Almir Guineto e a dinastia do Pagode de Fundo de Quintal

Almir Guineto e a dinastia do Pagode de Fundo de Quintal
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Por André Luiz Dos Reis – Há tanto, em tão curto espaço, para ser dito sobre o grande Almir Guineto [1946/2017], que hoje completaria 76 anos, pagodeiro de mão cheia que, após concretas dúvidas de por onde começar, decidimos começar do começo.

Pra início de conversa, Almir de Souza Serra é nascido e criado em berço de bamba, no morro do Salgueiro, no Rio de Janeiro, no ano de 1946, rebento de dois fundadores do Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro (1953), Iraci Serra (Seu Ioiô) e Nair Souza, mais conhecida como Dona Fia.

Não bastasse ser fruto do amor de dois destacados bambas, Almir tinha mais dois irmãos, também bambas, o Chiquinho, um dos fundadores dos Originais do Samba, nos anos 1960, ao lado de Mussum, Lelei, Rubão, Jonas e Zeca da Cuíca.

O segundo irmão de Almir se chamava Lourival de Souza Serra e – adivinha? – também integrava o mundo do samba. Tornou-se nacionalmente conhecido, aclamado e venerado, atendendo pelo nome de Mestre Louro – ele mesmo -, o mítico Mestre da Bateria Furiosa do Salgueiro. Foi Diretor de Bateria da Escola de 1978 à 2003, e polêmicas à parte, totalizou mais de 200 premiações, entre títulos e 5 estandartes de ouro à frente da Bateria. Além disso, Mestre Louro era também trabalhador, e se aposentou como fiscal da Comlurb, em 2007, um ano antes de vir a falecer acometido de um câncer no estômago. Será eterna sua memória.

O pai de Guineto, seu Ioiô, era membro da ala de compositores do Salgueiro e tocava violão; sua mãe, Dona Fia, era costureira e membro super ativo da Escola; o irmão Chiquinho tocava agogô e ganzá; o Louro era ritmista, ou seja, tratava-se de família inteiramente sambista. Foi nessa ambiência que o compositor de “Lama nas ruas” cresceu e se criou.

Na juventude, no início dos anos 1970, Almir já era um dos diretores do Salgueiro e também mestre de bateria. Estava frequentemente no Cacique de Ramos, tradicional bloco carnavalesco carioca, junto da ala de compositores. A tradição conta que foi mais ou menos nesse tempo que Almir teve uma brilhante ideia, que garantiu definitivamente seu lugar no panteão da música popular brasileira: ele CRIOU um instrumento. Sim, ele pegou o braço do cavaco e uniu ao corpo do banjo, inventando o banjo cavaquinho, que foi logo adotado pelos músicos do gênero. Existe a possibilidade da participação do Mussum na idealização do artefato híbrido. Guineto teve breve passagem nos Originais do Samba, em 1969.

O pagode, subgênero do samba carioca, cujo “nome de batismo” é pagode de fundo de quintal, também chamado de pagode de mesa, surge nos Subúrbios Cariocas da Leopoldina e da Central, nos anos 1970 e tem sua raiz mais profunda justamente no Cacique de Ramos, fundado por Bira Presidente, Ubirany e Sereno, em 1961. Essa Raiz gerou muitos frutos, uma vez que Arlindo Cruz, Sombrinha, Jorge Aragão e Almir Guineto foram todos integrantes do Fundo de Quintal, grupo nascido e criado no Cacique.

Beth Carvalho, a eterna Madrinha do samba, ajudou a revelar o grupo e seus compositores, gravando um sem número de suas composições. Em 1979, ela grava “Coisinha do Pai”, composição de Almir Guineto, Jorge Aragão e Luiz Carlos. O sucesso estrondoso que a canção fez foi algo fenomenal, uma força enorme, que estourou nas rádios, nas festas, nos programas de televisão, nas ruas, nas rodas de samba, nos botequins. Fez tanto sucesso que chegou até Marte, no ano de 1997, quando a operadora brasileira da NASA, escolheu ‘Coisinha do Pai” para acordar o robô da instituição, em terras marcianas. Uau!

Em 1981 lançou seu primeiro LP, “O Suburbano”. O seu terceiro LP “Sorriso Novo”, traz dois pagodes de grande sucesso, Jibóia (Autor: Bombril) e Insensato Destino, de autoria de seu irmão Chiquinho/Maurício Lins/Acyr Marques.

Após integrar os Originais do Samba, Fundo de Quintal, ser diretor e mestre da bateria do Salgueiro, de compor mais de uma dezena de músicas gravadas por Beth Carvalho, Alcione e outros (Jovelina Pérola Negra gravou Trama em 1987, no LP Luz do Repente), em 1986, lança o LP que o consagra. O álbum “Almir Guineto”, trouxe Lama na ruas, parceria sua com Zeca Pagodinho – dizem as más línguas que algum tempo depois os dois se desentenderam -, Conselho, Quem me guia, Caxambu e Mel na boca. O LP foi um grandioso sucesso e hoje é um clássico indispensável para quem curte um pagodão de fundo de quintal, aquele pra ninguém botar defeito.

O Almir Guineto faz parte do time de músicos que criou/inventou o pagode de mesa, esse que muitos chamam de “samba de raiz”. Ele, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Beth Carvalho e Sombrinha formam, sem dúvida ou exagero, o primeiro escalão do pagode carioca, como o conhecemos. Esses ilustres pagodeiros construíram uma parte da História da Música brasileira que precisa ainda ser pesquisada e contada em detalhes, para que possamos ter um registro a contento desse momento tão rico da nossa História, sob tantos e democráticos aspectos.

Você deve notar que muitos artistas estão ausentes dessas linhas, mas é por pertencerem a categorias de samba diferentes do pagode de fundo de quintal, como Noel Rosa, Bezerra da Silva, Dona Ivone Lara, Cartola, Adoniran Barbosa, Paulinho da Viola, Candeia, dentre outros.

Para quem se interessou pelo tema, recomendamos a obra do Historiador – e ilustre botafoguense – Luiz Antônio Simas e de Alberto Mussa, o livro “Samba de Enredo – História e Arte”.

No mais, ‘vamos na dança do Caxambu, Saravá, jongo, Saravá, engoma, meu filho, que eu quero ver, você rodar até o amanhecer.’

PÃO, TERRA, TRADIÇÃO

Por André Luiz Dos Reis

Publicado pela Frente Sol da Pátria

Almir Guineto e a dinastia do Pagode de Fundo de Quintal
Foto: Acervo de Família