O baile geoeconômico da Indonésia no níquel

Luhut
Luhut, "ministro de tudo"
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A Indonésia não é o primeiro país asiático que vem a mente quando os brasileiros pensam nas potências industriais do continente que mais cresceu neste século. No entanto, nas disputas das cadeias industriais do novo mundo multipolar, o arquipélago tropical pode dar algumas lições para nosso canto tórrido do Terceiro Mundo.

O gigantesco arquipélago tem um longo histórico de espoliação imperialista. Colônia holandesa tomada dos portugueses na Guerra dos 30 anos, a Indonésia foi estruturada como fornecedora de matérias-primas. Foi seu petróleo que motivou a fusão de empresas que deu na anglo-holandesa Shell, que nas primeiras décadas do século passado foi uma das pioneiras na tecnologia dos navios-petroleiros, justamente para transportar os hidrocarbonetos do país asiático até a metrópole europeia.

Mapa antigo da Indonésia
Mapa antigo da Indonésia

A Indonésia somente se tornou independente após a invasão japonesa na Segunda Guerra Mundial. O levante nacionalista vitorioso que derrotou a ocupação japonesa teve de constituir um governo em meio a intensas disputas entre os muçulmanos politizados e o maior partido comunista já organizado em um país formalmente capitalista. Sukarno, líder terceiro-mundista que guiou seu país em meio a essa tempestade, foi um dos organizadores da conferência de Bandung em 1955 e um dos principais líderes dos Não-Alinhados.

O golpe de 1965 colocou fim a essa trajetória virtuosa, banhado no sangue de um dos maiores massacres de nacionalistas e de comunistas no âmbito da guerra fria, com efusivo patrocínio de Washington. Desde então, a Indonésia havia se convertido em bastião do império estadunidense no sudeste asiático.

Sukarno discursando
Sukarno discursando

Mas a emergência do mundo multipolar abriu novas portas para o arquipélago que outrora foi um dos protagonistas do terceiro mundismo. Além de vastíssimas reservas de petróleo, a Indonésia é uma das maiores produtoras de níquel, minério essencial na cadeia industrial dos veículos elétricos e para manufaturados eletrônicos em geral – algumas vezes comparada a “Arábia Saudita do níquel”.

Conhecedora destas reservas de níquel, a Tesla de Elon Musk vinha exigindo benesses do governo indonésio para construir uma planta de baterias elétricas para seus veículos no arquipélago. O roteiro dessas negociações é bastante conhecido: transnacionais com monopólio tecnológico fazem países do Terceiro Mundo disputarem para ver quem oferece mais concessões, conseguindo subsídios fiscais, regimes especiais de direitos trabalhistas ou outras assimetrias nas relações geoeconômicas.

Todavia, os indonésios já haviam despertado para a riqueza de suas reservas de níquel. O governo havia banido as exportações do minério sem processamento, forçando empresas com a tecnologia para o refinamento desta commodity a se transferir para o arquipélago. Foram as companhias chinesas como a Jiangsu Delong Nickel que abriram filiais na Indonésia, aumentando o valor agregado de suas exportações para a República Popular.

Planta de níquel em Suwalesi
Planta de níquel em Suwalesi

Ocorre que a principal política industrial dos Estados Unidos tem justamente por norte a disputa pelas cadeias de maior valor agregado contra a China. Sob o nome de Inflation Reduction Act, conhecido pelo acrônimo I.R.A. – não confundir com a organização nacionalista dos irlandeses – esta lei norte-americana veda a concessão dos vastos subsídios do tesouro estadunidense para empresas que façam alguns tipos de negócio com companhias chinesas. Sua finalidade é clara: trazer de volta para os EUA o controle sobre as cadeias produtivas que a irracionalidade neoliberal entregou de bandeja para o Leste Asiático. É uma tentativa de se repetir os Acordos de Plaza que quebraram a indústria japonesa na década de 1980, forçando a realocação de parte do parque produtivo nipônico para os Estados Unidos. A diferença, no entanto, é que a China possui um forte Partido de massas, uma cadeia industrial muito mais diversificada e – principalmente – mísseis nucleares intercontinentais.

Com o Inflation Act embaixo do sovaco, Luhut, oficialmente o ministro para os investimentos da Indonésia, porém extraoficialmente conhecido como “ministro de tudo”, foi negociar com o herdeiro das minas de esmeralda e dono do tuíter, Elon Musk. Contudo, o oligarca hypado teve seus planos de se instalar no arquipélago melados pelas autoridades estadunidenses, que protestaram contra a intensa presença chinesa na cadeia de valor do níquel. Musk então anunciou que uma planta similar será aberta na Malásia. Luhut não se deu por vencido e ato contínuo bateu às portas da embaixada da República Popular, arrancando de Pequim a promessa de abrir uma planta da BYD, concorrente chinesa da Tesla no setor de carros elétricos.

Mina de níquel em Suwalesi
Mina de níquel em Suwalesi

Luhut aqui foi o legítimo herdeiro do terceiro-mundismo de Sukarno, sabendo se aproveitar das contradições entre os dois blocos para tirar o melhor proveito para seu país – coração da linha geoeconômico terceiro-mundista. Embora algumas críticas possam ser feitas ao seu governo neste embate – porque não uma empresa de baterias de capital nacional indonésio? -, Luhut inverteu a lógica geoeconômica que prevaleceu por todo o período neoliberal. Foram as transnacionais que competiram pelo privilégio de se instalar na Indonésia, e não o contrário. O governo do arquipélago foi muito bem sucedido em aumentar o valor agregado da cadeia do níquel com sua política de banir as exportações do minério não processado.

Muitas lições para nosso canto tórrido do Terceiro Mundo.

Trabalhadores no Parque Industrial de Morowali
Trabalhadores no Parque Industrial de Morowali