional), ele usava meia tonelada de prata por dia para financiar seu exército composto por maioria de mercenários. Ele tinha mais de 20 cunhas produzindo moedas, que tinham imagens de deuses e heróis e a palavra Alexandrou (de Alexandre). A partir de então, os novos regimes dominantes tenderam a anunciar sua chegada com uma nova cunhagem.

Mais de mil anos após a invenção da cunhagem, o Imperador do Sacro Império Romano Carlos Magno (724-814), que governou a maior parte da Europa ocidental e central, desenvolveu o que se tornou a base do sistema monetário pré-decimal britânico: libras, xelins e pence. Carlos Magno criou um sistema de cotações baseado em 240 pennies cunhados a partir de uma libra de prata. Os pennies se estabeleceram como o denier na França, o pfenning na Alemanha, o dinero na Espanha, o denari na Itália e o penny na Inglaterra.

Assim, a verdadeira história do dinheiro como cunhagem não é uma história de barganhas e comerciantes: ele emergiu, em vez disso, de uma longa história de política, guerra e conflito. O dinheiro era um agente ativo na construção do Estado e do império, não uma representação passiva do preço no mercado. O controle da oferta monetária era um poder maiúsculo dos governantes: um poder soberano. O dinheiro era criado e gasto em circulação pelos governantes, seja diretamente, como Alexandre, seja pela tributação ou confisco de propriedades privadas de metais preciosos.

O dinheiro inicial tampouco era necessariamente lastreado em metais. Na verdade, o metal precioso era relativamente inútil para a construção de impérios, pois era escasso. Mesmo na era romana, o metal foi usado como lastro, e o novo dinheiro de Carlos Magno eventualmente acabou se tornando sem lastro. Na China, o ouro e a prata não apareciam e o papel-moeda era usado já no século IX.

O que a economia de mercado introduziu foi uma nova forma de dinheiro: o dinheiro como dívida.

 

Dinheiro como dívida

Se você olhar para uma cédula de 20 libras, verá que ela diz: “Prometo pagar ao portador a quantia de vinte libras”. Esta é uma promessa feita originalmente pelo Banco da Inglaterra de trocar cédulas por moeda soberana. A cédula era uma nova forma de dinheiro. Ao contrário do dinheiro soberano, ela não era uma declaração de valor, mas uma promessa de valor. Uma moeda, mesmo feita de metal, era trocável por conta própria: ela não representava nenhuma outra forma superior de dinheiro. Mas quando as cédulas foram inventadas, elas representavam.

A invenção das notas promissórias se deu pelas necessidades do comércio nos séculos XVI e XVII. Notas promissórias eram usadas para reconhecer o recebimento de empréstimos ou investimentos e a obrigação de quitá-los com os frutos de transações futuras. Uma das principais tarefas da profissão bancária então emergente era comparar periodicamente todas essas promessas umas com as outras e ver quem devia o quê a quem. Esse processo de “compensação” significou que uma grande quantidade de compromissos em papel foi reduzida a um número menor de transferências efetivas de dinheiro. A liquidação final se dava por pagamento com dinheiro soberano (moedas) ou outra nota promissória (cédulas bancárias).

Eventualmente, as cédulas tornaram-se tão confiáveis a ponto de serem tratadas como dinheiro pleno. Na Inglaterra, elas tornaram-se equivalentes à cunhagem, particularmente quando estavam unidas sob a bandeira do Banco da Inglaterra. Hoje, se você levasse uma cédula ao Banco da Inglaterra, eles simplesmente trocariam sua nota por outra exatamente igual. As cédulas não são mais promessas, elas são moeda. Não há nenhum outro dinheiro “real” por trás delas.

O que o dinheiro moderno retém é sua associação à dívida. Ao contrário do dinheiro soberano, que era criado e gasto diretamente na circulação, o dinheiro moderno é amplamente emprestado à circulação pelo sistema bancário. Esse processo esconde-se por atrás de outro mito, o de que os bancos agem como um elo entre poupadores e tomadores de empréstimos. Na verdade, os bancos criam dinheiro. E só na última década esse poderoso mito foi finalmente abandonado pelas autoridades bancárias e monetárias.

Autoridades monetárias como o FMI, a Reserva Federal dos EUA e o Banco da Inglaterra agora reconhecem que os bancos estão criando dinheiro novo quando fazem empréstimos. Eles não emprestam o dinheiro de outros titulares de conta àqueles que querem fazer empréstimos.

Os empréstimos bancários consistem em tirar dinheiro do nada. Dinheiro novo é creditado na conta do tomador com o acordo de que o valor será eventualmente repago com juros.

As implicações políticas de moeda pública ser criada do nada e emprestada a tomadores em uma base puramente comercial ainda não têm sido levadas em consideração. Tampouco o ato de basear uma moeda pública em endividamento tem sido visto como oposto ao poder soberano de criar e circular diretamente dinheiro livre de dívidas.

O resultado é que, em vez de usar seu próprio poder soberano sobre a criação de dinheiro, como Alexandre, o Grande, fez, os Estados tornaram-se tomadores de empréstimos do setor privado. Onde há déficits de gastos públicos ou a necessidade de gastos futuros em grande escala, há uma expectativa de que o Estado tome dinheiro emprestado ou aumente a tributação em vez de criar o próprio dinheiro.

 

Dilemas do endividamento

Mas basear a oferta monetária no endividamento é ecologicamente, socialmente e economicamente problemático.

Ecologicamente, existe um problema porque a necessidade de saldar dívidas poderia conduzir a um crescimento potencialmente prejudicial: a criação de moeda com base no pagamento de dívidas com juros deve implicar um crescimento constante da oferta monetária. Se isso for alcançado através do aumento da capacidade produtiva, inevitavelmente haverá pressão sobre os recursos naturais.

Basear a oferta monetária no endividamento também é socialmente discriminatório, porque nem todos os cidadãos estão em condições de assumir dívidas. O padrão da oferta monetária tenderá a favorecer o já rico ou aquele que faz os investimentos especulativos mais arriscados. As últimas décadas, por exemplo, viram uma enorme quantidade de empréstimos serem tomados pelo setor financeiro para ampliar seus investimentos.

O problema econômico é que a oferta monetária depende da capacidade dos diversos elementos da economia (públicos e privados) de assumirem mais dívidas. E assim, à medida que os países se tornaram mais dependentes do dinheiro criado pelos bancos, as bolhas de dívida e os choques de crédito se tornaram mais frequentes.

Isso ocorre porque a economia domiciliar estabelece uma tarefa impossível para o setor privado. Ele tem que criar todo o dinheiro novo por meio de dívidas tomadas junto aos bancos e pagá-las integralmente com juros. Ele tem que financiar completamente o setor público e gerar lucro para os investidores.

Mas quando a oferta de dinheiro privatizada sob a responsabilidade dos bancos fracassa, os poderes de criação de dinheiro do Estado voltam a aparecer claramente. Isso ficou particularmente evidente na crise de 2007-8, quando os bancos centrais criaram dinheiro novo no processo conhecido como flexibilização quantitativa [quantitativa easing]. Os bancos centrais usaram o poder soberano para criar dinheiro livre de dívidas para gastar diretamente na economia (comprando dívida pública existente e outros ativos financeiros, por exemplo).

A questão então se torna: se o Estado representado pelo banco central pode criar dinheiro do nada para salvar os bancos – por que ele não pode criar dinheiro para salvar as pessoas?

 

Dinheiro para o povo

Os mitos sobre o dinheiro nos levaram a considerar os gastos públicos e a tributação de maneira equivocada. A tributação e os gastos, como empréstimos bancários e pagamentos, estão em fluxo constante. A economia doméstica presume que é a tributação (do setor privado) que está levantando o dinheiro para financiar o setor público. Essa tributação tira dinheiro do bolso do contribuinte.

Mas a longa história política do poder soberano sobre o dinheiro indicaria que o dinheiro pode fluir na direção oposta. Da mesma forma que os bancos podem tirar dinheiro do nada para conceder empréstimos, os Estados podem tirar dinheiro do nada para financiar gastos públicos. Os bancos criam dinheiro através da abertura de contas bancárias, os Estados criam dinheiro alocando orçamentos.

Quando os governos formulam seus orçamentos, eles não veem quanto dinheiro têm em um cofrinho de impostos pré-existente. O orçamento aloca compromissos de gastos que podem ou não coincidir com a quantia de dinheiro proveniente da tributação. Por meio de suas contas no tesouro e no banco central, o Estado está constantemente gastando e recebendo dinheiro. Se gasta mais dinheiro do que recebe, ele deixa mais dinheiro nos bolsos das pessoas. Isso cria um déficit orçamentário e o que é efetivamente um cheque especial no banco central.

Isso é um problema? Sim, se o Estado for tratado como qualquer outro titular de conta bancária – o agregado familiar dependente da economia doméstica. Não, se ele for visto como uma fonte independente de dinheiro. Estados não precisam esperar por esmolas do setor comercial. Estados são a autoridade por trás do sistema monetário. O poder exercido pelos bancos para criar a moeda pública a partir do nada é um poder soberano.

Já não é mais necessário cunhar moedas como Alexandre. O dinheiro pode ser criado digitando-se números em um teclado. Não há razão para que isso seja monopolizado pelo setor bancário na forma de dívidas. Considerar os gastos públicos como equivalentes a empréstimos bancários nega ao público, o povo soberano de uma democracia, o direito de acessar seu próprio dinheiro livre de dívidas.

 

Redefinindo o dinheiro

Essa incursão nas narrativas históricas e antropológicas sobre o dinheiro demonstra que as concepções de longa data – de que o dinheiro surgiu de uma economia de mercado anterior baseada no escambo e que originalmente era feito de metal precioso – são contos de fadas. Precisamos reconhecer isso. E precisamos capitalizar sobre a capacidade pública de criar dinheiro.

Mas também é importante reconhecer que o poder soberano de criar dinheiro não é uma solução em si. Tanto a capacidade do Estado quanto a do banco de criar dinheiro têm vantagens e desvantagens. Pode-se abusar de ambas. Os empréstimos imprudentes do setor bancário, por exemplo, levaram ao quase colapso do sistema monetário e financeiro estadunidense e europeu. Por outro lado, nos países que não contam com um setor bancário desenvolvido, a oferta monetária permanece nas mãos do Estado, com enorme espaço para corrupção e má-gestão.

A resposta deve ser submeter ambas as formas de criação de dinheiro – bancária e estatal – ao controle democrático. Longe de ser um instrumento técnico e comercial, o dinheiro pode ser visto como uma construção social e política que possui imenso potencial radical. Nossa capacidade de aproveitar isso resta dificultada se não entendermos o que é o dinheiro e como ele funciona. O dinheiro deve se tornar nosso servo em vez de nosso mestre.

Por Mary Mellor, professora emérita da Northumbria University, Newcastle. Autora do livro recém-lançado Money: Myths, Truths and Alternatives.

 

* tradução de Pedro Davoglio

*original em: https://braveneweurope.com/mary-mellor-neoliberalism-has-tricked-us-into-believing-a-fairytale-about-where-money-comes-from