Os animais invadiram o Rio: a história do jogo do bicho e a cultura popular

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Por Leonardo Castro – O jogo do bicho é a melhor forma de explicar o Brasil para um estrangeiro. Nasceu dentro de um zoológico construído para fazer do Rio de Janeiro uma Paris, se espalhou porque não se faz Europa com pau-brasil, foi reprimido porque é assim que tratamos nosso povo, acabou aceito porque ninguém liga muito para nossas leis, se organizou porque até nossa ilegalidade tem regra e ainda por cima deu para desaguar no futebol e no Carnaval, maiores expressões da cultura popular brasileira.

O Brasil do fim do século XIX e início do século XX é um país interessantíssimo. Acabara de deixar de ser Colônia e buscava uma identidade nacional. Como ninguém havia lido Paulo Freire (pudera!), o ideal a ser conquistado era o dos nossos algozes. Uma sociedade bem-sucedida é uma sociedade europeia.

O que tinha lá, haveria de ter aqui. Cultura, esportes, tigre e urso. Um zoológico cairia bem neste contexto, não acham?

E assim o Barão de Drummond consegue autorização para construção do prometido monumental Zoológico do Rio de Janeiro.

No início, o sucesso é certo. Mas depois de algum tempo as galinhas não davam mais ovos de ouro. As despesas aumentaram, as taxas subiram, e o Barão viu o seu empreendimento caminhando para o abate.

Eis que motivado pelos cassinos que vinham ganhando o país, decide lançar uma loteria. Ao invés de números, bichos. Ao entrar no zoológico você ganharia um bilhete desenhado; e se o desenho coincidisse com aquele escondido na urna, bingo! O prêmio era seu.

O tempo passou e os bichos tomaram o imaginário popular. A aleatoriedade na entrega do bilhete não era mais regra; se eu sonhasse com um rei é porque dentro da urna havia um leão. Sonhei com anjo? O presságio indica a borboleta.

A graça foi roubada pela loteria e o Zoológico ficou em segundo plano. Dava para comprar bilhete do outro lado da cidade sem a mínima pretensão de visitá-lo. A partir daí já viu, né? Os bichos invadiram a cidade maravilhosa.

Quando a polícia percebeu, era tarde. Tinha pavão na Praça Onze e jacaré em Copacabana. Mais do que a cidade infestada de bichos, o Estado tinha um problema maior: o povo. Se nos jockeys só rico apostava, no bicho os pobres podiam escolher o cavalo.

E então o inocente jogo vira uma contravenção a ser combatida. Lógico, ele desvirtuava nosso trabalhador modelo e o levava à vagabundagem (leia-se: abrasileirava o brasileiro).

Mas, no fundo, bem no fundo, o delegado que prendia também fazia sua fezinha no gato. Lógico, mais vale um gato na mão do que dois na cela.

Depois que os bicheiros fizeram seu império, desaguaram suas finanças em futebol e Carnaval. Quem disse que no jogo não tem Castor? E assim arrebatam, além do bolso, o coração dos cariocas.

A confiança é o seguro da parada. Não há recibo oficial, nem garantia alguma senão a da palavra. E olha: palavra de bicheiro vale mais que a Constituição. Vale o que está escrito. Ganhou, leva. Quem quis ganhar no grito, não prestou (salve os malandros maneiros!).

Veja a contradição: o jogo proibido é totalmente pautado na honestidade. Isso é tão maravilhoso que não faz sentido em nenhuma outra língua que não a tupiniquim.

É por isso que digo com tranquilidade: não há nada mais brasileiro que o bicho.

(Obs. – e essa vai de graça – amanhã dá macaco. Me cobrem!)

Por: Leonardo Castro.
Advogado formado pelo Mackenzie (SP) e pós graduando em Direito Processual Civil pela PUC (SP). Poeta nas horas vagas, publicou pela Amazon o e-book “A eternidade dura até o próximo ponto” (2020). Brasileiro e brasileirista.