Desigualdade de gênero e trabalho

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Por Waleska Batista e Camila Cesar – As “tarefas domésticas” consomem horas produtivas das mulheres, mas isso em nenhum momento é considerado trabalho passível de remuneração. Arrumação da casa, preparo de alimentos e atividades de cuidado familiar só são notadas quando deixam de ser executadas, embora componham as jornadas duplas e triplas femininas.

Não nos parece aleatório que o trabalho doméstico – majoritariamente exercido por mulheres negras – tenha sido formalmente reconhecido apenas em 2015, com a Lei Complementar n. 150/2015, e que a equiparação desta categoria à dos trabalhadores celetistas tenha se dado dois anos depois, quando o Brasil se tornou o 25º país signatário da Convenção 189 e da Recomendação 201 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Na atualidade, mesmo com um número maior de homens “colaborando” com essas atividades em seus lares, será que houve a extinção da concepção de que as tarefas domésticas são “trabalho de mulher”? Ousamos dizer que ainda não. Dados constatam que as mulheres cumulam trabalho remunerado a jornadas exaustivas de trabalho doméstico na própria casa. Inclusive, nos períodos de lockdown devido à pandemia do coronavírus, a produtividade de muitas pesquisadoras diminuiu e a de homens aumentou, e isso não foi em razão da ausência de empenho e esforço das mulheres, mas acúmulo de atividades.

As mulheres pesquisadoras que ficavam grávidas, tinham direito a licença-maternidade, mas não era possível fazer essa inserção no currículo lattes, como forma de justificar a redução da produtividade, ou seja, não havia o reconhecimento do impacto de filhos e filhas na carreira científica. Somente a partir de 15 de abril de 2021, que foi anunciado pelo CNPQ a inclusão do campo licença-maternidade, atendendo ao Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável (ODS ) 5, para promoção da igualdade de gênero.

Angela Davis (2016, p. 233) afirmou que “as mulheres negras, entretanto, pagaram um preço alto pelas forças que adquiriram e pela relativa independência de que gozavam. Embora raramente tenham sido ‘apenas donas de casa’, elas sempre realizaram tarefas domésticas. Desta forma, carregam o fardo duplo do trabalho assalariado e das tarefas domésticas”.

O ato de cozinhar e limpar a própria sujeira é fundamental, mas foi atribuído apenas às mulheres. A educação e acompanhamento do desenvolvimento dos filhos e filhas foram tarefas destinada às mulheres. Se as tarefas domésticas são essenciais à sobrevivência individual e formação dos cidadãos, então nada mais adequado que os homens também se sintam responsáveis por elas.

A expectativa de gênero atribuída às mulheres também é algo resultado do controle que os homens estabelecem sobre nossos corpos e se reflete nos espaços profissionais. “A verdade é que, quando se trata de aparência, nosso paradigma é masculino. Muitos acreditam que quanto menos feminina for a aparência de uma mulher, mais chances ela terá de ser ouvida” (ADICHIE, 2012).

As mulheres sempre pensam no que vestir, porque precisam lidar com o julgamento da sociedade, mas os homens, sequer precisam pensar nisso. “Quando um homem vai a uma reunião de negócios, não lhe passa pela cabeça ser levado a sério ou não dependendo da roupa que vestir, mas a mulher pondera” (ADICHIE, 2012). Para mulheres negras, a preocupação é dobrada, porque além das roupas há o enfrentamento dos estereótipos racistas.

O Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288/2010) reconhece a inferiorização a que as mulheres negras são submetidas, e estabelece mecanismos para o combate a esta segregação, ao prescrever que esta lei objetiva a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica, e que entende por desigualdade de gênero e raça a assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais (art. 1º, inciso III, da Lei n. 12.288/2010).

O imaginário público reproduz a falaciosa ideia de que a libertação das mulheres representa o aprisionamento e inferiorização do masculino, ou seja, que é um movimento anti-homem. Mas Bell hooks (2018) afirma que “o feminismo é um movimento para acabar com a opressão sexista”, e isso impõe posições radicais contra toda forma de exploração e apartação.

Ela diz que “Um homem despojado de privilégios masculinos, que aderiu às políticas feministas, é um companheiro valioso de luta, e de maneira alguma é ameaça ao feminismo; enquanto que uma mulher que se mantém apegada ao pensamento e comportamento sexistas, infiltrando o movimento feminista, é um perigosa ameaça” (hooks, 2018).

Tanto homens quanto mulheres não nascem feministas, mas são formados, por isso é tão importante a conscientização a respeito da institucionalização do sistema de dominação, as pautas de combate à violência, discriminação e adoção de posição revolucionária contra a estrutura que se alimenta das disparidades raciais e sexuais e ainda oprime tantas mulheres brancas e negras.

Bibliografia:

– ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. Tradução de Christina Baum. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

– DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Tradução de Heci Regina Candiani. 1ª.ed.São Paulo: Boitempo, 2016.
hooks, bell. O feminismo é para todo mundo. Tradução de Ana Luiza Libãnio. 1.ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.

Por: Waleska Miguel Batista, Doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mestra em Sustentabilidade e Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Integrante do grupo de pesquisa Direito e Estado no Pensamento Social Brasileiro, vinculado ao Mackenzie. Advogada e Professora.

Camila Torres Cesar, Advogada. Mestranda em Direito Político e Econômico. Cofundadora do Instituto Formação Antirracista. Coordenadora Depto. de Acessibilidade do IBCCrim. Membro das Comissões de Igualdade Racial e da Mulher Advogada da OAB/SP. Colaboradora voluntária do Projeto Incluir Direito USP.