Eva Perón vive!

Eva Perón
Eva Perón
Botão Siga o Disparada no Google News

Há exatos 102 anos, no dia 7 de maio de 1919, nascia no povoado de Los Toldos, na Província de Buenos Aires, María Eva Duarte de Perón.

Filha da costureira Juana Ibarguren, perdeu o pai – o estancieiro Juan Duarte, dirigente do Partido Conservador na cidade de Chivilcoy – ainda cedo, em 1926, devido a um acidente de trânsito. Originada de um relacionamento extraconjugal, o que acarretava diversos problemas jurídicos na lei argentina, não teve direito à herança proveniente do falecido pai, e viveu, junto dos irmãos, uma infância de privações, junto de sua mãe, Juana.

Aos 15 anos de idade, se mudou para a capital argentina, Buenos Aires, buscando condições melhores de vida, além da concretização do seu grande sonho: o de se tornar atriz. Apesar das dificuldades, logrou sucesso com sua vocação e na década de 1940 já era importante figura no âmbito do cinema e das radionovelas.

Filiação de Eva Perón à Associação Argentina de Atores, em 1939.
Filiação de Eva Perón à Associação Argentina de Atores, em 1939.

No ano de 1944, um brutal terremoto resultou na morte de 7.000 pessoas na cidade de San Juan, no interior argentino, além da derrubada de cerca de 90% de seus edifícios. Frente à catástrofe, que comoveu o conjunto da sociedade nacional, o então Ministro do Trabalho e da Previdência Social, o coronel Juan Domingo Perón, iniciou vigorosa campanha de solidariedade e arrecadação de fundos para as vítimas da catástrofe.

Convidada por Perón para participar na campanha, Eva apareceu, na noite de 22 de janeiro de 1944, junto do Ministro na primeira fileira do Luna Park, no principal evento organizado pelo governo em prol das vítimas. Paralelamente, crescia a influência política de Perón – que chegou a acumular os cargos de Ministro da Defesa, Ministro do Trabalho e da Previdência Social e Vice-Presidente – no governo, e sobre o conjunto dos setores populares argentinos, com suas vigorosas políticas em defesa da justiça social.

No dia 17 de outubro de 1945, dezenas de milhares de argentinos protagonizaram o inesquecível evento que derrotou o intento de prisão e derrubada de Perón, e pavimentou sua eleição presidencial para o ano de 1946. Menos de uma semana depois, no dia 22 de outubro de 1945, Perón e Eva se casaram. Com a vitória eleitoral do ano seguinte, ela se tornaria uma primeira-dama que, rompendo com as tradições oligárquicas do país, representava não apenas um apêndice das negociatas das elites, mas um braço da representação popular em pleno governo nacional.

Os trabalhadores argentinos foram às ruas defender Perón, no inesquecível 17 de outubro de 1945.
Os trabalhadores argentinos foram às ruas defender Perón, no inesquecível 17 de outubro de 1945.

Consequentemente, Eva viria a cumprir um papel fundamental na construção dos governos peronistas e das próprias doutrinas justicialistas. Em 1947, realizou sequencial visita a uma série de países europeus, visando garantir acordos de cooperação econômica em prol dos interesses argentinos. O êxito da missão amplificou a imagem de Eva não apenas no exterior – chamando atenções em suas passagens pela França, Suíça, Espanha, Itália, Vaticano -, como na própria Argentina, onde foi recebida de volta nos braços do povo.

Logo, passou a desempenhar papel protagonista também nas políticas de bem-estar social desenvolvidas pelo governo popular e nacionalista de Perón. Após desarticular a Sociedade de Beneficência – reduto a partir dos quais as madames da oligarquia argentina instrumentalizavam dinheiro público para seus redutos eleitorais -, criou a Fundação Eva Perón, voltada para a construção de políticas públicas em prol dos argentinos mais necessitados, especialmente aqueles esquecidos, até então, pelos braços do Estado, tais como idosos, crianças e mães desassistidas.

Nesse sentido, a Fundação Eva Perón investiu pesadamente na construção de moradias populares, centros policlínicos e espaços de moradia temporária para famílias desassistidas; na realização de eventos esportivos, e na distribuição de brinquedos e bolsas de trabalho; e até mesmo na distribuição de máquinas de costura para mulheres desempregadas que, desesperadas, buscavam a Fundação em busca de um trabalho.

Eva Perón foi fundamental para a sustentação e defesa dos ideais de soberania política, independência econômica e justiça social, norteadores da ideologia peronista.
Eva Perón foi fundamental para a sustentação e defesa dos ideais de soberania política, independência econômica e justiça social, norteadores da ideologia peronista.

Além do mais, liderou a retomada massiva das campanhas em prol da legalização do voto feminino, que, apesar de precedentes importantes – como a legalização do voto San Juan em 1927 e a proposição de um projeto de lei similar em 1932 -, carecia ainda de maior impulso governamental e popular para seu pleno avanço. Assim, em 1947 a Câmara dos Deputados aprovou o pedido protocolado por Eva, enfim legalizando o direito feminino ao voto na Argentina.

Nessa hercúlea tarefa, Evita, que naturalmente já contava com a simpatia dos populares, estreitou ainda mais os seus laços com os setores mais combativos e populares do peronismo, especialmente com o sindicalismo, através da Central Geral dos Trabalhadores (CGT). Em 1948, tal aproximação seria coroada com um marcante gesto de Eva, ao doar um edifício para sediar a CGT na rua Azopardo, em frente ao edifício da Fundação Eva Perón. Muito mais do que a primeira-dama, Eva se transformava, gradualmente, num dos elos fundamentais que unia a figura de Perón aos trabalhadores humildes, os quais intitulava como os “descamisados”.

O histórico edifício-sede da CGT, na Rua Azopardo, nº 802.
O histórico edifício-sede da CGT, na Rua Azopardo, nº 802.

Com o advento da aprovação de uma nova Constituição em 1949, a reeleição presidencial foi legalizada, e se aceleraram os preparativos para o lançamento de nova candidatura de Perón para 1951. Assim, cresciam acentuadamente os braços propagandísticos do movimento peronista, que glorificavam incessantemente as imagens de Perón e Evita em atos públicos, meios de comunicação e até em livros escolares.

Visando espraiar sua influência política, Eva organizou, em 1950, a primeira Unidade Básica do Partido Peronista Feminino, que passaria a dirigir desde então, como parte do conjunto das articulações do movimento peronista. Para além dos objetivos de organização territorial partidária, as Unidades Básicas intermediavam as relações entre a Fundação Eva Perón e as mulheres pobres, fornecendo serviços de assessoria jurídica e médica, cursos profissionalizantes de culinária, costura e enfermagem, além do essencial serviço de creche pública para os filhos das mulheres trabalhadoras.

Tamanha a popularidade alcançada por Evita nos setores populares, seu nome ganhou força para compor a chapa com Perón como vice-presidente, o que resultaria na brilhante fórmula presidencial “Perón-Perón”. Mas nem tudo eram flores: em meio às cotidianas campanhas políticas, Eva passou a sofrer com uma série de inesperados desmaios. Após descobrir, inicialmente, um quadro clínico de apendicite aguda, teve diagnosticado pelo seu médico pessoal o pior: padecia de câncer no útero.

E mesmo com tais problemas de saúde, a firmeza ideológica e disciplina política de Eva a mantiveram nos preparativos para a candidatura. No entanto, não era apenas sua saúde que impunha obstáculos à chapa Perón-Perón: acossados pelas oligarquias argentinas, setores militares conservadores, que detinham grande influência sobre Perón, passaram a exigir o não-lançamento de Eva à vice, ameaçando a própria estabilidade de seu eventual novo governo.

No dia 22 de agosto de 1951, a Avenida 9 de julho, de Buenos Aires, ficou completamente lotada, no evento organizado pela CGT e batizado como Cabildo Abierto, no qual pretendia oficializar o lançamento da chapa Perón-Perón. O dia e a noite foram passando, sem o esperado anúncio da chapa ser realizado. Ao final, Evita apenas enunciou breves palavras alegando priorizar a eleição de Perón como presidente, em detrimento de qualquer demanda política de cunho pessoal.

O Cabildo Abierto da CGT, do dia 22 de agosto de 1951, que visava consagrar a “fórmula de la patria”, Perón-Perón.
O Cabildo Abierto da CGT, do dia 22 de agosto de 1951, que visava consagrar a “fórmula de la patria”, Perón-Perón.

Tempos depois, Eva anunciou em cadeia nacional de rádio e televisão a sua retirada da possibilidade de concorrer como vice na corrida presidencial, ainda que mantendo o vigoroso apoio à candidatura de Perón. No dia 11 de novembro de 1951, a chapa Perón-Quijano seria vencedora com 62% dos votos. Já no dia 4 de junho de 1952, Eva compareceu à posse, já clinicamente debilitada. E no dia 26 de julho, após semanas marcadas por grande expectativa no país – com os pobres rezando pela vida de Evita, e as oligarquias preparando o brinde de comemoração do seu adeus -, foi enfim anunciado seu falecimento.

No seu velório, compareceram centenas de milhares de argentinos, num dos eventos de maior comoção da história do país.

As aglomerações populares em frente ao Congresso argentino, na data do monumental velório de Evita.
As aglomerações populares em frente ao Congresso argentino, na data do monumental velório de Evita.

Falecida com apenas 33 anos, e meros 6 anos de inserção na vida político-partidária, Evita entrou para a eternidade, tornando-se uma líder espiritual da nação, e símbolo-máximo da luta social e da voz dos “descamisados” e de suas aspirações.

Muito mais do que uma liderança comprometida com as lutas setoriais de segmentos femininos, Evita simbolizou o alinhamento da luta das mulheres argentinas com os desígnios mais amplos das lutas nacionais e populares em curso no país. O ódio que contraía das oligarquias era proporcional ao amor que nutria junto das massas de trabalhadores humildes, e o veto dos conservadores golpistas à sua presença na chapa presidencial de 1951 não se deu por ser ela uma mulher, como alguns querem fazer acreditar, mas por representar os mais nítidos anseios de justiça social então existentes no conjunto da Argentina. Prova disso é que, anos mais tarde, entre 1974-1976, esses mesmos setores oligárquicos respaldariam, sem qualquer objeção, o governo entreguista e conservador da viúva de Perón, Isabelita.

Evita vive, e permanecerá viva, nas mentes e corações não só do povo argentino, mas de todos aqueles que lutam cotidianamente pelo triunfo das bandeiras de soberania política, independência econômica e justiça social, a síntese dos ideais que ela carregou por toda sua vida.