As falsas ilusões da austeridade lulista

As falsas ilusoes da austeridade lulista
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Existe uma narrativa meio difundida aí de que o governo Lula vai “economizar” agora nos dois primeiros anos para depois investir nos dois últimos, o que melhoraria a situação para um sucessor do Lula. Essa narrativa é uma forma de enxergar na política econômica atual uma repetição do que aconteceu em 2003, primeiro ano do primeiro mandato do Lula. Nessa interpretação, Lula economizou na metade do primeiro mandato e depois “tinha dinheiro” para bancar uma política mais ativa de investimentos. Essa leitura está errada. Por quê?

A ideia por trás disso é a de que o governo aperta agora para gastar depois. Uma tática que supostamente foi feita na época em que Palocci comandava a economia, quando Lula assume em 2003. Só que ela desconsidera uma coisa fundamental: o cenário internacional é completamente diferente. No primeiro ano do primeiro mandato, lá em 2003, Lula assume querendo ganhar a confiança do mercado de cara. Para isso, já chega bancando um forte ajuste fiscal, acima do que era previsto, para passar a impressão de que era austero e responsável fiscalmente. Esse ajuste era recessivo, mas, como o cenário externo começa a ficar bom para o Brasil, a recessão não acontece. Mesmo assim, a economia cresce apenas 0,5% em 2003, um resultado bem fraco.

A melhora no cenário internacional fez os produtos primários brasileiros valorizarem muito, com destaque para a valorização absurda do minério de ferro, impulsionada pelo forte crescimento chinês. Isso fazia uma pressão contrária ao ajuste recessivo bancado por Lula e Palocci. O que isso significou? Um ajuste fiscal que, em tese, era recessivo foi contrabalanceado com o aumento nas exportações, aumentando a arrecadação a partir dessas exportações, garantindo que a economia não entrasse em recessão enquanto cumpria a meta ambiciosa de ajuste fiscal. Foi o mundo dos sonhos para Lula. Ao mesmo tempo em que agradava o mercado e garantia a confiança fazendo superávits constantes (o que não tinha relação com a política de ajustes), Lula conseguiu reverter parte disso para investimentos importantes. O resultado? Crescimento econômico robusto a partir do segundo mandato.

O segundo mandato de Lula experimentou um crescimento econômico acima da média em relação ao período pós-ditadura. Isso se deu pelo aumento considerável do investimento público no período, com programas de investimentos como o PAC puxando a demanda econômica e melhorando o cenário econômico brasileiro. Ao mesmo tempo, o cenário internacional continua muito bom e a economia brasileira continua fazendo superávits extraordinários, passando a imagem de que o governo conseguia casar a responsabilidade fiscal com desenvolvimento econômico, o que foi uma grande ilusão.

Essa ilusão já tinha sido desmontada em 2015, quando Dilma resolve seguir a “receita Palocci”, ajustando as contas no início do segundo mandato. Com o cenário internacional completamente diferente, Dilma não resolve a questão, a economia afunda e o resto do filme nós já conhecemos. Agora, o cenário internacional continua complicado e tem gente que não está se atentando quanto a isso. Inclusive, o cenário em relação à política fiscal é diferente em relação aos primeiros anos de Lula 1. O governo vai gastar mais nos dois primeiros anos por conta da PEC da Transição e do primeiro ano do Arcabouço Fiscal enquanto vai apertar nos dois últimos anos de mandato. Isso em um cenário normal.

Dessa vez não existe cenário internacional dos sonhos. Nossa economia está em frangalhos, o desemprego em alta e o cenário não é otimista. O governo até agora não anunciou nenhuma agenda positiva de investimentos para reverter esse quadro. Aposta tudo no arcabouço e é justamente aí que mora o problema. Lá atrás, quando o cenário internacional estava bom, essa política do ganha-ganha era possível. Agora, ela não é mais. Estão apostando em uma política de austeridade e equilíbrio das contas públicas achando que o aumento na arrecadação vai nos salvar. Lá atrás, a arrecadação aumentou pelo cenário internacional, e agora? Agora esse cenário não existe mais. O governo só consegue bancar um aumento nos investimentos se avançar sobre os que não pagam impostos no Brasil, mas como esperar isso de quem está rendido dizendo que a “correlação de forças” não permite ir além?

A linha que o governo segue agora é a de ganhara confiança do mercado achando que isso vai atrair investimentos automaticamente. Basicamente, é a mesma linha do Meirelles e do Paulo Guedes de ganhar a “confiança” do investidor. O que governo espera disso? Resultados diferentes achando que vai gerir melhor a máquina? A falta de concepção, a falta de projeto vai cobrar seu preço. O governo acha que vai gerir melhor o modelo, mas ainda não entendeu (ou não quis entender) o fato de que pode estar em cima de uma bomba relógio prestes a explodir.

O governo está propondo mais do mesmo que não funcionou anteriormente achando que agora vai funcionar. Caso o governo consiga aumentar a arrecadação a níveis extraordinários, vai ter espaço de folga nessa colcha de retalhos fiscal para reverter isso em investimentos, mas de onde vai sair essa arrecadação? Caso ela não venha, o governo vai bancar um ajuste fiscal em cima do consumo, o que, na prática, vai retirar demanda da economia, a arrecadação vai cair, vai ajustar mais ainda achando que resolve o problema e afundamos de vez. Esse filme nós já vimos. Me questiono se insistir nas mesmas soluções que não funcionam é algo inteligente.

“Deus tenha misericórdia dessa nação”