Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial e a Despigmentação “Voluntária”

Foto Ian Berry MAGNUM PHOTOS Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial e a Despigmentação Voluntária massacre de sharpeville-min
O Massacre de Sharpeville. Foto: Ian Berry/MAGNUM PHOTOS
Botão Siga o Disparada no Google News

O dia 21 de março foi instituído pela ONU como o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, em memória ao massacre de Sharpeville, África do Sul, onde em 21 de março de 1960, 20 mil pessoas protestavam de modo pacífico contra o apartheid e foram violentamente atacadas com tiros pelas forças militares, que deixaram como resultado da brutalidade 69 mortos.

A discriminação racial é a atribuição de tratamento diferenciado a membros de grupos racialmente identificados. Um dos requisitos da discriminação é o poder, que dá possibilidade de atribuir vantagens e desvantagens por conta da raça. A discriminação racial pode ser direta, que se apresenta com o uso da violência física como o Massacre de Sharpeville, os assassinatos de João Alberto da Silveira, Moïse Kabagambe, Durval Teófilo Filho, George Floyd e tantos outros que constante e insuportavelmente se repetem em diversos países como Brasil e Estados Unidos da América.

Há também a discriminação racial indireta, que é praticada a partir de condutas que ignoram a especificidade do grupo inferiorizado, ou seja, que tem aparência de “neutralidade”, como a sub-representação de pessoas negras na política, em cargos de diretoria e nos departamentos universitários como professores, assim como em piadas e comentários como “Com licença, como você lava seu cabelo?”, “Seu cabelo alisado é mais bonito…” e “Não achei que fosse a advogada” (referindo-se a mulher negra e bem vestida que foi tirar dúvidas sobre um processo no fórum).

É importante destacar que a discriminação racial não precisa de intencionalidade, ou seja, ela é praticada ainda que a pessoa não tenha a intenção de ser racista. Isso acontece porque o racismo é estrutural, mas isso não isenta o sujeito de responsabilidade. De todo modo, tanto a discriminação direta quanto a discriminação indireta é uma ferida traumática e violenta.

Na sociedade racista como a brasileira em que a brancura é o parâmetro de honestidade, capacidade, beleza e poder e a negrura como seu oposto, as pessoas negras são estrategicamente agredidas por todos os lados. A eliminação da discriminação racial passa pela linha de construção da subjetividade do indivíduo, a tal ponto de as pessoas negras internalizarem o repúdio a sua cor de pele negra e sua identidade negra para serem aceitas na sociedade com os mesmos direitos e garantias dos brancos, que vai da possibilidade de ter segurança, trabalho e afeto.

Frantz Rousseau Déus, em sua obra “Paradoxo Haitiano: Identidade negra e ‘branqueamento’ na contemporaneidade” (2021), afirma que por causa do racismo, algumas pessoas se submetem ao clareamento de pele para que sejam aceitas na sociedade. O autor apresenta a formação do pensamento social haitiano e afirma que o paradoxo é porque o Haiti foi a primeira República Negra na era moderna, contudo, como toda nação colonizada apresenta profundos conflitos raciais.

Embora certas pessoas usem produtos de clareamento de pele, de fato, elas não ficam brancas; elas também não se deixam de apresentar como negras. Portanto, o objetivo dessas pessoas não é tornarem-se brancas, mas diminuir a negrura da pele. Pois, quanto mais retinta for a pele, mais necessidade a pessoa que adere a essa prática sente de diminuir a negrura da pele” (DÉUS, 2021, p. 90-91).

Este autor aponta que são muito os incentivos em favor da despigmentação “voluntária”, que de voluntária não tem nada, uma vez que as pessoas afirmam que se submeter a esse processo proporcionará mais chances de conseguir no mercado afetivo um namorado e marido, obter um emprego e melhorar a autoestima. Déus salienta que as propagandas dos cremes que despigmentam a pele estão presentes até os dias de hoje e incorporam o argumento de “melhorar a aparência”, ou seja, afastar a negrura. O processo de despigmentação é doloroso e mesmo assim é realizado, evidenciando como o racismo é perverso. As empresas que produzem e vendem esses produtos têm o objetivo de lucro e deixam de lado o fato de estarem corroborando com a construção negativa sobre a imagem dos negros, destaca o autor.

A partir das respostas recebidas pelo questionário elaborado, Déus afirmou que “se as pessoas de sexo feminino se despigmentam por uma questão de beleza e de sedução, parece que a submissão de certos homens a essa prática é mais ligada a uma questão de status” (DÉUS, 2021, p. 114). O autor afirma que esse procedimento é comum no Haiti, e também é realizado no Brasil e outros países.

Nota-se que o racismo é dinâmico e que sua estratégia de reprodução ainda são normalizadas e naturalizadas, a ponto de a despigmentação “voluntária” ser mais uma forma de dominação e exploração. “De certa forma, clarear a cor da pele por meio de produtos e outras técnicas violentas e perigosas seria uma externalização desse racismo internalizado, vivido e sofrido” (DÉUS, 2021, p. 129).

Ângela Davis afirma que a liberdade negra, no sentido estrito, ainda não foi conquistada. Portanto, lembremos que a nossa luta contra o racismo é uma luta contra todas as formas de exploração.

Referências

DAVIS, Angela. A liberdade é uma luta constante. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2018.

DÉUS, Frantz Rousseau. Paradoxo haitiano: identidade negra e “branqueamento” na contemporaneidade. 1. Edª. Curitiba: Appris, 2021.