Ariano Suassuna e um Brasil soberano

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Por Arthur Godê – Ontem, no dia 16 de junho de 2021, um histórico patriota brasileiro, Ariano Suassuna, faria 94 anos de vida, sendo homenageado aqui no Disparada por Amanda Salgado. O escritor paraibano foi também advogado e professor de Estética na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), tendo nascido em meio às contradições da vida política, sobretudo a partir do fato de seu pai, João Suassuna, ter sido, para além de originário de uma família da aristocracia rural pernambucana com histórica participação na política brasileira , presidente da então “Parahyba”, o que seria equivalente ao cargo de Governador do Estado, dado que a Constituição vigente, de 1891, dava larga autonomia aos Estados, a partir de uma forma de Governo com caráter descentralizador, em que os chefes do Poder Executivo em âmbito estadual eram os seus respectivos presidentes.

O pai de Ariano foi morto em razão de conflitos políticos no âmbito local e de reverberação nacional, como o caso do assassinato de João Pessoa, que exerceu forte influência sob essa fatalidade em razão do assassino, o advogado João Dantas, ser primo da esposa de João Suassuna e seu apoiador público , não ignorando a importância do fato de serem de campos políticos opostos: enquanto Suassuna e Dantas representavam os interesses de fazendeiros e latifundiários do campo, Pessoa, sobretudo por seu alinhamento a Getúlio, compondo a vice-presidência de sua chapa na disputa presidencial, representava, até determinado ponto, interesses de setores produtivos urbanos e mexia em alguns interesses da classe dominante rural.

A morte de seu pai aos 3 anos propiciou um universo de coisas para Ariano em que, primeiramente, influenciou fortemente sua obra de tal maneira que:

“aquele mesmo menino que, perdendo o pai assassinado no dia 9 de outubro de 1930, passou o resto da vida tentando protestar contra sua morte através do que faço e do que escrevo, oferecendo-lhe esta precária compensação e, ao mesmo tempo, buscando recuperar sua imagem, através da lembrança, dos depoimentos dos outros, das palavras que o pai deixou.”

Para além de sua lembrança e tentativa de compensação, conforme descrito, há algumas influências como a cultura literária consumida por seu pai, a exemplo da obra de Euclides da Cunha e ao contato próximo com o Semiárido Nordestino, com a experimentação de parte de sua infância no município de Taperoá, em que a família Suassuna morou após a morte do pai.

Esse contato empírico, conjugado à vasta literatura brasileira com que Ariano teve íntimo contato, agiu de maneira decisiva para o que ele chamava de “defesa do sertanejo”, compreendendo as particularidades presentes no Sertão, as contradições inerentes à ação do cangaço e às estruturas clericais católicas que tanto influenciam historicamente o ideário popular brasileiro, o que fica evidente no Auto da Compadecida, contando com personagens como João Grilo e Chicó, que levam sua rotina com base em um sofrido e árduo trabalho e em escapismos heroicos nas histórias contadas por Chicó, em que o personagem conclui com “não sei. Só sei que foi assim” ao ser questionado sobre as contradições presentes na narrativa. Há também, na peça, o cangaceiro Severino, dotado de um perfil impiedoso e vingativo, tendo seu principal ponto fraco na religião e na sua devoção ao Padim Ciço (Padre Cícero), exacerbando a contradição presente no cangaceiro que, apesar de ser impiedoso, concentra sua sensibilidade em seu lugar de esperança, em meio a tanto sofrimento.

Tais elementos presentes em sua obra são contundentes metáforas elucidativas da realidade brasileira, com uma forte denúncia da situação do povo pertencente ao que o autor rubro-negro chamava, em alusão à literatura Machadiana, de “Brasil Real”, o Brasil dos desassistidos e marginalizados; o Brasil dos trabalhadores, em contraposição ao “Brasil oficial”, país dos privilegiados, do que Jessé Souza chamaria de “elite do atraso”, de caráter burlesco e caricato.

O autor afirmava que sua missão, inclusive sob o ponto de vista político, envolvia, por meio de sua obra, prestar atenção à arte feita pelo povo que pudesse apresentar um caminho para um projeto de nação, assimilando a identidade do povo brasileiro, a partir das diversidades e contradições presentes na formação histórica e socioeconômica do país, em torno de um projeto político em que o Brasil Real fosse prioridade. Sob o ponto de vista antropológico, Ariano Suassuna converge com uma corrente de pensamento, da qual fazem parte autores como Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro e Nelson W. Sodré, que tem como objetivo pensar o Brasil a partir do Brasil, oferecendo, no caso de Ariano, uma identidade nacional a partir da interpretação de que os elementos formadores de seu povo se estabeleceriam enquanto motivos de orgulho nacional e assimilação de um conjunto de ideias que propiciasse a criação das condições subjetivas necessárias à emancipação do povo brasileiro.

Nesse ponto, a concepção de economia política e de avaliação histórica de Ariano Suassuna, declaradamente socialista, dão continuidade a esse esforço empreendido em âmbito cultural, sobretudo com a larga penetrabilidade do Movimento Armorial no Brasil, evidenciando, mais uma vez as metáforas; o orgulho nacional não se dá por ufanismos abstratos, mas por uma necessidade sob o ponto de vista de emancipação política. Isto é, se faz cristalina, para o autor, que a história do Brasil é marcada pela dependência e pela exploração, sendo também marcada, com “os melhores instintos”, pela luta contra a dependência e pela luta contra exploração.

Saindo, mas ainda estando presente, no pensamento do autor, a dependência se constitui enquanto um dos elementos centrais na dinâmica do Brasil com o mundo, evidenciada na maneira pela qual o país foi inserido historicamente no comércio internacional. A partir de sua independência política formal, o país sai da condição de colônia e se situa na condição de dependência, sobretudo por basear suas cadeias de produção em insumos agrícolas de baixo valor agregado, caracterizando trocas desiguais com os países centrais da dinâmica do Capitalismo e assentadas na superexploração da força de trabalho, categoria utilizada pelo economista Ruy Mauro Marini para explicar que essa superexploração se dá em razão de uma compensação na transferência de valor para os países desenvolvidos, visto que setores da burguesia brasileira – aqueles caracterizados pela dependência – possuem suas forças produtivas menos desenvolvidas, sob o ponto de vista tecnológico e financeiro, diminuindo a composição de valor das cadeias produtivas e necessitando, portanto de um elevado grau de exploração como forma de obter mais-valor e consequentemente, maior lucro ao transferi-lo para o centro, caracterizando-a não como uma exploração consequente da moral burguesa, mas como consequência das necessidades de expansão do sistema.

Para além do pensamento de Marini, pertencente ao conjunto de pensadores da Teoria Marxista da Dependência (TMD), o pensamento de Celso Furtado, da CEPAL, em que vale ressaltar as divergências de Marini sob o ponto de vista teórico-elucidativo da realidade nacional e seu conseguinte prognóstico, apresenta grande diálogo com o pensamento de Ariano Suassuna. Principalmente naquilo que se refere à leitura do Brasil a partir da ótica do Nordeste do país, em que se faz evidente nas formas particulares de relações de produção, como no caso de Chicó, e em relação à necessidade de um Brasil que possa desconcentrar renda a partir de uma matriz produtiva independente, a partir da especialização presente nela e o consequente processo de criação de um mercado interno, onde se fazem presentes, de maneira intensa e contundente, metáforas de Ariano, como a essência de sua obra e do intuito do Movimento Armorial: valorizar o Brasil a partir do povo brasileiro e das riquezas, materiais e imateriais, presentes na Terra das Palmeiras.

Por fim, o escritor paraibano, reforçando seu teor de defesa da soberania nacional, deixa evidente sua admiração por Getúlio Vargas, apesar da presença de sua relação com as contradições presentes na fatal perda do pai de Ariano, no seguinte trecho de uma de suas humoradas palestras:

“Ele tinha amor pelo país. Procurava respeitar e que respeitassem a soberania nacional. E ainda hoje tem gente que não perdoa ele pela Legislação Trabalhista […] E infelizmente, foi deposto. Não foi deposto pelo que tinha de ruim, ele foi deposto pelo que tinha de bom. Tanto assim que o Governante depois dele se enjeitou de ter jogado fora os últimos vestígios do Getulismo no Brasil, quando acabou com a legislação trabalhista”

A sua fala deixa nítido o apego do autor à construção da soberania nacional e de um país projetado para as massas, para o povo brasileiro e trabalhador, seja do campo, seja das cidades. Há também no autor a apologia do Caudilhismo, em que há um líder carismático, popular e que conduz as massas em torno da emancipação do povo e da nação, como foi o caso de Getúlio, que por meio de sua política econômica, dotada de sofridas escolhas, criou o Brasil moderno, um Estado Nacional anteriormente não existente. A apologia ao Caudilhismo, também representado por Leonel Brizola, Hugo Chávez, Simon Bolívar, Fidel e demais bastões da Pátria Grande, toca em uma contradição da esquerda brasileira, que há muito tempo é dotada daquilo que V. I. Lênin chamava de “culto da espontaneidade” , em que o movimento partidário se incumbe do simples papel de servir ao movimento operário, negando a necessidade de uma liderança que conduza o movimento a partir de tarefas e do seu vínculo com a população, coisa essa presente em todas as vezes que qualquer um desses líderes chamou o povo às ruas em busca de conquistas populares.

Portanto, são diversos e imensos os aprendizados obtidos a partir da obra de Ariano Suassuna e de seu respectivo diálogo com o pensamento político de libertação nacional. Vivemos um momento sofrido da vida brasileira, que para além de todas as contradições e sofrimentos comuns à pandemia, é dotado de um extenso programa de privatizações, ferindo a soberania nacional, construída a partir de suor e sangue da luta de brasileiros e brasileiras na construção de um patrimônio nacional e de uma brutal, intensa e sistemática precarização das condições de trabalho no Brasil, que terminou o ano com 39,5% de taxa de informalidade no último trimestre de 2020, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

E nesse momento, a vida e obra de Ariano Suassuna se fazem mais do que necessárias, no sentido de convergir esforços em torno de uma conscientização do povo brasileiro acerca de sua identidade latino-americana enquanto um fator de orgulho e enquanto um elemento essencial para a construção de uma pátria soberana e popular, por meio de um Projeto Nacional, que deve estar no centro do debate político.

E o caudilhismo se constitui de maneira indispensável à compreensão da história da América Latina, com horizonte de libertação nacional e das massas poderem convergir em torno desse projeto, com os brasileiros na vanguarda desse movimento, dando sentido prático à máxima brizolista de que “nossos caminhos são pacíficos, nossos métodos democráticos, mas se nos tentam impedir, só Deus sabe nossa obstinação”.

Por: Arthur Godê.
Estudante de Ciência Política com ênfase em Relações Internacionais, presidente da JSPDT Recife e militante brizolista.