Berlusconi: a Itália de porre (parte 1)

Berlusconi a Italia de porre
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“Quantos títulos do campeonato italiano você tem?”

Foi com essa pergunta que o aspirante Silvio Berlusconi, um magnata da comunicação de hábitos nababescos, iniciou o debate que colocaria o Forza Itália – seu partido recém criado – no topo do poder da República Italiana. O adversário, do Partido Socialista, acusava Berlusconi de querer beneficiar-se do cargo de Primeiro Ministro para se livrar das acusações que pesavam sobre seu conglomerado de mídia. A resposta de Silvio deu o tom do que seria seu governo: um show de tv digno do “Programa do Gugu” e dominicais brasileiros. A orgia entre o pseudo-sagrado e o real profano.

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A Itália no pós guerra foi marcada pela polarização entre Democratas Cristãos e Socialistas. O último líder deste período, Bettino Craxi – um socialista altamente burocrático, de fala rebruscada e simpatia de um armário – foi derrubado pela operação Maos Limpas, a Lava Jato macarrônica. Craxi, por detrás da áurea de militante exemplar, adorava festas recheadas de garotas de auditório e contas secretas, onde desviava milhões de Liras para fins não-revolucionários. Não era o único, o Partido Socialista de Gramsci era cada vez mais corrupto e ineficaz, embebido pelas noitadas de cocaína e prostituição de Milão.

A caquistocracia não era um privilégio dos socialistas. O mundo político na terra de Dante sempre foi marcado pela orgia entre Máfia, Vaticano, licitações direcionadas e farras homéricas. A Operação Mãos Limpas, à pretexto de moralizar a política dantesca, tratou de extinguir as maiores forças políticas do país. Era o fim da “Primeira República Italiana”, iniciada em 1948. A anti-política havia vencido, mas o troféu seria entregue para um regime ainda mais imoral que o bipartidarismo de outrora. Qualquer semelhança com a Lava Jato não é mera coincidência.

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Silvio Berlusconi era um magnata das comunicações que fez fortuna inicialmente com imóveis e condomínios fechados aos moldes dos “Alphavilles” brasileiros. A construção do “Milano I” o projeto urbanístico que vendia o American Way Of Life, foi repleta de irregularidades. Mesmo assim o projeto foi um sucesso, muito pela ampla campanha publicitária – que vendia o sonho americano de shoppings, hambúrgueres, clubes e babás servis. Era tudo que a emergente Itália sonhava, após os anos de contingenciamento burocrático. Tudo isso ampliado pelo Thatcherismo que invadia a Europa.

Com o dinheiro de seus condomínios, Berlusconi construiu o que viria a ser a primeira rede de televisão privada da Itália, cujo monopólio televisivo estatal perdurou até o final da década de 70. A estatal RAI, acrônimo de Radiotelevisione Italiana, possuía 4 canais e a programação variava entre “concertos para a juventude”, programas educativos e longas peças de teatro enfadonhas. Algo que faria dormir o mais cocainômano dos milaneses, que à época deliciavam-se com o pó branco que vinha da América Latina. Milão era o centro da Itália que projeta-se para o mundo, para além das sardelas e alichelas sulistas. De lá nascia a primeira rede privada de televisão italiana, a TeleMilano58. Na tela, mulheres seminuas dançando, programas de auditório ridículos, noticiários sensacionalistas e apresentadores bronzeados, sempre sem barba e com os dentes reluzentes. Era essa a ordem do chefe. Assim como Deus, sua cria deveria vir à imagem e semelhança.

E deu certo. Silvio comprou mais dois canais e montou aquele que seria um dos conglomerados de mídia mais importantes do ocidente. Os italianos pareciam embebidos pelas roupas minúsculas e pelo jeito “faça você mesmo” dos canais beslusconianos. Em 1986, o magnata somou aos seus canais e condomínios o AC Milan, escuderia de futebol tradicional que passava por maus bocados. Futebol, televisão e construção civil. O céu era o limite para Berlusconi.

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Faltando 8 semanas pra eleição de 1993, Berlusconi resolve disputar a chefia de governo italiana. Seu novo partido, Forza Itália, tinha como plataforma uma mistura confusa de liberalismo à americani com um certo cinismo chauvinista e muita antipolitica.
Todos os gerentes das empresas de Berlusconi, bem como assistentes de palco, câmeras, apresentadores, contadores e advogados viraram candidatos ao senado ou à camara. Todos eram obrigados a assistir uma fita VHS onde aprendiam truques de câmera, de aparência e uma gravação (com direito à versão karaokê) do jingle partidário.

Silvio fez acordos, inclusive com a família Mussolini, juntou sulistas e nortistas separatistas, temperou tudo com biquínis minúsculos, anúncios apelativos, canais de televisão e futebol.

A Itália tem um novo líder. De Milão para o mundo, o cantor de boates galanteador e milionário excêntrico agora chefiava um dos maiores países do mundo.

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O primeiro governo de Berlusconi foi breve. A Operação Mãos Limpas chegaram ao conglomerado do primeiro-ministro, que, numa atitude ousada, resolveu acabar com a operação por decreto. A história é digna de anedota.

A Seleção Italiana, na noite de 14 de julho de 94, vence a Bulgária e se classifica para a final da copa do Mundo (contra o Brasil). Nesta noite, Berlusconi lança o decreto “Salva Ladri”, proibindo juízes de prenderem políticos e cassando todas as condenações da “Mãos Limpas”. A reação foi imediata. Seis meses depois de assumir, o líder do partido Forza Itália, dono do AC Milan e magnata da mídia é expurgado de Roma. Era o fim do sonho americano na Itália.

Pelo menos até 2001. Neste ano, o ex-primeiro ministro resolve concorrer novamente ao maior cargo do país europeu. Os adversários, então reaglutinados no PD (sucessor do Partido Socialista) conseguem proibir a propaganda política na TV, prejudicando evidentemente aquele que era o maior ativo de Silvio, que não esmoeceu. Tratou de imprimir 40 milhões de revistas com o título “Uma história Italiana”. Literalmente todos os lares italianos receberam a revista – sem qualquer exagero. Na revista, o ex-primeiro ministro é retratado como um herói injustiçado e matérias de curiosidades dignas de “Capricho”. Menos de sete anos depois, Silvio Berlusconi volta ao centro do poder, mais forte do que nunca.

  1. Alguns erros básicos do autor: o pós-1945 foi marcado pela contradição entre democratas cristãos- que comandavam um bloco que incluía socialistas (5 a 10% do eleitorado), republicanos, liberais , contra os comunistas, sempre em segundo lugar nas eleições, administrando cidades do norte como Bolonha Gênova, entre outras. O Partido Democrático é herdeiro da maioria dos comunistas italianos, que , em congresso de 1991, optam pela dissolução e criação de uma legenda que se incorpore à Internacional Socialista- primeiro Partito Democratico de Sinistra, depois Democratici di Sinistra, e por último Partito Democrático;e, por fim Gramsci rompeu com o PS em 1921, no Congresso de Livorno, criando o Partito Comunista D’Italia.

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