Aquele que deve ser nomeado

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Por Juliana Leme Faleiros – Em 25 de março de 2020, o presidente declarou: “Pô, cara, você quer que eu faça o quê? […]. É a família dele que tem que cuidar dele em primeiro lugar, rapaz. O povo tem que deixar de deixar (sic) tudo nas costas do poder público. Aqui não é uma ditadura, aqui é uma democracia. A família em primeiro lugar. Este foi o discurso que me elegeu, inclusive. […]. Em último lugar, se não tiver ninguém, daí coloca num asilo, o Estado, seja quem for”.

Naquele momento, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tinha recém declarado (11 de março de 2020) que o surto do coronavírus se tratava de uma pandemia, ou seja, uma enfermidade disseminada mundialmente e que por isso, conforme compreensão do Diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, “os países devem adotar uma abordagem envolvendo todo o governo e toda a sociedade, construída em torno de uma estratégia integral e combinada para prevenir infecções, salvar vidas e minimizar o impacto.”

Há inúmeros exemplos que mostram a resistência do presidente em promover ação coordenada com os demais entes federativos, pois minimiza a doença, ridiculariza a Ciência e privatiza o cuidado. De troca de comando no Ministério da Saúde – no momento é o quarto -, do incentivo ao uso de medicamento não indicado para covid19, a incontáveis declarações de que não compraria a vacina do Instituto Butantã até a revelação de que aceitou a pressão do governo Trump para não adquirir a vacina russa Sputnik V, os danos foram emergindo até que o Brasil chegou ao epicentro da pandemia.

Para sua claque, declarou diversas vezes que se tratava de uma gripezinha (04.03.2020); perguntado sobre as mortes de brasileiros, afirmou que não era coveiro (20.04.2020); vociferou que o Brasil tem que deixar de ser um país de maricas (10.11.2020); e noutro momento esbravejou que era necessário parar de frescura e “mimimi” (04.03.2021).

Passado um ano dessa contagem ininterrupta de mortes, desemprego e barbárie, em 23 de março de 2021, o ocupante da cadeira presidencial fez um pronunciamento em rede nacional, gravado e editado, no qual rogou a Deus o conforto dos enlutados e torturou a verdade ao apresentar as (des) medidas governamentais de enfrentamento à covid. Disse que promoveria a vacinação da população brasileira dentro em breve, mas não conseguiu convencer: parecendo contrariado agiu como um refém dos grupos políticos que ainda o sustentam.

Em verdade, esse recálculo na rota com a formação de um comitê tem dois pilares importantes que o amparam e nenhum deles é a real preocupação com a vida ou a dor dos brasileiros. Um primeiro diz respeito a possibilidade de não reeleição, projeto que favorece à própria família, ele e seus zeros à direita. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Habeas Corpus (HC) nº 164.493, que considerou o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro suspeito e parcial para conduzir e julgar processos contra o ex-presidente Lula, reorganizou a cena política e a oposição.

Além disso, em segundo lugar, o presidente se encontra rendido e pressionado por seus apoiadores de primeira hora, Centrão e mercado, vendo-se obrigado a promover a vacinação em massa, a recuar quanto ao comportamento belicoso e propor saídas concretas para o lamaçal para o qual empurrou o país.

O presidente esticou a corda, para usar uma expressão que lhe é peculiar, além do limite e suas ações, suas omissões, seu deboche e seu desdém não serão esquecidos. Nem deles nem de seus apoiadores. Demasiadamente, ele evoca Deus e família, mobilizando afetos e sentimentos daqueles que, por ignorância, má-fé ou preguiça mental insistem em não ver a realidade. Apesar da evocação, esconde o real sentido que confere a essas palavras: dia a dia, o presidente mostra que o Deus que ele diz estar acima de tudo se chama mercado e a família que ele louva é a sua própria.

Ele se diz chefe da nação brasileira, mas só se curva para interesses estritamente econômicos, próprios e/ou de seus familiares. Ele recusa a assumir o comando de políticas públicas que controlem efetivamente esse problema sanitário, minimiza o impacto do vírus que vem devastando o planeta e espezinha a vida humana daqueles que sobrevivem. Às demais famílias brasileiras cabem catar seus cacos e cuidar de suas feridas com nada ou quase nada de apoio do poder público. Brasileiras e brasileiros, sobreviventes da covid e de seu (des) governo, têm muito o que fazer nas próximas décadas, e, espera-se, que tenham um forte desejo de que Jair Messias Bolsonaro também sobreviva para saber que esse período da História terá seu nome amalgamado a todos os detalhes desta política de massacre.

Por: Juliana Leme Faleiros.