Marcelo Gullo e a Insubordinação Fundadora

Marcelo Gullo
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Reprodução da entrevista concedida pelo Prof. Dr. Marcelo Gullo, pesquisador do INEST/UFF, ao CEM, realizada por Léia Carvalho.​

Em seus livros “La Insubordinación Fundante” (A Insubordinação Fundadora, no Brasil) y “Insubordinación y Desarrollo”, afirma que é a insubordinação que causa o desenvolvimento e o êxito das nações. Um país só pode se desenvolver através da insubordinação?

Sim. Um país só pode se desenvolver e construir seu poder nacional a partir de um processo de Insubordinação Fundadora. Todos os países que atualmente são países desenvolvidos, que foram bem-sucedidos em sair de uma situação periférica para se transformar em países centrais, realizaram um processo de Insubordinação Fundadora.

Então, a pergunta é: Como explicar isto? O que é um processo de Insubordinação Fundadora? E para isto, temos que fazer uma análise histórica.

A partir de 1750, quando a Inglaterra alcança sua plena industrialização, ela começa a pregar ao mundo um caminho contrario do que ela havia feito para se industrializar, para se desenvolver, para construir seu poder nacional. Existe uma gigantesca falsificação da história de como a Inglaterra construiu seu poder nacional. Ela construiu seu poder nacional e sua industrialização a partir da Rainha Elizabeth I, a partir de um gigantesco impulso estatal, de um gigantesco protecionismo econômico. E quando alcançou a industrialização do país, foi o primeiro poder autoconsciente. Então, a Inglaterra perguntou a si mesma: “Como faço para que os outros países não cheguem ao grau de poder que eu alcancei?”.

Com isso, a Inglaterra vai inventar uma ideologia dizendo que o caminho do êxito era totalmente o contrário do que ela havia feito para se desenvolver. A Inglaterra dá a luz, então, ao Liberalismo econômico, à Divisão Internacional do Trabalho como teoria, a partir do livro de Adam Smith “A Riqueza das Nações”, para dizer aos outros que o caminho do êxito é o contrário do que ela havia realizado. A partir deste momento, a Inglaterra realiza a subordinação ideológica cultural das elites e do resto do mundo; e vai utilizar a subordinação ideológica como a primeira ferramenta e estratégia de dominação, sem usar a força, convencendo através do pensamento.

É certo que a Inglaterra usou como principal estratégia de dominação a subordinação ideológica para que os outros não chegassem ao estado de desenvolvimento que ela havia alcançado, também é certo então, que todo processo emancipatorio e de desenvolvimento bem-sucedido só pode resultar de uma insubordinação ideológica mais um adequado impulso estatal. Ou seja, todo processo emancipatorio, de construção de poder nacional, de desenvolvimento bem-sucedido, só pode ser resultado de uma Insubordinação Fundadora. E o primeiro exemplo que temos de que isto é certo, é justamente a revolução estadunidense, encabeçada por George Washington, que realiza a primeira Insubordinação Fundadora que rejeita o livre mercado estabelecido pela Grã-Bretanha e a partir do governo de Washington, com seu grande secretário do tesouro Alexander Hamilton, realiza uma política protecionista e vai argumentar e criar o argumento da indústria nascente, para se opor e se insubordinar ideologicamente contra a teoria da Divisão Internacional do Trabalho, que a Inglaterra exportava como doutrina de dominação.

Hoje, a Inglaterra não é mais o principal dominante. Temos um dominante mais conhecido atualmente – Estados Unidos. Acredita que existe alguma possibilidade de que, no futuro, a dominação dos EUA acabe?

Uma coisa foi o que a Inglaterra fez para se industrializar e obter progresso e outra coisa o que pregava. Quando os EUA, depois de cem anos de protecionismo econômico, de defesa de sua economia e aplicação de um nacionalismo econômico, se converteu, depois da Segunda Guerra Mundial, na primeira grande potência industrial, tomou o posto da Inglaterra e começou a fazer o mesmo: pregar o livre mercado e a não-intervenção do Estado na economia.

Efetivamente, foi com Adam Smith que se iniciou a grande falsificação da história econômica mundial e a construção do capitalismo; pois Adam Smith falsificou a história da Grã-Bretanha, omitiu dados ou não deu importância a determinados dados, se tornando o pai da subordinação ideológica. Não é importante, nem é possível saber ao certo se Smith trabalhou conscientemente para que fosse assim, ou se somente trabalhou como um intelectual em busca da solução dos problemas econômicos de ordem internacional.

O importante é que, de fato, com os livros de Adam Smith, a Inglaterra conquistou mais mercados, mais nações, mais semi-colônias (países que conservando o aspecto de soberania se convertem em colônia britânicas reais) do que com todos os seus canhões.

Estados Unidos foi a pátria do nacionalismo econômico. EUA foi, com a revolução independentista encabeçada por George Washington e com a aplicação do plano econômico elaborado por Alexander Hamilton, o primeiro país a se insubordinar contra a ideologia de dominação que os ingleses pregavam ao mundo. Esta insubordinação estadunidense que se constituiu na primeira Insubordinação Fundadora, começava por Washington, foi continuada pelos outros presidentes e garantiu definitivamente o triunfo do norte industrializado sobre o sul agrícola, pró-britânico e pró-livre mercado. Após a Guerra Civil, Lincoln fortaleceu o nacionalismo econômico estadunidense e impôs as medidas protecionistas mais fortes que conhecemos em toda a história da humanidade. Quando os EUA – depois de muitíssimos anos de aplicação de um protecionismo econômico gigantesco – se tornou a primeira potência mundial e o país mais industrializado do mundo, adotou o livre mercado depois da Segunda Guerra Mundial, isso foi favorável ao país até ao final do século XX. No final do século XX se produz um fenômeno novo na história estadunidense – um fenômeno que, na realidade, havia começado a se produzir em meados da década de 70, ou começo, ou final da década de 80 – em torno de 1980, a alta burguesia industrial estadunidense começa a transferir sua produção industrial para a Ásia (primeiro para Taiwan, e depois para a China). E por que mudaram sua produção para a Ásia? Porque na Ásia vão obter a mais-valia, isto é, o ganho de capital mais gigantesco que nenhuma burguesia jamais obteve na história. Então, a indústria estadunidense se transfere para a Ásia, a produzir inclusive para o próprio EUA. Isto foi permitido pelo Pentágono, porque explicou-se ao pentágono que poderiam passar a possuir tecnologia de ponta, o que era uma semi-verdade. Porém, com o passar o tempo, a partir de 2008, essa mudança da indústria estadunidense para a Ásia provocou a desindustrialização dos EUA e um desemprego estrutural impossível de ser absorvido pelos serviços – fazendo com que o país entrasse em uma crise gigantesca. Por isso podemos dizer que hoje o livre mercado não favorece mais ao povo dos EUA, favorece, sim, as grandes multinacionais. Podemos dizer metaforicamente que os EUA se transformaram no “caçador caçado”. Eles que usufruíram do livre mercado depois da Segunda Guerra, agora vêem o livre mercado se jogando contra o poder nacional dos EUA. Claramente, a elite financeira, a elite industrial de alta tecnologia e a burguesia, que migraram sua produção à Ásia, estão contentes, pois foram e continuam sendo beneficiados por essa migração; e claro que a crise não lhes afeta.

Mas o país hoje está sofrendo uma crise enorme e a vitória de Donald Trump é a expressão dessa crise, que só se explica porque as grandes massas de trabalhadores da indústria estadunidense que hoje estão sem emprego, decidiram votar neste homem que vem da não-política e que prometeu a reindustrialização dos Estados Unidos.

Fale mais sobre o processo de falsificação da história e suas conseqüências.

Uma falsificação da história econômica mundial é levada a cabo nos principais centros acadêmicos de excelência dos EUA e Europa, quando se oculta a forma real que a Alemanha, Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul passaram de países primários exportadores a países industrializados. A falsificação da história oculta com a Inglaterra de industrializou, que foi o berço do protecionismo econômico. Se oculta que o EUA foi o país mais nacionalista econômico por excelência, que ele foi o berço do nacionalismo econômico. Se oculta que Alemanha teve um gigantesco protecionismo econômico. Se oculta que todas as indústrias do Japão foram criadas pelo Estado.

Essa gigantesca falsificação da história serve fundamentalmente à oligarquia financeira internacional, que esteve aliada a Inglaterra, promovendo o livre mercado. Quando a Inglaterra começou a decair em 1911, esta oligarquia começou a buscar uma aliança com os EUA, conseguiu isto com o presidente Woodrow Wilson, que entregou o controle da moeda ela, criando a Reserva Federal.

Agora, esta oligarquia financeira internacional que foi aliada à Inglaterra, e que foi aliada aos EUA, está agora buscando aliança com o poder chinês. Esta oligarquia é que impulsiona, através de seu enorme domínio nos meios de comunicação e de seu emaranhando de centros acadêmicos, a subordinação ideológica do mundo por meio do Liberalismo econômico. O Liberalismo econômico serve apenas ao interesses da oligarquia financeira internacional, provocando a miséria dos povos, incluindo em algumas ocasiões aqueles que, no momento que estava aliada aos EUA, haviam alcançado um bem-estar de desenvolvimento.

Sobre Trump, qual sua análise sobre seu governo até agora? O que esperar de seu mandato?

A vitória de Trump foi uma derrota gigantesca da oligarquia financeira internacional e um triunfo do povo estadunidense, um triunfo da América Profunda, um triunfo das forças nacionais. No entanto, a partir das primeiras semanas de seu governo, esta enorme vitória das forças nacionais nos Estados Unidos começou a se diluir, e não está claro hoje em dia a direção do governo de Trump – que parece titubear, que parece oscilar entre responder ao mandato do povo profundo estadunidense (a reindustrialização dos EUA, o abandono da política imperialista) e ceder às pressões as quais se vê submetido por parte da oligarquia estadunidense para que continue a política imperialista no mundo e a política do livre mercado. Donald Trump está hoje indeciso.

É importante compreender que além dos poderes nacionais dos Estados-nação importantes como Estados Unidos, Rússia, China, Índia, existem no mundo os poderes transnacionais. Dentre esses poderes transnacionais podemos citar o poder da oligarquia financeira internacional e o poder da petroligarquia saudita, que constituem hoje os dois grandes poderes transnacionais do mundo que mantém presos os Estados-nação para que cumpram seus interesses. Esse é o caso dos EUA, que há muito tempo está preso ao poder da oligarquia financeira internacional. Podemos afirmar sem medo de exagerar que o EUA em grande media está prisioneiro deste poder. Trump chegou para libertar o país desse domínio. Mas agora que está na Casa Branca, só mostrou um certo desconserto, que não sabemos se é porque as forças que ele se opõe são extremamente poderosas e ele não consegue se impor sobre elas ou se ele cedeu, decidindo se submeter a elas. Esta é a grande dúvida que temos.

O senhor falou sobre a petroligarquia saudita e seu domínio no mundo. No entanto, o EUA depende do petróleo saudita, porém não está subordinado a Arábia Saudita, como afirma no seu livro, mas Arábia Saudita é que está subordinada aos EUA, mesmo tendo poder (petróleo). Como Arábia Saudita é subordinada dos EUA ao mesmo tempo em que a petroligarquia saudita é dominante no mundo, incluindo o EUA?

Existe uma petroligarquia islâmica que foi se constituindo paulatinamente a partir da década de 70 – é um ator fundamental das Relações Internacionais. Hoje essa petroligarquia islâmica é uma das grandes forças transnacionais que modela a política internacional. A Arábia Saudita é o coração dessa petroligarquia islâmica, cujo pode é enorme dado o controle que exerce sobre inumeráveis companhias industriais e financeiras. O poder econômico dessa petroligarquia islâmica pode por de joelhos muitos países do mundo. No entanto, seu calcanhar de Aquiles é que depende para sua sobrevivência física da proteção militar dos EUA – que é quem garante a segurança da Arábia Saudita.

Voltando a falar sobre a insubordinação: Pensa que a Insubordinação Fundadora é de fundamental importância para o mundo multipolar?

Todos os processos emancipatórios bem-sucedidos no mundo, todos os países que alcançaram o desenvolvimento, fizeram até agora um processo de Insubordinação Fundadora. Tal é o caso dos EUA, que foi a primeira Insubordinação Fundadora. Tal é o caso da Alemanha, que é a segunda Insubordinação Fundadora. Tal é o caso do Japão, que realizou uma Insubordinação Fundadora silenciosa. Tal é o caso do Canadá, que realizou uma Insubordinação Fundadora pacífica. Pois bem, neste século XXI, um processo de Insubordinação Fundadora não pode ser como no século passado – somente nacional; deve ser um processo continental, ou seja, não há mais possibilidade, nem sequer para o Brasil – que é o país mais importante da América do Sul –, de realizar uma Insubordinação Fundadora sozinho. Nossa Insubordinação Fundadora deverá ser neste caso agora sul-americana. E só então através da uma Insubordinação Fundadora sul-americana que nossos países terão sucesso em construir o poder e alcançar o desenvolvimento econômico necessário para se sentar nas mesas dos grandes e terem lugar em um mundo multipolar. Isto é, o mundo multipolar deve ser construído, e para que a América do Sul, para que Brasil, Argentina, Peru, etc., sejam parte de um novo pólo de pode nesse mundo multipolar, a América do Sul deve realizar sua própria Insubordinação Fundadora. Não há nenhuma possibilidade de construção multipolar real, se todos os países não realizarem juntos este processo de Insubordinação Fundadora.

Há um ditado que diz: “não se faz uma omelete sem quebrar os ovos”. Ou seja, toda ação que inicia em busca de conseguir poder nacional, autonomia e desenvolvimento vai ser evidentemente combatida pela oligarquia financeira internacional e pelos Estados que servem a ela. Por isso nossa melhor garantia para poder resistir às pressões contra nosso desenvolvimento é a integração sul-americana, que formaria um escudo de proteção suficientemente forte e amplo para poder resistir às agressões exteriores.

Parece difícil que os países da América do Sul se unam para começar um processo de Insubordinação Fundadora bem-sucedido. Que pensa a respeito?

O caminho da união sul-americana é um caminho difícil, por fatores internos e externos. Mas mesmo sendo um caminho difícil, não significa que é um caminho que nós não devamos seguir. Pois somente a união da América do Sul poderá formar o escudo de proteção que precisamos. Porém, a integração da América do Sul só pode começar por uma integração argentino-brasileira. Esta integração é o núcleo aglutinante da América do Sul. Tentou-se esse processo nos últimos dez anos, mas hoje ele retrocedeu e está paralisado. A continuação desse processo deverá ser retomado quando o povo da Argentina e o povo do Brasil consigam recuperar seus Estados, recuperar seus destinos, ou seja, quando os atuais ocupantes do poder que só servem ao estrangeiros saiam do poder.

Fala-se muito da Rússia, que tem conseguido se impor diante das interferências estadunidenses. Seria a Rússia um exemplo de país que teve sucesso em desafiar a unipolaridade liberal? O que a Rússia fez para ter poder? Seriam suas armas nucleares? Ou também os acordos que Rússia fez com outros países?

Setenta anos de comunismo infligiram a Rússia um dano antropológico enorme, que levou a Rússia, durante o governo de Yeltsin, a ponto de sua dissolução nacional. Nessas terríveis circunstâncias, em que a Rússia corria o risco de ser reduzida ao ducado de Moscou, apareceu no cenário a figura política de Vladimir Putin, que genialmente compreendeu que este dano antropológico só podia ser reparado recuperando as raízes culturais mais profundas: O que levou a sua conversão ao cristianismo e a assumir o desafio da recristianização da população russa para deter a infecção social que corroia o corpo social da Rússia depois da incessante imposição por anos do ateísmo militante.

Sem dúvida, a possessão de armamentos nucleares é a única razão pela qual a Rússia não foi agredida militarmente de forma direta para destruição de seu processo de reconstrução do poder nacional, que Putin leva adiante. Porem, se a possessão de armas nucleares é a única garantia tática que a Rússia tem para manter sua segurança, a sua reconstrução moral é a única garantia estratégica de sobrevivência nacional.

A América do Sul teria mais poder se ao menos Brasil e Argentina tivessem armas nucleares?

A unidade da América do Sul é a única garantia para a segurança de cada país que a integra. Somente uma América do Sul integrada poderia conseguir aumentar sua capacidade de dissuasão. Qualquer tentativa sozinha seria duramente punida e desfeita.

O que tem a dizer sobre o Mercosul? E sobre o projeto da Unasul? Têm condições de formar um bloco forte de integração sul-americana?

Nós precisamos “poder” para “poder ser”, e só podemos “ser” juntos. A união da América do Sul é a condição sine qua non da possibilidade de integração e união da Latinoamérica, e a união argentino-brasileira é a condição sine qua non da união da América do Sul. O Mercosul e Unasul se encaminham nessa direção.

Tem algo a dizer sobre o BRICS?

Os BRICS foram o sonho de uma noite de verão, um conto chinês, no qual Pequim nunca acredita.

O senhor falou sobre uma tentativa de integração entre Argentina e Brasil. Na Argentina quem começou esse projeto?

O primeiro político na Argentina, que se deu conta de que a chave da autonomia e independência é a integração sul-americana, foi o General Juan Domingos Perón. Ele se deu conta de a integração é o escudo de proteção que todos os países sul-americanos precisam para começar seus projetos de Insubordinação Fundadora e se desenvolver. Perón foi o primeiro a entender que a chave da integração sul-americana passava pela integração argentino-brasileira, que sem integração argentino-brasileira não era possível a integração da América do Sul. Ele compreendeu que se a Argentina e o Brasil se integrassem formariam um núcleo de aglutinação suficientemente forte para atrair ao processo de integração os demais países da América do Sul. Este pensamento de Juan Perón foi um pensamento realmente revolucionário para a época, tanto que o exército brasileiro e o exército argentino tinham hipótese de conflito entre si, e Perón consegue mudar esse quadro para a hipótese de integração entre os países. Ele é quem vai, em 1952, iniciar o projeto ABC – a integração entre Argentina, Brasil e Chile – como um núcleo aglutinante da Amérida do Sul. E esta intenção de Perón, que era o único caminho real possível de integração sul-americana, despertou a fúria dos setores da oligarquia mundial e a fúria das oligarquias locais. E é essa reação furiosa da oligarquia brasileira e da oligarquia mundial que vão pressionar Getúlio Vargas de tal forma, até levá-lo ao suicídio. É justamente essa ideia de Perón que provoca a grande reação das oligarquias contra ele, fazendo-o cair mediante um golpe de Estado e uma revolução sangrenta em setembro de 1955. Getúlio Vargas e Juan Perón iniciaram processos de Insubordinação Fundadora, em 1930 (Brasil) e em 1943 (Argentina).

Por que fala em seu livro que o povo argentino está muito subordinado ao liberalismo?

É uma longa resposta. Temos que voltar a história: depois de 1852, com a queda de Juan Manuel de Rosas, se estabelece um governo oligárquico, que torna a Argentina uma semi-colônia da Grã-Bretanha. A principal ferramenta de dominação empregada pela oligarquia anglo-argentina para dominar o povo argentino foi a falsificação da história, pregando o livre mercado da teoria da Divisão Internacional do Trabalho. Então, se educaram a gerações e gerações de argentinos no mito do livre mercado e no mito da teoria da Divisão Internacional do Trabalho. Nesse esquema Argentina cresceu, e cresceu muito, na realidade, mas não se desenvolveu. Era um falso desenvolvimento. Porém, o que foi gravado pela subordinação ideológica no imaginário popular é que esse período história era um período de certo êxito. E essa impressão mais a pregação incessante do livre mercado e de que Argentina deve ser somente um produtor de matérias-primas, é o pensamento argentino até o dia de hoje. Por isso, a Argentina a partir de 1852, até o dia de hoje, com exceção do governo de Perón (1943 a 1955), tem sido sempre uma nação subordinada ideologicamente.

Essa subordinação, por parte da oligarquia anglo-argentina, foi bastante fácil de realizar, porque começou, nesse momento histórico (a partir de 1852), um grande processo de imigração: De cada 10 pessoas em Buenos Aires, 8 era estrangeiros. E as crianças em idade escolar eram filhos de estrangeiros. Então, esse fato de não ter pais argentinos, de não ter avós argentinos, facilitou a falsificação da história – onde os heróis argentinos eram apresentados como vilões e os vilões eram apresentados como heróis. Essa falsificação história foi facilitada porque a maioria da população não havia nascido na Argentina, eram filhos de estrangeiros, e por isso mesmo também foi mais fácil pregar o Liberalismo, e depois o Neoliberalismo.

Quando essa massa imigratória se nacionalizou e começou a pensar em termos nacionais (lembrando também do processo de Insubordinação Fundadora iniciada por Perón, que terminou tragicamente em setembro de 1955), começou um processo de perseguição contra o pensamento de Insubordinação Fundadora iniciada por Juan Perón, um processo de perseguição contra o peronismo, que levou à prisão e assassinato de milhares de pessoas. Esse período de subordinação ideológica se viu favorecido pelo enorme uso da força – que realizou a oligarquia através do exército que controlava.

Ainda sobre Argentina, qual sua análise sobre o atual governo?

O atual movimento político que governa a Argentina, que é o Movimento “Cambiemos”, está composto por pessoas de muito boa intenção que não sabem o que fazem e de pessoas de muito má intenção que sabem perfeitamente o que fazem. Mas, definitivamente, este é um governo que volta a levar a Argentina à posição de um simples produtor de matérias-primas, a um país sem indústrias. Eles tem em seu imaginário a ideia de uma Argentina apenas primária exportadora (agrícola exportadora, pecuarista exportadora); não tem no seu imaginário a industrialização da Argentina. Estamos vivendo um novo processo de desindustrialização da Argentina que o atual governo está realizando. O problema com esse esquema é que mesmo que a Argentina fosse uma eficiente produtora de matérias-primas, nesse plano, só existe trabalho para 14 milhões de pessoas, ou seja, o restante da Argentina, nesse projeto que o atual governo realiza, está condenado à miséria irremediavelmente.

O modelo econômico que está sendo realizado pelo governo de Macri, condena a Argentina à miséria do subdesenvolvimento.

No cenário global atual, há rumores de uma possível guerra no continente asiático. Acredita que esse conflito tenha probabilidade de ocorrer?

Acredito que não vai haver um conflito na Ásia porque a terceira guerra, a qual assistimos, está chegando ao seu fim. Há a possibilidade de uma “nova Yalta”, metaforicamente falando: essa “nova Yalta” se estabelece entre Estados Unidos e China (na última reunião que tiveram seus presidentes). Nessa “nova Yalta”, que também é expressa pelas forças transnacionais, esteve em pauta que o déficit crônico que o EUA tem com a China vai terminar – a China se comprometeu a isso. E então, essa “nova Yalta” vai fazer com que não haja a guerra na Ásia. Nesse acordo, o EUA não vai ter o déficit comercial com a China e tampouco vai cumprir a promessa de reindustrialização. Ou seja, o povo estadunidense está à margem dessa “nova Yalta”, como os outros povos do mundo se vêem oficialmente; pois este acordo na realidade é de interesse das forças transnacionais e não do povo.