Lulismo e Bolsonarismo

MOYSÉS PINTO NETO Lulismo e Bolsonarismo populismo
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Uma coisa que percebo causar mal-estar é a comparação entre lulismo e bolsonarismo. Sempre quando se faz, o espectro da “falsa simetria” começa a rondar os comentários.

É claro que existe uma comparação superficial, embora com razoável potencial de adesão política, que consiste na tese liberal-tecnocrata dos “dois extremos”.

Qualquer pessoa minimamente racional sabe que o lulismo nunca tocou o extremo como o bolsonarismo toca: não havia passeatas pela “revolução socialista” e nem pela “ditadura do proletariado” durante a década passada. No máximo, era um tema acadêmico. Nunca houve adesão dos movimentos sociais ao discurso de ruptura, enquanto os bolsonaristas só falam de fechar Congresso, STF e decretar AI-5. Na verdade, o lulismo inclusive esfriou as ruas, enquanto o bolsonarismo permanentemente as esquenta (mesmo com baixa adesão atualmente).

Afastado o espantalho liberal, vamos ao que interessa: há, por múltiplos ângulos, certos elementos comparativos que devem sim ser ponderados.

É óbvio, pra começar, que existe um fundo sociológico inegável aqui: Bolsonaro roubou os “emergentes” do PT. Isso não é discutível em termos interpretativos, é um fato pura e simplesmente. Se não mapearmos as razões entendendo os processos que levaram de um a outro, não vamos entender o que aconteceu. Como não comparar, então?

Poderíamos especular sobre o elemento cultural do consumo para outra ponte entre um e outro: enquanto o lulismo via o consumo como uma afirmação de dignidade, uma inclusão social, o bolsonarismo o assume como uma camiseta capitalista na população, do produtor/empreendedor que quer crescer e vê o Estado como obstáculo. Por isso, mais uma vez, o papel de Guedes e suas falas de coach não tocam somente a elite.

Aliás, no Norte nem a tese dos “dois populismos” é rejeitada. As campanhas de Corbyn, na Inglaterra, e Sanders, nos EUA, foram baseadas na confrontação entre o populismo reacionário (Trump, Johnson) e o populismo progressista. Nancy Fraser e Chantal Mouffe são as principais referências para entender o tema. No Brasil, é meu amigo Victor Marques quem mais entende. (E a gente discorda muito nesse ponto).

Enfim, não vamos deixar que a chantagem memética das redes sociais iniba comparações necessárias. Ninguém está dizendo que lulismo e bolsonarismo são o mesmo. Mas o bolsonarismo foi o primeiro fenômeno de massa posterior ao lulismo. Negar, portanto, a relação é como uma denegação — ou eventualmente censura.

E vejam: escrevi o texto e nem citei o dito de Benjamin que já virou clichezão: por trás da ascensão do fascismo sempre existe uma revolução fracassada… (Ops, agora citei).

Por Moysés Pinto Neto, Doutor em Filosofia pela PUC-RS, professor na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e editor do Canal Transe no YouTube: https://www.youtube.com/transe/.