Ciro Gomes: a racionalidade e o carisma

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Por Roberto Dutra – A contratação do publicitário João Santana pelo PDT coloca Ciro Gomes em outro patamar como líder da oposição ao governo Bolsonaro e como candidato à sucessão presidencial de 2022. O problema de Ciro sempre teve relação com sua virtude: ao apostar no debate sobre seu ambicioso Projeto Nacional de Desenvolvimento (PND), Ciro consegue construir uma forte corrente de opinião na sociedade, mas o discurso racional sobre a complexidade de nossos problemas e de suas possíveis soluções não tem o condão de atrair o povão. Ciro tem o melhor diagnóstico sobre o subdesenvolvimento que atrofiou a grandeza brasileira nos últimos 40 anos. E é o único que tem um projeto para enfrentar estes problemas pela raiz. Mas este discurso racional não é suficiente para ganhar a maioria do povo e vencer as eleições presidenciais. Estaria Ciro preso há um impasse? O único caminho é abandonar o foco no PND e buscar vender a ilusão de que a fome, a violência e as outras urgências do povo podem ser resolvidas sem enfrentar nossos problemas estruturais? Seriam o carisma e a mística popular sem conteúdo programático o único caminho possível? Não podemos ter nada melhor que o lulismo vendedor de ilusões para derrotar a tragédia do governo Bolsonaro?

Não acredito nesta ditadura da falta de alternativas. O novo é possível. Ciro não precisa abandonar o discurso racional do PND para construir seu carisma e sua mística popular. Razão e carisma não precisam andar separados. O grande desafio cirista é combinar estas duas grandes forças da atividade política. E a contratação do marqueteiro João Santana parecer ter exatamente este objetivo maior. Pelo menos duas razões apontam a viabilidade deste objetivo, e as duas envolvem a chegada de Santana ao PDT.

A primeira é que o conteúdo transformador do PND pode ser traduzido em mensagem atraente, na linguagem do povo. Para isso, o desafio é conectar o concreto ao abstrato: a fome urgente de dezenas de milhões com o fracasso de um modelo econômico implementado nas últimas décadas. Ciro sempre apostou e vai continuar apostando na inteligência do povo. Não é e não será um vendedor de ilusões, um enganador profissional. Mas para isso dar certo é preciso se conectar com o povo e com suas formas de comunicação. Uma das principais tarefas do marketing político é exatamente viabilizar esta tradução do abstrato em concreto, da razão em carisma comunicativo. Antenado com as novas tendências de uma comunicação política fragmentada e plataformizada, João Santana, o grande colecionar de troféus em eleições presidenciais no Brasil e fora dele, já consegue mostrar como isso é possível.

A segunda razão para apostar na combinação de projeto racional com carisma popular é a própria diversidade social. A distribuição desigual de recursos sociais como dinheiro e educação também influencia no desenvolvimento de diferentes perfis de eleitores, não apenas com preferências distintas, mas também com formas diferentes de elaborar suas preferências. Racionalidade e carisma estão presentes no pensar e no agir de todo eleitor. Mas existem eleitores que elaboram suas preferências conferindo mais peso ao discurso racional e também aqueles que se identificam mais fortemente com o carisma que o candidato constrói e apresenta na comunicação política. A variedade de combinações é enorme e disponível à própria construção da comunicação política. Não se trata aqui de fazer nenhum julgamento de valor sobre estes diferentes tipos de eleitores. O discurso abstrato não é, em essência, melhor que o carisma e a linguagem afetiva. Muitas vezes ocorre até o contrário: o eleitor que vota orientando por um discurso abstrato pode ser mais enganado do que aquele que vota por intuição e identificação afetiva. Não cabe nenhuma hierarquia moral entre razão e carisma. É preciso combinar as duas coisas. Ciro já conseguiu demonstrar que é o melhor na mobilização pelo discurso racional em torno do PND. Construiu sólida corrente de opinião em torno deste discurso. Agora a tarefa é furar a bolha e construir a mística popular. A chegada de João Santana ocorre, portanto, no momento certo. Ciro tem a menor rejeição em comparação com Bolsonaro e Lula. Com a consolidação de Lula como candidato do PT e o crescente enfraquecimento de Bolsonaro, muitos políticos experientes, como o insuspeito de cirismo José Sarney, já apostam na força de uma terceira via. O reforço de peso na comunicação política abre a perspectiva de Ciro chegar com sua mensagem às maiorias populares e assim se consolidar como alternativa real de poder para 2022.

Por: Roberto Dutra.
Doutor em sociologia pela Universidade Humboldt de Berlim e professor de sociologia e administração pública da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Foi diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Alicada/IPEA.