O livro “A Imagem de um Presidente” de Iberê de Mattos

O livro A Imagem de um Presidente de Ibere de Mattos
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“A Imagem de um Presidente”, de Iberê de Mattos, publicado em 1973 pela Record e impresso em Curitiba na Papelaria Requião (vejam só), é um livro bastante interessante e recomendável a quem se interessa pela história brasileira.

Apesar da capa e do título, o livro quase não aborda a vida do presidente Médici, mas faz um relato da ideia de Brasil e da história brasileiro, sobretudo republicana, a partir do ponto de vista do autor.

Mattos diz ser amigo de Médici desde os tempos em que ambos frequentaram a Escola Militar de Realengo, e, em várias partes, ele também fala pelo ex-presidente a partir da 1ª pessoa do plural e, também, incluindo-o em uma tal “maioria silenciosa” castrense da qual, segundo o autor, ele e Médici teriam feito parte. Terminei a leitura do livro sem saber ao certo se o livro é uma exposição terceirizada das ideias de Médici, talvez por encomenda do próprio, ou se a capa, o título e a amizade relatada foram apenas para homenagear o antigo amigo, então presidente, e facilitar a divulgação da obra.

De qualquer modo, considerando que a obra foi publicada em uma época de forte censura e centralização do poder, é improvável que as ideias nela contidas discrepem muito do que pensava Médici. Isso torna a obra ainda mais instigante, pois Médici é uma das figuras mais obscurecidas da história do Brasil. Muito pouco sabemos sobre a vida, a formação, os valores e os princípios que nortearam o homem cujo governo foi um dos mais complexos e controversos que já tivemos.

Em linhas gerais, as ideias do livro são inclassificáveis segundo categorias estanques de direita e de esquerda. O pano de fundo é uma visão tipicamente modernista de brasilidade, do Brasil como “universidade de humanismo”, como pátria mestiça, sincrética, vitalista e de brandos costumes.

O autor elogia expressamente o “socialismo”, citando a Suécia como exemplo, e condena rispidamente o “comunismo”, ou seja, o que a esquerda costumava chamar de “socialismo real”. Enaltece o antigo PTB mas deplora que tenha se deixado infiltrar por “comunistas”. Valoriza sem ressalvas o nacionalismo econômico e a legislação trabalhista de Vargas, mas critica as manobras políticas dele e chama o Estado Novo de “excrescência”. Exalta JK e seu legado desenvolvimentista. Simpatiza com Jango e cita como referências Alberto Pasqualini e Santiago Dantas, dois grandes ideólogos trabalhistas, mas ataca Brizola furiosamente. Não usa, porém, termos menos ácidos para se referir a Lacerda e Adhemar de Barros, e chega a dizer que temeu que eles fossem os principais beneficiários da “revolução” de 64.

Sobre 64, enfatiza bastante as palavras de Castelo Branco de que “o remédio para os malefícios da extrema esquerda não será o nascimento de uma direita reacionária, mas o das reformas que se fizerem necessárias”. Chega a dizer que o regime autoritário instituído então tinha por objetivo praticar uma “adaptação, por etapas, à tendência socializante do mundo”, referindo-se à voga keynesiana no Atlântico Norte, que, de fato, foi aqui adaptada e incorporada sob a forma de “desenvolvimentismo”.

No plano histórico, faz o elogio do Abolicionismo e seus líderes, como Joaquim Nabuco e José do Patrocínio. Toma o partido do federalista Gaspar Silveira Martins contra Floriano Peixoto e Júlio de Castilhos. Enaltece a Coluna Prestes e diz que ele e Médici se entusiasmaram com ela e se formaram politicamente pelo seu exemplo. Também enaltece a Revolução de 1930, da qual ele e Médici participaram como tenentes, mas diz compreender o movimento paulista de 1932, apesar de ambos terem atuado para derrotá-la. Ataca igualmente o comunismo e o integralismo e diz que ele e Médici se mantiveram afastados deles. Ao final do livro, faz uma homenagem exclusiva e curiosa a José Bonifácio de Andrada e Silva, dizendo que ele “foi o primeiro estadista brasileiro a adotar essa técnica habilidosa, que denominamos de jeitinho e que, tantas vezes, transformou expectativas de tragédia em alvoradas de paz, com a transigência acomodatícia a substituir os radicalismos exaltados”.

Basicamente, a preferência política do autor, que ele projeta em Médici, pode ser traduzida como “reformas sociais sem agitação política”, no quadro de um “autoritarismo instrumental” que prepararia o Brasil para a moderna democracia ao criar as condições econômicas e sociais que então faltavam. Postura típica do conservadorismo brasileiro de meados do século XX, que teve sua principal expressão teórica em Oliveira Vianna.

Tradição essa que se perdeu assim que a geração de Iberê de Mattos e Médici, formada nas décadas de 1920 e 1930, deu lugar a outras gerações com mentalidades diversas, e que interpretaram à sua própria maneira a ação dos seus antecessores, em contextos e circunstâncias que eles ajudaram a criar mas cujas configurações não puderam prever e controlar absolutamente. O livro hoje serve de depoimento histórico de um ideário político que não mais existe, mas que merece ser estudado e conhecido para que possamos compreender melhor a formação e a realidade do Brasil.