Onde estacionamos em matéria de qualidade do debate político, na era de Lula e Bolsonaro

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Quando Bolsonaro se tornou uma alternativa factível à presidência da República, uma coisa veio à tona: havia uma imensa massa de brasileiros insatisfeitos com tudo o que a social democracia (do PSDB e do PT) pôde trazer ao país. Sim, social democracia, porque, na substância, não há diferença significativa entre esse regime e o neoliberalismo. Políticas social democratas são combinadas com políticas neoliberais como se fossem todas oriundas de uma mesma fonte — e são.

Mas o entusiasmo dos brasileiros que foram constituindo o segmento eleitoral que veio a ser chamado de bolsonarismo era mais do que casual. Aqueles que se frustraram com as promessas da social democracia exportada de São Paulo para o resto do país, na forma do bipartidarismo PT/PSDB, eram mais facilmente contaminados pelos escândalos de corrupção operados durante as gestões petistas, o mensalão (compra de parlamentares para garantia de política governamental) e o petrolão (esquemas milionários de corrupção para fins de enriquecimento privado envolvendo mega empresas nacionais). A imprensa que noticiava os escândalo frequentemente fabricava heróis extra-políticos, como Joaquim Barbosa, Sério Moro e Deltan Dalangnol para conferir ares de narrativa épica ao que deveria ser apenas uma questão de devido processo legal. Essa imprensa, hoje francamente anti-bolsonarista, é cúmplice da emergência do mito em ao menos um aspecto: ela é a semeadora do discurso anti-política que tem vigorado na redemocratização.

Esses que assistiam ao noticiário e se indignavam com os escândalos veiculados tinham, em geral, dois tipos de formação política: eram pessoas que tinham alguma iniciação nos assuntos, nos meandros, na história, nos bastidores e na teoria da política; ou eram cidadãos que assistiam às notícias eventualmente como quem assiste a uma telenovela dotada do incoveniente da factualidade. Estes eram imensa maioria.

Sem ser reducionista, senão apenas o necessário para oferecer uma visão dos tipos sociais vulneráveis a essa narrativa, dá pra dizer que estavam entre eles: cidadãos do meio rural (naturalmente, não todos), distantes das vicissitudes e esbórnias dos centros urbanos, e partidários de uma moral de austeridade (entre os pobres) e de culto ao patrimônio (entre os ricos); evangélicos (evidentemente, não todos), exemplares de uma moral de auto-ajuda e iniciativa, extremamente sensíveis ao perturbe a família e sua formação tradicional; profissionais das forças armadas e principalmente das auxiliares (especialmente, as PMs — e, novamente, não todos), membros de uma complexa corporação que lida com a violência na ponta e é extremamente simpática a discursos de atalho em relação ao drama da insegurança, mais pelo acúmulo de angústias e desesperos no juízo dos profissionais do que por ignorância, razão pela qual eles são também facilmente seduzidos pelas promessas de remuneração que, não raro, se tornam rotundos estelionatios.

Ao lado destes — e, por que não?, dentro destes — uma massa de brasileiros identificada por critérios estéticos, por estilos de vida, por adesão a práticas e discursos, associou-se a essa horda tipificada. São milhões de nossos concidadãos ligados a artes marciais, ao fisiculturismo e a esportes radicais e de uso de armas, enaltecedores do discurso da força e da coragem. São também aquelas pessoas que apreciam a cultura sertaneja contemporânea, que fala de amor sem o pedantismo da dita MPB e de sexo sem a vulgaridade do funk e do pagode urbanos. São, ademais, proprietários de pequenos negócios revoltados com a carga tributária e as regulamentações. E são profissionais da saúde ressentidos com a vinda de médicos cubanos ao Brasil. Enfim, são nossos vizinhos, amigos, familiares, sócios, chefes, subordinados, colegas, porteiros, barbeiros, psicólogos e pastores. São eles. Somos nós. Todos os conhecemos e com eles convivemos.

O que Bolsonaro deu a todos esses brasileiros foi uma espécie de “dignidade” política. Claro que não foi um esclarecimento da vida política. Mas foi um convite à participação política por meio de sua (da de Bolsonaro) figura. As pessoas entraram para esse universo de signos, mesmo de forma precária, educadas pelo simplismo das correntes de whatsapp e pela imprensa profissional e semi-profissional, como Jovem Pan e Brasil Paralelo, que confere status de verossimilhança às narrativas simples e dramáticas e maniqueístas e primárias, que circulam nas redes sociais vestindo atores políticos e eventos históricos com carapuças convenientes.

Bolsonaro trouxe da arquibancada ao proscênio da vida pública nacional essa turma toda. Deu medalha de cidadania e brio para que eles questionassem os arrogantes universitários e os presunçosos jornalistas (e eu só coloco esses adjetivos na tentativa de captar o espírito bolsonarista), expusessem suas contradições e saíssem lacrando com aqueles oculuszinhos de gráfico dos anos 90, cuja origem desconheço. E eles entraram na jogada e agora estão aí. Alguns se desencantaram com o presidente. Outros, serão sua tropa pra o resto da vida.

O que Lula fez é o movimento contrário. Lula tinha e tem a maior parte dos setores organizados do trabalho. Tem a militância quase irrestrita da classe pensante universitária e a servidão dos partidos de esquerda — exceto daqueles, como PCO, PSTU e outros parasitas melancólicos. Tem a simpatia de parte significativa da imprensa, não só dos propagandistas desavergonhados, do PT, como Brasil 247, Revista Fórum, Cafezinho, Vermelho.org, GGN, etc., mas de colunistas e jornalistas do UOL, do Estadão, da Folha, da Band — sim, a militância de Reinaldo Azevedo, uma conversão mais radical que a de Santo Agostinho, em favor do Lula, é inegável. Enfim… Vamos ao que importa.

Lula é o rebaixamento da qualidade do eleitorado. Com isso, é o timoeiro da despolitização. A política é exercida como uma boataria sub-esclarecida e um ativismo barulhento, acusatório e tacanho. Gente estudada, ou supostamente estudada, se comporta de forma histérica e simplória com respeito ao assunto sobre o qual poderia prestar depoimentos lúcidos. E por quê? Porque Lula conseguiu se vender como única alternativa, tendo o histórico que tem e uma bagagem pesada de contradições. Encarar as contradições é mais difícil do que dar carteiradas e erguer o L dos dedos — que, como se sabe, é até graficamente uma arminha pra cima.

Em suma, Bolsonaro trouxe do nada à política uma massa de iletrados parcialmente ressentidos ávidos por cidadania. Lula trouxe, da elite à histeria pedestre, uma massa de brasileiros presunçosos, muitos dos quais com alguma cultura, mas com horizonte amesquinhado, sem projeto e sem a capacidade de justificar a defesa ao PT — a essa altura do campeonato, enquanto alternativa concreta para os dilemas presentes e adjacentes do país.

Bolsonaro e Lula, por caminhos distintos, nos fizeram estacionar nesse estágio, em matéria de consciência e costumes políticos. Um estágio que só confirma e celebra a nossa centenária e mortificante mediocridade.

  1. Hegemonismo, vezo que quer se estruturar no Brasil

    Com um vice do quilate de Geraldo Alckmin, não se precisa de inimigos. Disputar eleição não significa fazer qualquer coisa, vender a alma ao diabo, viver uma vida de incoerência política. Uma aliança dessa, costurada apenas para tentar ganhar uma eleição, não tem como propósito combater fascismo algum. Não se combate fascismo com alianças meramente eleitorais. O propósito aqui é outro: é uma luta pela sobrevivência de grupos políticos que erraram feio quando tiveram oportunidade de acertar bonito.

    Antes de um possível avanço é um grande atraso para o Brasil e seu povo. É antipedagógico. Emburrece o nosso povo, passa-lhe o sentimento de que na política vale tudo.

    Sob o manto da disputa de Hegemonia, vivemos há décadas no Brasil um ” reformismo” deslavado, sem reformas, essa é a verdade. No nosso país, o conceito foi tomado de Gramsci de maneira absoluta, como algo oracular, com o aniquilamento intelectual de quem ousasse pensar diferente, aliás, esse é um terrível costume brasileiro, a expressão no campo intelectual e acadêmico do Conservadorismo e do Autoritarismo arraigado no Brasil.

    Primeiro foram os tucanos do CEBRAP ( FHC e Gianotti, principalmente, e também por Carlos Nelson Coutinho et caterva) para esconder suas tendências marcantes para o reformismo, logo depois objetivado na Social Democracia Brasileira e no PSDB. Segundo, pelo PT, que agora com essa aliança, adere de uma vez por todas a esse reformismo de origem tucana, só que agora, o que é bem pior, sem reformas que, de fato, implantem uma República no Brasil e, consequentemente, uma Democracia verdadeira, essa atual coaduna com o racismo e com desigualdades desumanas. Logo, não é Democracia, pois democracia não se resume apenas ao direito de votar.

    Nesse momento, precisamos de mais Althusser e de menos Gramsci. Pela falta do primeiro, a esquerda brasileira se acostumou a ver apenas como mero acidente, talvez até um incidente, todo fenômeno ou evento que, por sua natureza, é estrutural.

    Edson Miranda/jornalista

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